quinta-feira, 30 de março de 2023

“O Ruído nas Escolas e o seu Impacto na Aprendizagem e no Bem-Estar dos Professores”

Estudo da European Schoolnet

A European Schoolnet – EUN, em colaboração com a Saint-Gobain Ecophon, lançou o questionário “O ruído nas escolas e o seu impacto na aprendizagem e no bem-estar dos professores”, a aplicar nas escolas básicas e secundárias de diversos países europeus.

Com esta iniciativa, pretende-se auscultar os docentes, no que concerne ao impacto do ruído na sua prática letiva, de modo a conhecer as suas preocupações e sugestões. Pretende-se, igualmente, investigar mais detalhadamente o impacto que as diferentes atividades de aprendizagem e os estilos de ensino têm sobre os níveis de ruído na sala de aula, assim como aferir o efeito que os vários tipos de equipamentos educacionais podem ter na acústica deste espaço. Por último, pretende-se conhecer o impacto que a localização onde a escola está inserida tem no ambiente de trabalho da sala de aula.

Os dados recolhidos serão analisados por peritos da European Schoolnet – EUN e será produzido um relatório final, a divulgar no próximo outono.

Se é professor do 3.º ciclo do ensino básico ou do ensino secundário, colabore neste estudo, respondendo ao questionário da EUN, que se encontra disponível em português.

O referido questionário poderá ser preenchido até ao dia 14 de maio de 2023.

Para mais informações, aceda a: Ecophon Teacher Survey

Fonte: DGE

quarta-feira, 29 de março de 2023

Da engrenagem que isolou os professores

O isolamento dos professores foi uma conclusão recorrente e incontestável. Apesar da cimeira consideração por parte de alunos, encarregados de educação e opinião pública, os professores inscreveram, nos últimos vinte anos, a ausência de apoio no crucial universo que cruzou a política com a opinião mediatizada. Aliás, o cinismo triunfou em toda a linha. Quando muito, receberam um suporte tímido de oposições parlamentares que mudaram diametralmente de posição ao constituírem uma fórmula de Governo.

Para a desvalorização da defesa do grupo profissional que mais protestou na Europa, prevaleceram duas ideias: o gesto desagrada a eleitores e não se defende uma corporação. Os resultados dessa viciação tornaram-se concludentes: dramática perda de atractividade da profissão, "fuga" como o substantivo mais sonhado por quem resistiu, ou não teve alternativa, e custos elevados para os alunos e para a democracia.

Em rigor, perdeu-se qualidade na escola pública e no livre exercício de ensinar e aprender, numa fase em que o "aumento brutal das desigualdades educativas" se plasmou na mudança no elevador social: o investimento financeiro, e o seu efeito de bola de neve, secundarizou o talento e o esforço.

Recorde-se, ainda como ponto prévio: foram os professores os inventores da escola e a previsão do Fórum Económico Mundial excluiu-os das profissões com tendência a desaparecer. É certo que a Inteligência Artificial acelerou e que há áreas do ensino ameaçadas pelos "ChatGPT"; mas ameaças didácticas não são sentenças existenciais, como avisou o ensino digital durante a pandemia.

Mas há certezas nas causas que empurraram o exercício para a queda: o ultraliberalismo, que impôs o salve-se quem puder e os cortes a eito na educação, associado a uma engrenagem, trituradora e diabólica, que regista responsabilidades dos professores.

Mas antes dessas responsabilidades, acrescente-se atributos essenciais do desastre em curso: não adianta repetir-se que os professores não querem ser avaliados, quando o que sobra é uma farsa administrativa que suporta uma febre "meritocrática" que infantiliza as organizações. Acima de tudo, uma das questões fundamentais dos professores, e para além do tempo de serviço, da precarização e da doentia, e não democrática, organização das escolas, é o que se avalia associado à aberração que só existe por cá: pontuar de 1 a 10 e acrescentar quotas e vagas.

