Muitas empresas continuam com nível baixo de digitalização, embora esta esteja associada a melhores salários dos trabalhadores e maior produtividade. Um modelo educativo obsoleto, professores desmotivados e alunos que não querem seguir os passos dos profissionais que se manifestam por melhores condições de trabalho: estas são algumas das conclusões do Relatório do Estado da Nação deste ano.
"Continuamos a ter um modelo educativo do século XVIII, com professores do século XX, para alunos do século XXI", diz Carlos Oliveira, presidente executivo da Fundação José Neves ao SAPO24, aquando do lançamento do Relatório Estado da Nação: Educação, Emprego e Competências em Portugal, de 2023.
"Os jovens de hoje não querem ser professores", já não acham o ensino uma profissão atrativa, diz Carlos Oliveira. "Tem a ver precisamente com todo este caminho que se fez de degradação da perceção da profissão dos professores, que é uma profissão central para o desenvolvimento de todos os países", acrescenta, referindo-se nomeadamente às sucessivas greves que inundam a comunicação social.
"O problema dos professores tem que ser resolvido no curto prazo, mas é igualmente importante resolver o problema mais a longo prazo. Continuamos, enquanto país, a olhar para o problema do dia", acrescenta o presidente executivo. A comunicação social cobre as reivindicações dos professores que "com razão" pedem melhores salários e condições de trabalho, "mas não vemos a falar também do essencial, que é: os professores, as escolas, são o motor da educação, são não o fim em si mesmo. O fim da educação é qualificar portugueses, seja jovens, seja adultos, e dar-lhes competências, as ferramentas para que possam ter um futuro melhor", conclui.
Estas competências, defende Carlos Oliveira, são mais importantes do que "se a pessoa acabou o secundário, se fez o ensino superior, se fez um mestrado ou doutoramento. Isso é importante, mas o fundamental é que esses graus estejam, de facto, a entregar competências e qualificações reais aos portugueses", defende.
E, no caso dos alunos que passaram pelo período da pandemia, e que agora terminam os seus graus, "nada disto é garantido", diz Carlos Oliveira. "Eles provavelmente estão a atingir um grau sem ter ganho as competências e as qualificações que precisavam para terem sucesso na sua vida".
Para perceber o impacto que a pandemia teve nos estudantes portugueses era preciso, antes de mais, ter dados disponíveis, o que Carlos Oliveira admite que não é o caso. É por isso que esta terceira edição do relatório da Fundação José Neves cita dados internacionais, não nacionais.
"Esse é um dos grandes desafios que tivemos ao fazer este Estado da Nação", admite o presidente. "Para Portugal não há dados sobre essas perdas de aprendizagens, que são uma das áreas que nós achamos que é muito importante uma medição do impacto, para que se possam tomar as melhores decisões. Mas não há dados para termos números concretos, e portanto tivemos de olhar para aquilo que há em países que, de facto, têm esses dados disponíveis".
Já do lado dos professores, ou seja, dos que seguiram o caminho da educação e entre os quais agora há um grande arrependimento, há uma tendência de queda na área de formação. "Os alunos inscritos que podem vir a ser professores tem vindo a diminuir. E com o envelhecimento desta classe, o que não é novidade", é preciso pensar em estratégias alternativas para colmatar esta falta de professores - para o curto prazo, "não para daqui a 20 anos".
Até porque, explica ao SAPO24, mudanças no sistema educativo demoram tempo. "Temos aqui um problema enormíssimo, e nenhum governo tem pegado nestes assuntos. E isso é grave, porque qualquer mudança num sistema tão complexo como o sistema educativo vai demorar anos, e o mundo não está a evoluir tão lentamente como evoluía há duas décadas, ou há cinco décadas, ou há dois séculos, está a evoluir em tempo real. E estes sistemas demorarão muito tempo a ajustar-se".
Quando passam a fase da educação, o que acontece a estes alunos? Os dados do relatório mostram que houve uma queda acentuada dos salários reais, em particular, entre os jovens qualificados. Em 2011, um jovem adulto com curso superior tinha, em média, um salário 50% superior ao de um com o ensino secundário. Em 2022, essa diferença diminuiu para 27%. Portugal "tem de conseguir dar a volta a isto, para pagar melhores salários a todos os portugueses, mas em particular àqueles que apostam nas suas qualificações e nas suas competências", defende o presidente da fundação.
No que toca à digitalização, "é essencial para melhores salários, para mais produtividade, e é aquilo que o país precisa". Embora já seja um processo em andamento, Carlos Oliveira defende que tem de ser acelerado, visto que as empresas mais produtivas são as que têm trabalhadores mais qualificados e com um nível de digitalização mais elevado. "Está tudo interligado", sublinha.
O presidente executivo aponta para o paradoxo de uma minoria de alunos portugueses utilizarem tecnologias digitais na aprendizagem escolar, mas depois utilizarem-nas fora do contexto de aprendizagem. "Mais uma vez demonstra esta desconexão entre o sistema de educação que está a formar alunos para o século XXI, mas que não utiliza as ferramentas que os alunos usam todos os dias nas suas casas".
O relatório concluiu que 4 em cada 10 trabalhadores portugueses estão em empregos em que não utilizam tecnologias digitais, ou fazem uma utilização muito básica das mesmas, e que 48% das empresas tem um nível de digitalização baixo. "Isto é muito preocupante", diz o presidente da fundação. "O que vemos nas empresas que estão mais digitalizadas, é que são as que pagam melhores salários, são as que têm maiores níveis de produtividade, e uma produtividade que é francamente superior às que não são digitais. E, por exemplo, num momento de crise como a pandemia, foram aquelas que resistiram melhor".
Entre os adultos com menos qualificações, 75% não tem competências digitais básicas. "É preciso atuar na qualificação, seja pelas empresas, seja o próprio Estado", para evitar que estas pessoas fiquem ainda mais para trás com a digitalização. Só assim haverá uma maior proporção de pessoas com qualificações adequadas para dar resposta ao que o mercado procura. "A aposta na digitalização é uma prioridade, quer no mundo, quer na Europa, não é isso que está em causa. Nós não podemos é ficar para trás", reforça.
Não só os trabalhadores menos qualificados, mas também as mulheres, continuam com pouco peso nestas profissões digitais, o que para Carlos Oliveira constitui uma oportunidade. Uma oportunidade para trazer mais mulheres para as áreas que precisam de mais digitalização, que têm poucos recursos humanos disponíveis, e onde estas podem aumentar esses recursos e apostar na digitalização que Portugal tanto precisa.
Num estudo que tem como objetivo fazer um "raio-x" anual sobre a situação e a evolução de Portugal, a fundação também procura fazer uma atualização de se o país está no bom caminho para ser uma sociedade de conhecimento em 2040. Para cumprir este objetivo é preciso apostar no aumento da qualificação dos portugueses, que com a inteligência artificial e a digitalização perdem ainda mais capacidade de estar no mercado de trabalho.
"Termos um país que saia de uma vez por todas desta estagnação em que tem vivido, de salários, de desenvolvimento de vida. E a educação é aqui um tema central que tem de ser olhado de outra maneira, politicamente, pela sociedade, por cada um dos indivíduos. Isto não está a acontecer, e é lamentável", conclui.
Fonte: Sapo24 por indicação de Livresco
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