Os últimos quarenta anos de investigação têm destacado, crescentemente, a importância do conhecimento prévio na leitura. Numa revisão crítica, publicada em 2021, Reid Smith, Pamela Snow, Tanya Serry e Lorraine Hammond, analisaram, detalhadamente, vinte e três estudos relativos a esta questão. As conclusões desta revisão são muito importantes para o ensino da leitura.
Fundamentos Teóricos
As perspectivas esquemáticas da leitura, como o Modelo de Construção-Integração de Kintsch (1998), consideram que a leitura envolve a interacção entre as representações literais, proposicionais, do texto (“textbase”. Em Português, “base do texto”) e um esquema com ele relacionado, formado pelo conhecimento prévio.
De acordo com esta perspectiva, o leitor, para desenvolver uma representação mental do texto, o modelo de situação, tem, necessariamente, de interligar duas componentes: a) a base do texto, conservada temporariamente na memória de trabalho, constituída por inferências locais e informações explícitas do texto; e b) os esquemas cognitivos, que consistem no processo pelo qual o leitor relaciona as informações do texto com o conhecimento prévio (isto é, com o conhecimento geral sobre o mundo que o rodeia).
O “modelo de situação” dos leitores menos proficientes é, geralmente, menos detalhado, uma vez que esses leitores têm menos competências para construir uma base de texto coerente e/ou esquemas cognitivos adequados. A sua compreensão da leitura é menor, uma vez que, sem uma base coerente, retiram pouca informação do texto; e, sem um esquema cognitivo adequado, não conseguem produzir inferências, nem consequentemente, relacionar adequadamente as informações do texto com os conhecimentos prévios.
O Modelo de Construção-Integração sublinha a importância de três factores na compreensão da leitura: a) o conhecimento prévio do leitor; b) a memória de trabalho; e c) as características do texto. O conhecimento prévio assume um papel fundamental na compreensão da leitura. Este conhecimento é armazenado na memória de longo prazo, sob a forma de proposições. As proposições são, por sua vez, activadas durante a leitura, e estão interligadas e organizadas em diversos esquemas, que integram o conhecimento do leitor acerca de um determinado tema ou domínio.
Os esquemas são desenvolvidos a partir do conhecimento e experiência individual. Diferem, portanto, de leitor para leitor.
Além disso, podem variar em termos de quantidade, qualidade e organização do conhecimento. No decurso da leitura, os esquemas relacionados com o texto são activados para apoiar a construção do modelo de situação. Porém, quando os leitores não têm o conhecimento necessário para integrar, adequadamente, a base de texto, aos esquemas preexistentes, constroem um modelo menos eficaz. Têm, consequentemente, mais dificuldades em compreender o texto lido.
A memória de trabalho é uma das funções executivas com um papel crítico na leitura. De acordo com a literatura, esta função executiva constitui-se como um sistema de armazenamento temporário de informação, que apoia o leitor na compreensão do texto ou, numa linguagem mais técnica, na construção do modelo de situação.
Para que o leitor compreenda o texto, é fundamental que a memória de trabalho não seja sobrecarregada. Caso contrário, o modelo de situação é menos detalhado e, consequentemente, a compreensão da leitura menor.
Para os leitores cujo conhecimento prévio é limitado, associar as informações do texto ao conhecimento, é um processo que sobrecarrega a memória disponível. O mesmo não sucede, no entanto, com os leitores que têm muito conhecimento. Para estes, o processo de associação das informações do texto ao conhecimento prévio é automático, o que reduz, significativamente, as exigências impostas à memória de trabalho. A compreensão é, por isso, maior, nos leitores que lêem melhor do que nos leitores que têm dificuldades.
No que diz respeito às características do texto, sabe-se que os textos diferem em termos de coesão, coerência, objectivos e características linguísticas. Segundo a literatura, o grau de coesão e de coerência textual determina a facilidade com que o leitor aplica o conhecimento prévio à compreensão do texto. Textos pouco coesos e coerentes, exigem um processamento mais activo e o direccionamento da atenção e confiança para o conhecimento prévio, uma vez que é necessário produzir mais inferências de modo a interligar, adequadamente, as frases e ideias do texto. Além disso, estes textos exigem muito esforço por parte do leitor e, portanto, este pode ignorar, inconscientemente, informações importantes que poderiam apoiar a compreensão. Mais especificamente, estas exigências reduzem a capacidade disponível de memória de trabalho, resultando no desenvolvimento de um modelo de situação limitado e, consequentemente, numa compreensão da leitura reduzida.
