Foi publicado o Decreto-Lei 3/2008,que define os apoios especializados a prestar na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário dos sectores público, particular e cooperativo.
Uma primeira nota de regozijo pela inclusão expressa das desordens do espectro do autismo e, consequentemente, da consagração legal das unidades de ensino estruturado que, estando já a funcionar em vários agrupamentos de escolas, continuam a ser objecto da desconfiança de vários Conselhos Pedagógicos, porque o pior de tudo é a ignorância, o preconceito e a soberba que a acompanham.
Uma segunda nota de regozijo para o facto de a aplicação ter sido alargada aos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, com repercussões legais que chegam à retirada do paralelismo pedagógico aos estabelecimentos que recusarem a admissão a crianças com necessidades educativas especiais.
A criação de escolas de referência para alunos surdos, cegos, com perturbações do espectro do autismo e com multideficiência, dotadas de equipamentos, respostas educativas e de especialistas nas diversas áreas da deficiência.
São motivos de preocupação:
A avaliação educacional por referência à Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde,da OMS, com base na qual será elaborado o programa educativo individual (artº. 6º. ponto 3). Ora, esta classificação internacional é uma referência para os cuidados de saúde, mas é manifestamente insuficiente e inadequada em matéria educativa.
Com efeito, os alunos com deficiências nas áreas sensorial e mental constituem uma escassa percentagem dos jovens com necessidades educativas especiais.
O conceito "necessidades educativas especiais" foi criado justamente para abranger os jovens que, não tendo deficiências sensoriais ou mentais, chegam à escola e não aprendem e, não aprendendo, não têm sucesso educativo e, não tendo sucesso educativo, ficam em risco altamente acrescido de exclusão social; refiro-me designadamente aos cidadãos que sofrem de transtornos da aprendizagem (F81 do DSMIV), do desenvolvimento da coordenação (F82, DSMIV) que, não sendo de carácter médico, interferem significativamente no rendimento académico e/ou nas actividades da vida quotidiana, os transtornos da comunicação (F80 do DSMIV), que, também eles, podem não estar associados a um défice sensorial, motor ou neurológico, os transtornos generalizados do desenvolvimento (DSMIV, F84) alguns dos quais não estão ainda especificados, os défices de atenção e comportamentos perturbadores (DSMIV, F90 e 91), que podem não ter carácter permanente caracterizados por desatenção, hiperactividade e impulsividade, e que, mesmo em remissão parcial, têm, como qualquer professor ou pai sabem, implicações dramáticas no rendimento escolar.
Como os leitores podem verificar, o DL 3/2008 restringe as medidas educativas previstas no ponto 2 do artigo 16 às necessidades educativas especiais com carácter permanente, que, referidas à CIF se enquadram exclusivamente na área das deficiências mental, sensorial e multideficiência, e cuja permanência é o único referencial de aplicação (cf. Preâmbulo; artigo 1º., nº. 1; artigo 2º., nºs. 2 e 4; artigo 4º., nº. 1; artigo 12, nº. 1; artigo 14, nº. 1; artigo 16, nºs. 1, 4 e 5;artigo 19, nº. 2 e artigo 30, alínea a).
A avaliação educacional tem de ser feita com base no funcionamento dos indivíduos em contexto educativo e não com base em critérios de funcionalidade dos indivíduos adultos e de natureza médica, que nem sequer foram ainda adaptados às idades mais jovens.
O problema de fundo desta legislação é sabermos com que recursos podemos contar para incluir essa larga fatia, que é mesmo a maior fatia das necessidades educativas especiais, e que está estimada entre os 12 e os 18%, de pessoas que, não sendo deficientes, precisam de medidas educativas adequadas ao seu perfil de funcionamento académico.
Há alguns anos considerava-se que as "dificuldades de aprendizagem", que é uma forma linguisticamente eufemística de traduzir o conceito de learning disability ocupavam apenas parcialmente a vida dos indivíduos, isto é, o período em que estavam na Escola, para lá do qual estes cidadãos podiam ser perfeitamente integrados, tanto na vida social, como no mundo do trabalho; ao invés, hoje em dia, as exigências do trabalho e da qualificação colocam essas pessoas em risco acrescido de exclusão social.
Idalina Jorgein Paideia
Sem comentários:
Enviar um comentário