sábado, 1 de agosto de 2015

As crianças passam pouco tempo nos recreios das creches

O primeiro estudo nacional sobre a interação das crianças com os espaços exteriores das creches e jardins de infância não traz boas notícias. Os mais pequenos passam muito pouco tempo, cerca de 10%, nos recreios dos edifícios e, quando o fazem, é por curtos períodos e em atividades que pouco ou nada beneficiam a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças. Aida Figueiredo, investigadora do Departamento de Educação e do Centro de Investigação Didática e Tecnologia na Formação de Formadores da Universidade de Aveiro, refere, com todas as letras, que essas atividades fora das salas são pobres, não promovem a autonomia e liberdade, o desafio e a exploração – aspetos importantes no desenvolvimento da autoconfiança e bem-estar emocional dos mais novos.

“As crianças permanecem no exterior apenas 10,8% do tempo passado no jardim de infância e por períodos curtos de tempo que em média têm 30 minutos, dedicando ao jogo livre apenas uma pequena fração desse tempo”, refere, numa nota enviada à impressa, Aida Figueiredo que durante meses, no âmbito do seu trabalho de doutoramento, analisou as interações de 16 crianças, entre os quatro e os cinco anos, com os espaços exteriores de quatro jardins de infância de Aveiro e de Coimbra.

A investigadora verificou que as crianças, nos recreios, demonstram pouca atividade motora, “permanecendo a maior parte do tempo de pé e a andar, não existindo ações que requerem contacto do corpo com o solo, equilíbrio ou desafio, como trepar, pendurar ou balançar, percorrendo distâncias inferiores a 10 metros, independentemente da área e do tipo de espaço”. As crianças apresentam predominantemente ações que envolvem a parte superior do corpo, tronco, mãos e cabeça, sendo pouco frequentes ações motoras mais intensas como correr e saltar.

A investigação conclui, portanto, que os espaços exteriores não promovem níveis elevados de atividades motora, uma vez que as crianças que os frequentam percorrem, em média, distâncias menores ou iguais a 10 metros, independentemente da área do espaço. Por outro lado, e segundo a investigadora, observa-se “o predomínio de atividades sem intensidade e sem qualidade e as crianças têm pouco contacto com o chão ou com atividades que envolvam desafio, equilíbrio ou suspensão”.

Sem terra, água ou flores No pouco tempo que as crianças passam no recreio, não há quase jogo livre. Os educadores concentram-se em atividades estruturadas. O jogo exploratório e o jogo construtivo, considerados importantes na infância, surgem esporadicamente e sobretudo quando as crianças interagem com elementos da natureza. “A investigação demonstra que a interação das crianças com espaços exteriores diversificados, estimulantes, desafiadores, que incorporem elementos da natureza, seja terra, água, flores, folhas, pedras ou areia, e que convidem ao movimento e à exploração aumenta o seu nível de atividade física, enriquece o comportamento de jogo livre e potencia o seu desenvolvimento cognitivo, emocional e físico”, sublinha a investigadora.

Os recreios estão despidos e não convidam ao movimento e à exploração. Ainda que o estudo se tenha centrado em quatro espaços infantis de duas cidades, Aida Figueiredo não tem dúvidas de que o cenário será semelhante no resto do país. “Não se pode generalizar do ponto de vista investigativo, mas o saber empírico que detemos, a partir de supervisão de estágios, seminários e conversas informais, diz-nos que a probabilidade desta situação ser muito frequente em Portugal é elevada”, adianta.

Depois dos resultados, é tempo de pensar no assunto, de uma forma articulada, e ninguém pode ficar de fora. Para Aida Figueiredo, “é essencial e urgente refletir sobre o que a sociedade tem proporcionado às crianças e delinear estratégias de mudança, utilizando iniciativas integradas, articuladas e transdisciplinares, que envolvam as crianças, os pais, a comunidade e os contextos de apoio à infância”.

Perguntas aos educadores 
A investigação de Aida Figueiredo não vai ficar no papel. Os resultados dão que pensar e é tempo de pensar em estratégias. A investigadora adianta (...) que já há um pré-questionário definido para um estudo nacional que será feito aos educadores no sentido de perceber quais são os obstáculos e os fatores que facilitam as práticas em espaços exteriores. O inquérito deverá arrancar em setembro.

Por outro lado, há vontade de criar uma estrutura complementar ao pré-escolar com um programa de seis a 10 semanas, com quatro dias por semana, para que os mais pequenos usufruam dos espaços exteriores na sua plenitude – à semelhança do que acontece na Dinamarca. Neste momento, espera-se que o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas indique um espaço-abrigo para que esse programa possa funcionar em Coimbra a partir de setembro.

Fonte: Educare

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