Pois bem, aclame-se que ensinar é exigente. Convoca esperança, confiança da retaguarda e estudo. Se a sua génese é a elevação de aprendizagens, à cultura da finalidade e da regra associa-se a amizade e o drama. Ensinar é escrutinado rigorosamente aula a aula, com tomadas de decisão difíceis ao minuto. Quanto mais turmas se lecciona (e não há turmas iguais), mais exposto se está ao erro e à incompreensão que não beneficia da aura optimista, e sempre reconhecida, dos denominados projectos. Em resumo, o ensino simultâneo de vinte a trinta crianças ou jovens, despertando entusiasmo pelo conhecimento até em "quem não quer aprender", transporta uma ignorância lapidar: não se sabe como cada um aprende.

Chegados aqui, é de elementar conhecimento que o professor é o primeiro que sabe que nada sabe. Além disso, há património pedagógico que ensina que é extractivo aprender apenas porque se quer ser melhor do que os outros, ou porque há uma recompensa material, e que é inclusivo e superior aprender porque se quer saber mais e se tem curiosidade. Os professores são os guardiões desses princípios e a aplicação na sua profissionalidade uma lição exemplar.

Por isso, não hierarquizar desempenhos em comparação com os pares é o possível, e o decente, como consolidaram as democracias mais avançadas. Daí que a escolha do melhor, ou do mais excelente, professor seja obscurantista. Há, e há muito, literatura suficiente (aconselha-se "Diane Ravitch, Fundação Gates ou Obama Race to the Top" aos que enchem a retórica com mérito, inclusão, flexibilidade, avaliação formativa e democracia) que explica os desastres "meritocráticos": "fuga" e perda fatal de atractividade.

É, portanto, inegável que os professores tiveram responsabilidades. Não todos, obviamente e longe disso, nem sequer os que cederam em nome da sanidade. E se a máquina diabólica da avaliação do desempenho foi imposta por políticos, foram professores que a desenharam e aplicaram. O "agradecimento" financeiro dos sucessivos governos acomodou-se numa casta de concordantes que jogou, com convicção, o jogo do "sou o excelente" ou do dirigente autocrata capacitado para a escolha dos melhores em dezenas de áreas científicas. Ou seja, a queda das escolas em ambientes de amiguismo e parcialidade teve o histórico cunho dos concordantes.

Por outro lado, congelou-se a engrenagem até 2017. Em 2018 recomeçou a danação do tempo, a invenção de realidades, a revolta contida e a asfixia das organizações. A pandemia adiou a explosão. A dilaceração ética cresceu e o final de 2022 assistiu ao grito em curso. O Governo, espantosamente desorientado e surpreendido com uma falta de professores que se adivinhava há mais de uma década, limitou-se a recuar 20 anos em matéria de concursos (como se essa fosse a única chave do labirinto).

A bem dizer, a arbitrariedade destrói as organizações e provoca a “fuga” dos profissionais em prejuízo do bem comum; e que ninguém se iluda: a engrenagem continua a triturar a dignidade que resta e os jovens professores captam de imediato uma insanidade repleta de injustiças que os avalia com quotas e sem qualquer "olhos nos olhos".

Em suma, quebre-se o isolamento da escola pública. Livrem-na do Taylorismo (poucos pensam, e avaliam, muito executam) que contraria as organizações modernas, e a ideia de Europa, onde prevalecem redes com vários servidores e achatamento de patamares de decisão. Aliás, o nosso século XX formou a geração mais habilitada num lugar democrático ímpar na nossa História: a escola pública. E os historiadores (se os houver, tal o trato dado às humanidades) registarão o que as próximas gerações não nos perdoarão: a extinção da escola democrática imediatamente a seguir à sua generalização.

Paulo Prudêncio

Fonte: Público por indicação de Livresco

segunda-feira, 27 de março de 2023

Especial Inclusão: até que ponto a frase “todos diferentes, todos iguais” se sente na lei e no quotidiano das pessoas com deficiência?

