quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Desvios na Escola Inclusiva

A política do Ministério da Educação pede um grito de revolta, uma denúncia perante os organismos internacionais.
Em 1992, a ONU declarou, em Sessão Plenária Especial, o dia 3 de Dezembro como Dia Internacional das Pessoas com Deficiência.
As pessoas com deficiência têm um Dia Internacional. Um dia para que a deficiência seja assunto e notícia.
O Dia Internacional serve para recordar os direitos das pessoas portadoras de deficiência. Serve também para recordar os deveres para com as pessoas com deficiência. Serve para denunciar desvios aos compromissos assumidos.
No Dia das Pessoas com Deficiência cumpre denunciar, mais uma vez, que nem a população escolar portadora de deficiência escapou aos cortes no orçamento. Também essa população foi sacrificada pela obsessão por um défice insaciável, por um défice que conta mais que as pessoas.
Para as contas de um défice cilindrador reduzem-se os apoios aos alunos com deficiência.
A Declaração de Salamanca e muitos outros documentos que lhe seguiram são claros e exigentes quanto aos deveres de uma escola inclusiva.
As crianças portadoras de deficiência têm direito a uma escolaridade adequada às suas capacidades e ao seu ritmo de aprendizagem, beneficiando dos recursos necessários, de técnicos de reabilitação, para que possam adquirir e treinar competências que as tornem mais autónomas e mais independentes, para que sejam menos deficientes.
A escolaridade das crianças com deficiência não é um desperdício de dinheiro. A deficiência não pode ser motivo de cortes no orçamento, porque a educação e a reabilitação desenvolvem capacidades. O desenvolvimento das capacidades disponíveis dispensa outros apoios durante a vida e dignifica a vida dos portadores de deficiência.
Não foi esse o entendimento dos nossos governantes, sempre tão lampeiros nas assembleias internacionais, onde se mostram tão diferentes do que são cá dentro. Os nossos governantes assinaram a Declaração de Salamanca e muitos outros documentos, mas sacrificam com desumanidade e sem sensibilidade os portadores de deficiência. Nessa atitude, esquecem os documentos que assinaram em assembleias internacionais, esquecem compromissos assumidos. As crianças com deficiência têm direito à educação em comunidades escolares inclusivas, beneficiando dos apoios necessários ao seu desenvolvimento possível. Mas as notícias deste ano lectivo são deprimentes, humilham as crianças portadoras de deficiência, humilham as famílias dessas crianças. A política do Ministério da Educação (ME) pede um grito de revolta, uma denúncia perante os organismos internacionais.
O ME começou por baralhar os conceitos e desarrumar as práticas seguidas nas escolas para os alunos com necessidades educativas especiais. A pretexto de um rigor puramente administrativo e com o objectivo de poupar, muitos alunos que eram considerados pelas escolas com necessidades educativas deixaram de o ser por decisão fria e burocrática. Logo aí se esqueceu o que consta nos Censos de 2001. Segundo estes dados, 53% dos deficientes registados não estão classificados quanto ao grau de incapacidade. Muitos dos alunos que deixaram de beneficiar de apoios especiais são alunos com algum grau de défice intelectual.Nessa situação, ME mostrou que não tem a noção das reais necessidades educativas. De seguida, o Ministério reduziu o número de professores para trabalhar com a população com deficiência. O ME não respeitou as especializações. Deixou professores especializados sem colocação e colocou professores sem preparação e sem experiência a trabalhar com alunos com deficiência. Para trabalhar com estes alunos, além da preparação específica, é necessário que os professores estejam sensibilizados para aceitarem esses alunos. Os alunos com deficiência precisam do acompanhamento e vigilância de auxiliares de acção educativa. Há alunos que precisam de acompanhamento no refeitório, nas idas às casas de banho. Também aqui o ME não está a respeitar os compromissos assinados. Correm notícias de que há crianças que não têm os apoios necessários, porque auxiliares de acção educativa não foram colocados em número suficiente. Acresce que o pessoal auxiliar que trabalha com estes alunos é recrutado como tarefeiros, sem preparação para o trabalho que executam, isto quando o discurso oficial é o da "qualificação". A situação laboral precária e a remuneração de miséria não contribuem para um trabalho de qualidade, que exige dedicação, sensibilidade e carinho, nalguns casos algum risco pelos comportamentos imprevisíveis dessas crianças.
Carinho e dedicação são competências indispensáveis no trabalho educativo com crianças portadoras de deficiência.
Os pais e os encarregados de educação destas crianças que se ponham alerta porque a obsessão pelo défice está a desvirtuar a escola inclusiva. Os encarregados de educação destes alunos que "acordem", porque há quem pense que estas crianças não são merecedoras de grandes gastos com a educação porque, mais tarde, também não serão suficientemente produtivos num sistema de economia competitiva, como convém a uma sociedade de matriz neoliberal, onde tudo é medido pelo lucro, pela rentabilidade, e não pela dignidade das pessoas.
Manuel Miranda
in www.educare.pt

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