Fica esta curta entrevista, que ajudará a perceber um pouco o rumo que irá tomar a educação num futuro muito próximo. Um exclusivo ComRegras e que seguramente não será o último...
O novo perfil do aluno é um primeiro passo para uma mudança de paradigma na educação?
Não sei se é uma mudança de paradigma, porque não acredito em mudanças abruptas ou em resultados imediatos em educação. É um documento que faltava por vários motivos.
Em primeiro lugar, para dar conteúdo ao alargamento da escolaridade obrigatória. Esse alargamento foi um ato administrativo - passou-se a obrigar mais três anos, sem se responder à pergunta crucial: para quê? Que aluno é este que a escola prepara ao fim de 12 anos? Sem a resposta a estas perguntas, temos debates estéreis e atomizados sobre disciplinas - se metas e programas devem ter mais isto ou aquilo, mas sem se perspetivar o contributo de cada área para um perfil definido.
Em segundo lugar, faltava perceber e pôr no papel uma proposta que respondesse a um desafio muito claro: alargar a escolaridade a 12 anos implica definir um perfil que é comum a todas as vias - científico-humanística, profissional e artística. Todas conferem um 12.º ano. Todas são igualmente dignas. Todas são regulares, ao contrário do jargão comum. Mais importante, todas devem servir a aspiração de garantir prosseguimento de estudos. Para isso, era preciso encontrar o perfil comum a que se chega ainda que por diferentes vias.
Só com este trabalho, podemos começar a considerar que o ensino básico e o ensino secundário são um valor absoluto e não uma antecâmara do ensino superior.
Finalmente, urgia dar uma resposta de preparação dos alunos para os tempos que vivemos e aqui destaco dois planos. Para inserção numa carreira, para preparação para uma profissão, a sociedade pede que a escola prepare pessoas que são autónomas, críticas, criativas, que aliem conhecimento a capacidade de pesquisa, análise e que inter-relacionem o que sabem e são capazes de fazer. Uma escola baseada em atividades rotineiras ou que só se centra em listas de conteúdos falha esta missão. Por outro lado, atravessamos períodos de uma complexidade muito preocupante, em que se torna evidente que a escola deve promover uma formação humanista sólida, para uma cidadania ativa e responsável. Será mesmo compatível com o desenvolvimento científico-tecnológico dos últimos anos termos uma Europa com refugiados a morrer às suas portas ou uma população estudantil no seio da qual observamos um aumento da violência no namoro? Algo falha e esse algo parece ser uma formação que tem de ser posta ao serviço do homem e de uma sociedade mais justa.
A operacionalização deste perfil implica repensar práticas e agir sobre a exequibilidade do currículo. Por isso, estamos já a preparar propostas de identificação das aprendizagens essenciais, que libertem tempo e potenciem trabalho de projeto interdisciplinar para aprofundamento do currículo e desenvolvimento deste conjunto de dez competências-chave.
Estamos perante uma alteração ao modelo de avaliação dos alunos? De que forma se irá processar?
O que inscrevemos no Despacho Normativo 1-F/2016 é coerente com o que se propõe agora. A avaliação deve estar ao serviço das aprendizagens e não o contrário. Para isso, é preciso centrá-la na sua dimensão formativa, o que implica diversificar cada vez mais os instrumentos de avaliação: um ensaio, um projeto interdisciplinar de aprofundamento de temas, ou até um trabalho de robótica ou de interação entre arte e ciência é um instrumento de avaliação muito mais (in)formativo do que um teste escrito, que é, por natureza, limitado no que consegue avaliar. Numa lógica transdiciplinar, podemos identificar, entre diferentes disciplinas, trabalhos comuns que exploram conteúdos e competências de cada uma das áreas e que constituem instrumentos de avaliação partilhados.
Para que isto aconteça temos de possibilitar que a escola se possa organizar com mais autonomia. Sabemos que, hoje, em algumas disciplinas, os professores têm um número excessivo de turmas e alunos. Não descartamos a hipótese de dar às escolas a possibilidade de organizar algumas disciplinas semestralmente, concentrando mais horas em cada semestre e aliviando o número de turmas. Estas são hipóteses que estamos a estudar, conversando bastante com professores e diretores, para avaliar a sua exequibilidade.
Se estabelecemos este perfil como meta, temos de garantir que também a avaliação externa faz este trabalho de avaliação de competências, como aliás é feito no PISA, cujo mérito é reconhecido mesmo pelos que não gostam de ouvir falar em competências.
Esta nova reforma mantém um modelo centralista ou será dada liberdade às escola para "construir" o seu ensino?
A gestão flexível que propomos é uma aposta concreta na autonomia. O "negócio " de uma escola é o seu projeto curricular. Sem autonomia no currículo, não há autonomia na escola. Por isso, vamos convidar cada escola a gerir uma parte substancial do tempo semanal, em projetos próprios construídos com as diferentes disciplinas. Esta flexibilização potenciará interdisciplinaridade, projeto e consolidação e aprofundamento de aprendizagens.
Caminhamos para o facilitismo Sr. Secretário de Estado?
Eu costumo dizer que o trabalho verdadeiramente fácil é ser professor de bons alunos. Eu convidava qualquer arauto do facilitismo a passar uma semana numa escola de meio socioeconomicamente desfavorecido e deprimido, com alunos sem estímulos em casa e que já nasceram com tudo para que a vida lhes corra mal. A escola é a única esperança para muitos desses alunos e é a eles que não temos conseguido chegar, porque é verdadeiramente difícil e muito desafiante. Mas é para eles que os nossos esforços devem convergir.
Também não hesito em dizer que é muito facilitista dar aulas iguais para todos, despejando conteúdos e reprovar os que não conseguem reproduzir de forma igual. Facilitista é usar um manual como recurso único e não convidar os alunos a trazer outros instrumentos de aprendizagem, a ler livros diferentes, a procurar e validar outras fontes de informação.
O perfil do aluno que agora se propõe é muito complexo e exigente. Não é fácil promover sensibilidade estética e artística, não é fácil desenvolver raciocínio, não é fácil promover análise crítica sobre factos da atualidade a partir dos conteúdos estudados, não é fácil gerir a diversidade numa sala de aula, não é fácil estimular a cooperação em vez da competição através das aprendizagens.
Felizmente, temos nas escolas excelentes profissionais, que conhecem a exigência associada a este trabalho mais complexo, que o querem desenvolver e que já abraçam muitas destas dimensões. Dar valor aos professores é reconhecer que são especialistas em desenvolvimento curricular e não uns meros funcionários que têm de veicular um currículo em que não participam e em que não se envolvem. Daí a minha convicção de que este trabalho tem de ser construído com os professores, o que justifica a minha opção de trabalhar em parceria com as associações profissionais.
Fonte: ComRegras
Sem comentários:
Enviar um comentário