Por vezes sou confrontado com
questões relativas aos alunos com necessidades educativas especiais de caráter permanente
(NEE) que integram cursos de educação e formação (CEF). Perante estas questões,
muitas das vezes as respostas surgem um pouco por impulso. De facto, aquando da
publicação e da implementação do articulado do Decreto-lei n.º 3/2008, de 7 de
janeiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 21/2008, de 12 de maio
(Decreto-lei n.º 3/2008), houve alguma precipitação na sua interpretação.
Incluo-me nesse grupo. Fruto de algumas reflexões, análises e analogias, os
conceitos foram-se amadurecendo e clarificando. São essas reflexões,
fundamentadas, mas sem qualquer cariz dogmático, que procuro partilhar com os
colegas de educação especial, em particular, e com todos os visitantes, em
geral.
Relativamente à temática que
despoletou a elaboração deste texto, começo por referir que o universo dos
apoios especializados, a prestar no âmbito da educação especial, abrange a
educação pré-escolar e os ensinos básico e secundário dos setores público,
particular e cooperativo. Depreende-se que todas as crianças e todos os alunos
que se encontrem a frequentar estes níveis educativos podem, mediante a sua
caracterização, ser abrangidos pelas medidas educativas, uma vez que o Decreto-lei
n.º 3/2008 não consagra quaisquer restrições quanto aos destinatários. Neste
universo incluem-se, naturalmente, os alunos que frequentem CEF.
Assim, na eventualidade de haver
alunos com NEE a frequentar um CEF, estes podem, mediante a amplitude das medidas definidas,
usufruir do apoio por um docente de educação especial. A título de exemplo, um
aluno surdo ou invisual integrado num curso CEF deverá, provavelmente, beneficiar
de apoio por parte de um docente de educação especial.
No entanto, perante determinadas situações,
existem alguns condicionalismos, sobretudo ao nível das medidas aplicáveis aos
alunos com NEE que se encontrem a frequentar um CEF.
O documento publicado pela Direção
Regional de Lisboa e Vale do Tejo (DRELVT), intitulado “Novas Oportunidades
– Cursos de Educação e Formação de Jovens”, reitera que os alunos com NEE
que integram turmas CEF podem ser
abrangidos por medidas educativas definidas no Decreto-Lei nº 3/2008, mas
restringe-as ao apoio pedagógico personalizado, às adequações no processo de
avaliação e às tecnologias de apoio (p. 5).
Relativamente à medida de currículo
específico individual, em síntese, esta medida pressupõe alterações
significativas no currículo comum e, consequentemente, no processo de avaliação.
A informação resultante da avaliação expressa-se de forma quantitativa e/ou
qualitativa acompanhada sempre de uma apreciação descritiva sobre a evolução do
aluno. No final da frequência do percurso escolar, o aluno tem acesso a um certificado
de equivalência à escolaridade obrigatória para efeitos de ingresso no mercado
de trabalho (cf. Despacho Normativo n.º 1/2005, de 5 de janeiro, com a última
alteração introduzida pelo Despacho Normativo n.º 14/2011, de 18 de novembro).
Penso que, por lapso, o documento não menciona a medida de adequações no
processo de matrícula. No entanto, considero que esta medida, em determinadas
situações, pode ser aplicada. Desde logo, canalizando os alunos com NEE para
escolas de referência ou unidades de ensino estruturado fora do local de residência.
Por outro lado, tendo-se garantidos a aprovação e o funcionamento do mesmo CEF
por vários anos letivos, poder-se-á aplicar a matrícula por disciplina.
Trata-se de uma mera possibilidade, aparentemente com pouca viabilidade.
No entanto, o documento citado prevê bastantes limitações aos alunos que
usufruam da medida de adequações curriculares individuais. Os alunos com NEE “com Adequações
Curriculares Individuais (Consideráveis) (…) deverão manter-se na escola a
frequentar o regime educativo comum, sem prejuízo da obtenção de habilitações
académicas. Caso estes alunos frequentem um CEF obterão somente um certificado
de frequência do curso que poderá ter uma avaliação qualitativa.” (p. 5). Ao
mencionar as adequações curriculares individuais, o autor acrescentou, entre
parêntesis, o termo “consideráveis”. Sabe-se, de antemão, que as adequações curriculares
individuais não podem pôr em causa as competências de final de ciclo. Por
analogia, nos CEF, as adequações curriculares individuais também não podem hipotecar
o desenvolvimento das competências de final do curso, sobretudo às disciplinas
de português e de matemática, como veremos a seguir. Penso que esta tentativa
de clarificação não contribuiu para esclarecer o que se pretende exatamente.
Como já referi num texto publicado anteriormente (Medidas
de educação especial no âmbito dos percursos curriculares alternativos e dos
cursos de educação e formação), o CEF é desenvolvido por uma equipa
pedagógica, à qual compete a organização, a realização e a avaliação do curso,
nomeadamente, o acompanhamento do percurso formativo dos formandos, promovendo
o sucesso e, através de um plano de transição para a vida ativa, uma adequada
inserção no mercado de trabalho ou em percursos subsequentes. O currículo tem
por base as competências essenciais do ciclo a que se reporta, devendo, no
entanto, ser adequado às características e às limitações dos alunos, um pouco à
semelhança das adequações curriculares individuais, no âmbito da educação
especial. Sendo assim, por princípio, atendendo à flexibilidade preconizada na
definição do currículo, a medida de adequações curriculares poderá não se
aplicar.
No entanto, existem constrangimentos
que é necessário prever e ultrapassar. O currículo dos CEF prevê que o programa
de português e de matemática seja comum ao ciclo a que se reporta o curso,
pois, na eventualidade dos alunos querem prosseguir estudos, devem
obrigatoriamente realizar os exames nacionais às referidas disciplinas.
Para os alunos com NEE, em geral,
que, ao longo do seu percurso educativo, tenham tido adequações curriculares
individuais com adequações no processo de avaliação, é prevista a possibilidade
de realizarem exames a nível de escola para conclusão do 3º ciclo, não sendo a
sua realização impeditiva do prosseguimento de estudos de nível secundário (cf.
n.º 18.3 do Anexo II, do Despacho Normativo 19/2008, de 19 de março, com a
última redação introduzida pelo Despacho Normativo n.º 7/2011, de 5 de abril).
Ao nível das adequações curriculares
individuais, o documento publicado pela DRELVT introduz uma discricionariedade clara
perante, aparentemente, a mesma realidade, uma vez que, quer os alunos
integrados num CEF, quer os alunos do regular, estão perante o mesmo currículo
e não têm as mesmas condições de acesso ao sucesso nas disciplinas de português
e de matemática, nem a mesma possibilidade de prosseguir estudos.
Embora tenha focado a reflexão nos
alunos com NEE integrados em CEF, as proposições aplicam-se também aos alunos
enquadrados em turmas de percursos curriculares alternativos (PCA), uma vez que
ambos os cursos assentam na mesma filosofia.