O desenvolvimento do conhecimento prévio, em sala de aula, pode ser muito relevante para a aprendizagem e desenvolvimento da compreensão da leitura. Contudo, tal não parece, ainda, suceder. De acordo com a literatura, os alunos são incentivados, desde cedo, a usar estratégias de compreensão da leitura, como encontrar a ideia principal do texto.
Embora estratégias como esta sejam pouco sustentadas pela evidência, elas são dominantes na sala de aula sendo, até, usadas em detrimento do ensino do conhecimento geral. Além disso, a responsabilidade pelo desenvolvimento do conhecimento prévio é, ainda hoje, atribuída aos pais, o que é surpreendente.
A influência do conhecimento prévio na compreensão da leitura
Smith et al. (2021) procuraram determinar a influência do conhecimento prévio na compreensão da leitura dos alunos que frequentam o Ensino Básico. Para isso, os investigadores desenvolveram uma revisão crítica. Esta metodologia permitiu-lhes sintetizar informações de diversas fontes, bem como desenvolver hipóteses com base nos dados recolhidos.
Foram seleccionados e analisados, pormenorizadamente, vinte e três estudos. Destes estudos, apenas seis foram publicados nos últimos quinze anos, sendo a maioria da década de 1980 e 1990. As amostras dos estudos variaram entre as 20 e as 674 crianças, dos seis aos doze anos de idade. Os resultados mais relevantes são os seguintes:Níveis elevados de conhecimento prévio permitem uma maior compreensão da leitura, independentemente de os alunos serem, ou não, bons leitores. Os alunos, quando lêem textos sobre um tema que dominam, quer em termos de quantidade, quer em qualidade, compreendem melhor o texto.
O conhecimento prévio dos alunos pode compensar as suas dificuldades na compreensão da leitura. Isto é, as dificuldades de compreensão dos alunos podem ser atenuadas ou minimizadas pelo conhecimento da temática do texto. De acordo com os resultados obtidos, recorrer ao conhecimento prévio permite aos alunos resumir e recordar o texto lido. O efeito compensatório do conhecimento prévio permite-lhes, assim, construir uma base do texto adequada, semelhante à dos alunos sem dificuldades de compreensão. Além disso, este efeito permite-lhes desenvolver um modelo de situação mais eficaz, embora não tão detalhado quanto o dos leitores sem dificuldades. O conhecimento prévio pode, portanto, compensar as baixas capacidades de compreensão dos alunos, mas não completamente.
O impacto negativo do baixo conhecimento prévio na compreensão da leitura pode ser atenuado pelo aumento da coesão e coerência textual. Os alunos com pouco conhecimento beneficiam da leitura de textos mais coesos e coerentes, uma vez que não têm os conhecimentos necessários para desenvolver inferências adequadas sobre o que leram. Por outras palavras, têm sérias dificuldades em interligar as ideias do texto. O mesmo não sucede, no entanto, com os alunos com muito conhecimento prévio. Estes alunos conseguem, geralmente, desenvolver um modelo de situação detalhado e completo, mesmo quando os textos não são muito coesos e coerentes, uma vez que recorrem ao conhecimento para compreender o texto.
Por último, mas não menos importante, o tipo de texto que os alunos lêem tem influência, na medida em que o conhecimento prévio compensa as dificuldades na compreensão da leitura: este efeito compensatório parece ser maior na leitura de textos expositivos do que de textos narrativos.
Escrito por Soraia Araújo e João Lopes
Referência Bibliográfica:
Smith, R., Snow, P., Serry, T., & Hammond, L. (2021). The role of background knowledge in
reading comprehension: A critical review. Reading Psychology, 1-27.
Fonte: Iniciativa Educação
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