Portugal tornou-se no primeiro país europeu a aprovar uma estratégia nacional para as pessoas com deficiência e, a partir deste ano, as empresas com mais de 100 trabalhadores passaram a ser obrigadas a integrar pessoas com um grau de incapacidade igual ou superior a 60%. Mas o caminho para a inclusão é longo. Para discutir connosco estes temas recebemos em estúdio a Secretária de Estado da Inclusão, Ana Sofia Antunes, a nutricionista e consultora para a diversidade e inclusão Catarina Oliveira e o co-fundador da “Access Lab”, Tiago Fortuna. A SE aponta para uma certa “cegueira branca” que persiste na sociedade perante a diferença, e deixa o aviso sobre a lei das quotas. “Tenham mesmo medo porque vem aí a multa. Vamos ser implacáveis com isto.” Ouçam-nos no podcast “A Beleza das Pequenas Coisas”, com Bernardo Mendonça

Este é mais um episódio especial. Desta vez dedicado à inclusão e à forma como a sociedade e os governos têm dado ou não respostas, e mais autonomia, apoio e lugar às pessoas com deficiência.

Até que ponto o bordão “todos diferentes, todos iguais” se sente na lei e se aplica na vida quotidiana? Somos uma sociedade cada vez mais inclusiva ou ainda bastante capacitista e discriminatória?

Para discutirmos este tema em estúdio recebemos a Secretária de Estado da Inclusão, Ana Sofia Antunes, a nutricionista e consultora para a diversidade e inclusão Catarina Oliveira e o co-fundador da “Access Lab”, Tiago Fortuna.

Ana Sofia Antunes tem protagonizado uma nova era na política portuguesa lutando para que a integração e a inclusão deixem de ser verbos de encher e passem a estar mais na ordem do dia e no centro dos trabalhos da AR. Mas os avanços têm sido suficientes para esta comunidade? Foi o que discutimos logo no arranque deste podcast.

Importa dizer que Ana Sofia Antunes é a primeira Secretária de Estado cega, e das poucas pessoas a manter-se no cargo de SE nos 3 governos de António Costa. Combativa e activista pelos direitos dos deficientes Ana Sofia Antunes é autora da frase “Um país que não tem respeito pelos deficientes, não tem respeito por si próprio.” Na última vez que falámos neste mesmo podcast, em 2016, Ana Sofia Antunes chegou a considerar que a nossa sociedade estava contaminada por uma certa ‘cegueira branca’, como a descrita por José Saramago em “Ensaio Sobre a Cegueira”, uma maleita de vistas curtas que nos impedia de perceber os outros [diferentes de nós]. Esta realidade mantém-se?

“Não creio que esse tipo de fenómenos funcionem como um interruptor que ligamos ou desligamos. Nem creio que tudo fique dependente da adopção de medidas de política e daquilo que conseguimos efectivamente concretizar dia após dia. Creio que a sociedade tem de ganhar respeito pelas pessoas com deficiência, e o dever de promover a sua inclusão e a equidade, tratando de forma igual o que é igual e diferenciando na medida do necessário o que é diferente. Mas neste tipo de sociedade persiste alguma cegueira branca que está, acima de tudo, na cabeça de cada um. E, portanto, não é com a aprovação de normas e atos legislativos que conseguimos mudar a cabeça de cada um. É com vivências e experiências no dia a dia. É com o contacto com o outro."

A SE ainda alerta para a importância de desconstruirmos a rejeição natural e intrínseca que existe em cada ser humano no contacto com a diferença.

"Teremos muitas vantagens a partir do momento que conseguirmos tirar a diferença do obscurantismo e da segregação e trazermos as pessoas com diferenças e deficiências para a vida pública, tornando-as visíveis e permitindo-lhes desenvolver relações sociais de uma forma natural. Só assim é que as pessoas vão mudar mentalidades e se vão desfazendo aos poucos dessa sua cegueira branca. ”

E se podemos dizer que os Governos de Costa tomaram como ações emblemáticas a criação da Prestação Social para a Inclusão e a criação do Modelo de Apoio à Vida Independente, por outro lado foi notícia há um ano que o Governo falhara quase todas as metas de 2021 para inclusão de pessoas com deficiência. Quais as razões para tal? E o que tem mudado desde aí? Por exemplo, a lei das quotas para contratar pessoas com deficiência está a ser aplicada? A Secretária de Estado foi questionada a isto e muito mais e chega a afirmar:

