Olhe para ele: estendeu a mão, apertou a vossa, sorriu, disse olá... Antes de chegarem disse-lhe várias vezes que devia agir assim, mas nunca posso ter a certeza da forma como o meu filho vai reagir com pessoas que não conhece. Há três anos, antes de lhe ser diagnosticada uma perturbação do espectro do autismo e de receber treino de competências sociais, ele nunca vos cumprimentaria. Poderia até atirar-vos com os sapatos, por exemplo. Fez isso com uma psicóloga...
Vou começar por explicar algo que vos pode parecer estranho. Durante dez anos vivi com a ideia de que o meu filho tinha um atraso no desenvolvimento. Parece mau, mas não é. Reparem - um atraso é algo que se recupera.
Apesar de aos dez anos o meu filho não conseguir vestir-se ou tomar banho sozinho; de se recusar a entrar num supermercado ou num café; de ainda brincar com os seus dinossauros, no chão; de nunca, na vida, ter feito um único amigo; de nunca me ter tocado de forma espontânea ... eu pensava - é um atraso, vai recuperar, há-de chegar à universidade, há-de ser doutor.
Atenção - não sou louca! O meu filho tem um QI normal; graças ao apoio de professores do ensino especial (para recuperar o tal "atraso") já sabia ler e escrever e hoje está no 7.º ano e é um apaixonado por História.
Isto para explicar que eu acreditava, realmente, que, desde que eu não desistisse, ele iria recuperar e apanhar as outras crianças. Era isso que me fazia correr até ouvir a palavra autismo, na Consulta de Desenvolvimento do Hospital Pediátrico de Coimbra. Nesse dia, desmoronei.
Quando ele tinha um ano de idade eu disse aos médicos: "Só queria que ele olhasse para mim"; e eles responderam: "Não se preocupe, cada menino tem o seu ritmo." Aos dois anos, quando o levei a uma consulta de otorrinolaringologia pedi: "Só queria que ele se virasse quando o chamo"; e o médico: "Ele ouve perfeitamente, tem de ser menos ansiosa"; e aos três, porque ele não falava, disseram: "Tem um atraso, vai para a terapia da fala e recupera..."
E, de repente, alguém me dizia: o seu menino nunca será igual aos outros.
Desmoronei, é verdade, mas hoje sei que estava errada e é isso que quero partilhar com outros pais. Saber que um filho é autista significa saber como ajudá-lo. Dá muito trabalho. É preciso ensinar e repetir e insistir em coisas óbvias como em que os sapatos só se põem depois de vestir as calças. E não desistir quando, três anos depois, aos 13 anos, ele continua sem perceber por que há-de haver um sapato para um pé e outro para outro se ambos são a mesma coisa: sapatos. É só um exemplo, imaginem isto em relação a cada tarefa do quotidiano. Mas imaginem, também, a alegria que cada conquista representa.
A perspectiva muda. Já não acho assim tão importante que ele seja doutor, só quero que seja feliz. Há tempos, a ver um programa na televisão sobre um menino pastor ele disse: "É aquilo que eu quero." E por isso eu rio e prometo: se concluir que é disso que ele precisa para ser feliz serei eu própria a comprar meia dúzia de cabras e a acompanhá-lo lá acima, ao monte.
Escrito por Graça Barbosa Ribeiro a partir de uma entrevista com Ana Margarida Pimentel
2 comentários:
Gosto muito deste depoimento... vem de uma mãe... é assim que sentimos quase todas.
Beijinhos
Cristina
Muito bom! Tenho um filho autista de 1 ano e 5 meses que parece se encaixar na descrição do teu. Vamos começar um tratamento.
André.
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