domingo, 22 de julho de 2018

As nossas escolas são inclusivas. E a inclusão, é uma utopia ou não?

Nas duas últimas décadas, as políticas de educação especial em Portugal levaram à inclusão da quase totalidade das nossas crianças e jovens com deficiência e incapacidade nas escolas de ensino regular.

Portugal é um país com leis bonitas, bons especialistas e profissionais sempre solidários e com capacidade de improviso, por isso chegámos a resultados sem precedentes na educação especial em Portugal.

Os alunos com Necessidades Educativas Especiais passaram a representar 7% da população escolar (81 672 alunos, em 2017/ 18) nas escolas públicas. Modificou-se a escola para acomodar estes alunos e não se esperou o contrário. Criaram-se agrupamentos de escolas especializados no atendimento a alunos com deficiência e incapacidade: auditiva, visual, com perturbação do espetro do autismo e com multideficiência.

A nossa situação tornou-se única. Hoje, a inclusão nas escolas públicas abrange a maioria das crianças e jovens com deficiência. A passagem destes alunos para as escolas regulares levou à diluição ou extinção de outros programas sociais e da saúde a eles dirigidos. As consultas e programas hospitalares especializados passaram a cobrir quase exclusivamente a idade pré-escolar, muitos serviços especializados da segurança social foram reestruturados e as respostas para os alunos com deficiência à saída da escolaridade obrigatória escasseiam.

Comparado com outros países, as nossas práticas e números da educação especial tornaram-se diferenciados.

Por exemplo, no Reino Unido quando se frequenta uma “escola especial”, é porque não se consegue ter um acesso comprovado e mínimo aos currículos, estruturas e aprendizagens oferecidos pelas escolas “regulares”. Beneficia-se da maior inclusão possível na comunidade circundante à escola especial e todas as práticas são tuteladas uniformemente e com base em conceitos claros.

Os alunos portugueses com deficiência, independentemente do seu nível de alteração e de participação não podem escolher frequentar uma escola especializada, aberta todo o ano, com uma equipa multidisciplinar alargada e com estruturas e recursos especializados, sem antes terem de passar pela escola regular e terem de justificar muito bem o seu “pedido de encaminhamento”.

A 6 de junho deste ano foi publicado em Diário da República o novo regime jurídico da educação inclusiva em Portugal, acompanhado pela operacionalização do perfil do aluno à saída da escolaridade obrigatória (Decreto-Lei nº 54/2018 e Decreto-Lei nº 55/2018, respetivamente).

A “nova escola pública” preconizada na lei vai modernizar-se, centrar-se mais no aluno e abraçar a diversidade que atualmente a carateriza. Com especial enfoque na flexibilização curricular (a possibilidade de substituição de até 25% do currículo obrigatório por projetos da escola), pretende-se criar medidas e procedimentos mais atuais, dirigidos à promoção da equidade e do sucesso educativo de todos, “chegando a todos os alunos e aos contextos das suas vidas, com medidas universais, seletivas ou adicionais de gestão curricular”.

A inclusão e a diversidade vão ser trabalhadas em cada escola desde a sua base e incluir todos os adultos e alunos num desenho universal da aprendizagem para todos. A escola inclusiva vai dominar e lidar com diferentes temas e áreas e vai incluir todas as seções da sociedade.

Mas no contexto dos alunos tão especiais como os que encontramos nas escolas portuguesas, a diversidade não deveria continuar a implicar a mobilização de acessibilidades e recursos significativos, a prestação de cuidados especiais nas escolas, o desenho de atividades centradas nestes alunos e a transformação de um conjunto significativo de atividades e estruturas para as tornar suficientemente inclusivas para quem tem níveis reduzidos de funcionamento e participação?

É possível aplicar um modelo tão lato ao nosso contexto de educação especial/deficiência e incapacidade tão único?

Para os alunos surdos e cegos, que têm uma apetência natural para a comunicação e aprendizagem e para quem o novo regime jurídico da educação inclusiva prevê manter o mesmo atendimento, o desafio está ganho.

Para os alunos com alterações graves nas estruturas e funções do corpo, para quem a cognição, comunicação ou mobilidade está comprometida, o novo enquadramento jurídico da educação inclusiva nada diz de específico.

Nas novas escolas inclusivas, para que a inclusão não passe de uma utopia, vai ser necessário mais do que o Decreto-Lei nº 54/2018. Vai ser necessária a continuação do investimento, da reflexão e da construção constantes.

E o novo regime jurídico da educação inclusiva ainda não parece dar resposta à questão já batida na educação especial: a inclusão educativa em Portugal pode afinal ser uma realidade ou é só uma utopia?

Rita Soares

Psicóloga Clínica no CADIn – Neurodesenvolvimento e Inclusão

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