“Posso anunciar já aqui em primeira mão que o apoio ao auto emprego vai estar no pacote de apoio à empregabilidade de pessoas com deficiência. Espero mesmo que seja para o mês de abril. Não terá só a ver com empreendedorismo, é uma das medidas. Estamos a reformular as medidas de apoio às pessoas com deficiência. No sentido de incrementar os valores dos apoios e sua duração, quando estejamos a falar das contratações sem termo e de rever medidas de fiscalidade e incentivos às próprias empresas. E trazemos novidades sobre contratação da administração pública.”

Sobre as fugas à fiscalização e contratação de pessoas com deficiência e do “ai vamos contratar senão vem aí a multa” a Secretária de Estado deixa o aviso:

“Tenham mesmo medo porque vem aí a multa. Vamos ser implacáveis com isto. Porque enquanto não houve multa andou toda a gente muito feliz a brincar às ações de sensibilização e, na prática, não vimos acontecer grande coisa...”

Catarina Oliveira, que é embaixadora da Associação Salvador e formadora na empresa “Access Lab”, tem uma deficiência motora adquirida aos 27 anos, provocada pela inflamação da medula óssea o que a levou a ter de passar a deslocar-se numa cadeira de rodas. Foi aí que se deu conta da discriminação e das barreiras impostas por um sistema capacitista em que estamos todos inseridos e que importa desconstruir.

Foi aliás esse o gatilho para que se afirmasse no Instagram com a página “Espécie Rara Sobre Rodas” - que já conta com mais de 40.000 seguidores e que pretende apontar responsabilidades, e não culpas, construir pontes, e não abismos, e educar para a inclusão e autonomia que deverá ser uma prática diária, já que a diversidade existe e só nos enriquece.

“Eu tenho sete anos de deficiência e muito humildemente digo, falando dos meus próprios preconceitos, que só durante estes sete anos é que estou verdadeiramente alerta para as questões da deficiência. E o meu trabalho também passa por aí no sentido de nós não precisarmos de fazer parte de uma minoria para estarmos alerta para a realidade dessa melhoria. Antes não tinha essa consciência social que deve ser de todos. Acho que já se fizeram avanços. Acho que falta muito por fazer, porque o caminho é longo, e árduo, não acontece de um dia para o outro e não tem fim. Porque a diversidade humana não tem fim. Vai haver sempre mais alguém a necessitar de algo específico para ele ou ela. Não posso negar os avanços que tenho visto e percebido ao longo destes sete anos e ao longo da luta das pessoas com deficiência. Sinto os avanços, mas continuo a sentir que a pessoa com deficiência ainda não consegue ocupar espaços. E falo de todos os espaços. É uma coisa muito estrutural. Ainda não há condições para as pessoas com deficiência ocuparem inúmeros espaços. O simples facto de sair à rua sozinha em determinadas zonas é-me impossível. Não me permite ocupar aqueles espaços.”

Tiago Fortuna, com uma doença óssea de nascença que o leva também a deslocar-se numa cadeira de rodas, é um melómano devoto da música pop e das deusas Madonna e Beyoncé, e anda há muito a defender a acessibilidade na cultura. Por isso, é um dos fundadores da Access Lab, uma start up de impacto criada em abril de 2022, para garantir o acesso de pessoas com deficiência ao entretenimento. E logo no arranque deste episódio deixa claro o paradoxo sobre a inclusão em Portugal. “Temos uma sociedade cada vez mais aberta, mas continuamos também a ter uma sociedade altamente preconceituosa. Fazes-me essa pergunta e eu estou a lembrar-me que há duas semanas, numa avaliação técnica, uma pessoa perguntou-me se eu devia trabalhar em eventos dada a minha condição de saúde. Isto diz muito sobre onde nós estamos enquanto sociedade. Eu disse-lhe que o facto de eu me levantar de manhã era um risco para a minha condição de saúde.”

