O medo de represálias faz com que pais de crianças com necessidades educativas especiais se calem, face aos casos de discriminação nas escolas. É o que indica o inquérito a que a Renascença teve acesso, realizado pelo Movimento para uma Inclusão Efetiva (mie.).
Quase metade dos inquiridos (44%) queixa-se de situações de violência ou maus-tratos sobre os seus filhos.
Filipa Nobre, uma das coordenadoras do inquérito e que integra o mie., relata “casos de violência física, como olhos negros, nódoas negras nos braços, marcas nos braços, violências verbais como os alunos serem chamados de burros, atrasados, monstros, uma série de termos que são utilizados indevidamente, violência psicológica, desde taparem a boca, despirem-no da cintura para baixo e deixarem-no ao abandono no recreio”.

Os atos de violência denunciados pelos pais não se ficam por aqui: “arrastão pelos cabelos”, “marcas no corpo”, “camisola com sangue”, “nariz magoado”, “impressão da mão marcada na cara”, “marcas de agarrar no braço”, “amarravam com muita raiva”, “agarrado pelo pescoço”, “agredida com chapadas na cara e obrigada a estar constantemente com coco e xixi nas calças”, “traumatismo craniano grave bem visível”, “empurrões”, “puxões pelos braços”, “apertam o pescoço”, são expressões que os pais escreveram neste inquérito realizado pelo mie.
Filipa Nobre denuncia que "estas crianças são privadas das mesmas oportunidades, que as crianças ditas normais têm no dia a dia”, e dá exemplos do que acontece na comunidade escolar: “Recusas na muda da fralda, exclusões de visita de estudo, com o pretexto de não terem recursos, ou por estarem de castigo”.
De acordo com as conclusões do inquérito a que a Renascença teve acesso, “os atos são praticados pelos vários intervenientes da comunidade escolar: colegas de turmas, colegas de outras turmas, pais de outros colegas, professores, professores de educação especial, auxiliares operacionais, pessoal técnico, educadores, coordenação da escola e direção da escola”.
As situações de discriminação sobre alunos com necessidades educativas específicas ocorrem em todos os níveis de ensino, com maior incidência no 1.º e 2.º ciclos do ensino básico.
Há alunos “segregados” na escola
Os pais denunciam ainda que a escola, muitas vezes, nega a estes alunos uma verdadeira inclusão. Filipa Nobre diz que há casos em que estes alunos são “segregados”.
Ao longo do ano letivo os colegas de turma “nem conhecem o colega, porque ele foi segregado e não está na sala, relata Filipa Nobre, que sublinha que “não o conhecem, passam o ano letivo inteiro sem o verem, sabem que se chama Manuel ou Joaquim, mas nunca viram aquela criança”.
Estes pais lamentam que os seus filhos sejam privados das mesmas oportunidades, que sejam vítimas de discriminação e de maus-tratos, mas de acordo com o inquérito apenas um quinto apresenta queixa (21%).
A explicação, segundo Filipa Nobre, pode estar no medo de represálias, porque “aquilo que se reflete em denúncias ou queixas formais, mostra que claramente ainda existe algum desconforto". Sublinha que “há pais que verbalizaram isso, que não fizeram a queixa por escrito, porque têm medo de represálias, porque vai ser pior para as suas crianças”.
Filipa Nobre denuncia que, muitas vezes, os pais não têm a escola como parceira, porque “há casos em que são expulsos, há convites para saírem, pressões para transferência para outras escolas, temos de tudo um pouco neste relatório", concluindo que há direções escolares que não levam em conta o que os pais dizem, porque “tudo o que os pais dizem acaba por ser descredibilizado e desvalorizado”.
“Sobrecarga emocional e física, que leva mesmo à exaustão”
As famílias com crianças que exigem necessidades educativas específicas têm um trabalho redobrado para apoiar os filhos e, muitas vezes, sentem-se abandonadas nomeadamente pela escola, o que tem reflexos na saúde de toda a família.
Filipa Nobre admite que “a saúde mental destas crianças e destas famílias é um tema que preocupa muito, porque isto é esgotante”.
Desabafa que “é um trabalho diário que exige muito, que é uma sobrecarga emocional, física, que leva mesmo à exaustão”.
O Movimento para uma Inclusão Efetiva tem recolhido relatos de pais com “casos muito complicados de exaustão, de esgotamento, de depressão profunda, não só das crianças, mas também das famílias que acompanham diariamente estas crianças”.
O questionário realizado pelo mie. teve como público-alvo pais/mães e/ou encarregados de educação de crianças com necessidades educativas específicas e a recolha foi feita em formato online, entre 29 de janeiro e 3 de março de 2025. Foram validadas 1036 respostas, com abrangência nacional, de Portugal Continental e Ilhas.

Fonte: RR por indicação de Livresco
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