segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

“O ensino não se pode limitar à transmissão de conhecimento”

Andreas Schleicher, responsável pela maior avaliação internacional na área da Educação, veio a Portugal discutir com seis ex-ministros da Educação a melhoria dos resultados dos alunos portugueses nos testes do Programme for International Student Assessment (PISA), que avaliam a literacia matemática, científica e de leitura demonstrada aos 15 anos. O convite partiu da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Portugal é um dos países que tem melhorado no PISA, mas não é o único. Há fatores em comum que explicam a evolução de outros tão diferentes como Colômbia, Singapura ou a região de Macau?
Obviamente que não podemos fazer copy paste de um país para outro. Mas os dados do PISA indicam características comuns aos sistemas com desempenho educativo mais elevado. Todos atribuem grande importância à formação e seleção dos professores, privilegiam a qualidade do corpo docente ao tamanho das turmas, substituíram o controlo burocrático e a prestação de contas pela profissionalização da organização do trabalho. Encorajaram os professores a inovar na pedagogia, a melhorar os seus desempenhos e os dos colegas, a procurar desenvolvimento profissional. Também tentaram assegurar um alto nível de qualidade no sistema, para que todos os alunos possam beneficiar da excelência no ensino.

No caso de Portugal, o que é que salientaria?
O investimento na profissionalização dos professores, a que juntaria o progresso notável conseguido na última década em construir uma rede de escolas mais coerente e colaborativa. Isto implicou decisões difíceis, como reformular uma rede dispersa de pequenas escolas rurais. Mas, por mais difícil que tenha sido para pais e professores, parece ter trazido vantagens para o ensino dos alunos.

O facto é que os países do Sudeste Asiático têm consolidado o seu domínio nestes rankings educativos. É cultural?
É difícil dizer se a cultura é algo de herdado do passado ou criado pelo que fazemos. Seja como for, os líderes destes países convenceram os seus cidadãos a fazer escolhas que valorizam a educação. Na China, os pais investem os seus últimos recursos na educação dos filhos, para que tenham um futuro melhor. E há a convicção de que cada criança pode ser bem-sucedida, já que alcançar os objetivos resulta do trabalho e não das condições que se herdaram. Mas também tem a ver com políticas e práticas. Quando visitei Xangai, em 2013, vi que os professores estavam a usar uma plataforma digital para partilhar as aulas. E que a sua reputação aumentava quanto mais as aulas fossem ‘descarregadas’ e comentadas. No final do ano, o diretor da escola pergunta-lhes se ensinaram bem os alunos e também qual o seu contributo para melhorar o sistema. Ao estimular este crowdsourcing (recolha em massa através de ferramentas digitais) de práticas educativas, Xangai criou uma comunidade gigante de professores que permite a partilha de práticas criativas, alimentada pelo desejo das pessoas de contribuir e serem reconhecidas por isso.

Porque é que o PISA ganhou tanta projeção internacional? 
O mundo está a mudar demasiado rapidamente para que possamos aprender apenas com o passado. Olhar para os outros, tal como permitem os testes do PISA, dá-nos uma perspetiva da margem de melhoria e do que os líderes mundiais nesta área estão a conseguir fazer.

Houve professores que criticaram o PISA por estar a formatar os sistemas no mesmo sentido: mais testes, enfoque no que pode ser medido, desprezo pelas áreas morais, artísticas...
Não é verdade que os países estejam a apostar em mais testes. O objetivo é que os dados recolhidos pelo PISA sejam usados de forma construtiva e produtiva para melhorar os sistemas. Até entre os académicos encontraremos sempre alguém que criticará a faca porque nos podemos cortar com ela.

E para onde é que os sistemas devem ir?
A reprodução de conteúdos e matérias está a perder importância. Aquilo que é fácil de ensinar é também fácil de transmitir através da programação e da automação. O ensino não se pode limitar à transmissão do conhecimento académico. Tem de se focar nas competências do ser humano, que permitam à educação continuar à frente dos desenvolvimentos sociais e tecnológicos. Perseverança, resiliência, consciência, ética, coragem, liderança são características que devem ser trabalhadas na escola.

Fonte: Expresso por indicação de Livresco

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