A conversa segue por muitos outros caminhos e temas, discute-se sobre acessibilidade, capacitismo, inclusão, humor e algumas das medidas mais urgentes a serem aplicadas para dar mais autonomia e lugar às pessoas com deficiência em Portugal. E ficamos ainda a conhecer algumas das suas experiências pessoais, as músicas que os acompanham, partilhas literárias e não só. (...)

Fonte: Expresso, com fotos, por indicação de Livresco

sábado, 25 de março de 2023

Governo ainda não decidiu como vai mexer na formação de professores

As conclusões do grupo de trabalho encarregado de rever o regime de habilitação profissional para a docência já estão nas mãos dos ministros da Educação e do Ensino Superior, desde o final do ano passado, mas o Governo ainda não decidiu de que forma vai mexer na formação dos professores. As medidas propostas pelos especialistas “dificilmente terão impactos no próximo ano lectivo”, avisa a investigadora Carlinda Leite, que coordenou o relatório.

Numa resposta conjunta enviada por escrito (...), os ministérios da Educação e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior avançam que as propostas apresentadas pelo grupo de trabalho se “encontram a ser ponderadas, não existindo ainda decisão política sobre as mesmas”.

O Governo sublinha ainda que a equipa coordenada por Carlinda Leite “apresentou dentro do prazo fixado” as conclusões do seu trabalho. O despacho de nomeação do grupo de trabalho – publicado em Outubro, mas que tinha efeitos retroactivos que remontavam a 1 de Junho – estabelecia a data de 31 de Dezembro como data de entrega do relatório final.

O que falta é a decisão política, que passa também por perceber de que forma as mudanças previstas serão transformadas num diploma legal. A revisão das condições para ser professor implica mexer num decreto-lei de 2014, que fixa o actual regime jurídico de habilitação profissional para a docência na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário.

A revisão das condições de acesso à docência foi apresentada, em Junho, pelo Governo como uma das formas de responder à escassez de professores, que se tornou especialmente notória no arranque do ano lectivo em curso. No despacho de nomeação deste grupo de trabalho, os dois ministérios sublinhavam a necessidade de “assegurar a adequada flexibilidade na organização da formação” para “garantir a qualidade da mesma e atrair um maior número de candidatos de modo a assegurar as necessidades do sistema de ensino”.

As propostas do grupo de trabalho têm já três meses e o compasso de espera dos dois ministérios fará com que essas medidas “dificilmente tenham impacto no próximo ano lectivo”. O aviso é de Carlinda Leite, professora catedrática e emérita da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, que coordenou este grupo de trabalho.

O Governo está também a rever a forma de acesso ao ensino superior, cujo calendário foi antecipado. O despacho de fixação de vagas para o próximo ano lectivo foi publicado esta terça-feira, mantendo as regras para os cursos de Educação Básica, que dão acesso à docência, que não só são estimulados a aumentar a sua oferta como não podem, em nenhuma circunstância, reduzir o número mínimo de vagas face ao que tinha sido estabelecido no ano anterior.

Fonte: Público

sexta-feira, 24 de março de 2023

Currículo, pedagogia e qualidade da educação

Nas últimas décadas, a educação portuguesa progrediu de forma notável se observarmos uma diversidade de referentes internacionais que acompanham o desempenho dos sistemas educativos. Indicadores como as taxas reais de escolarização, de desistência e abandono e de conclusão de cada um dos ciclos de escolaridade têm evoluído significativamente nos últimos anos e nunca foram tão favoráveis; o número de alunos que concluem os seus percursos escolares sem qualquer retenção é o maior de sempre (cerca de 90% no 3º ciclo e de 70% no ensino secundário); e os resultados dos alunos portugueses em provas internacionais, como é o caso do PISA, estão acima da média dos países da OCDE.

Porém, para resolvermos os problemas que ainda persistem, como as desigualdades ao nível das aprendizagens (que afetam sobretudo alunos provenientes de meios social, cultural e economicamente vulneráveis, em particular, alunos estrangeiros), temos de trabalhar para melhorar as práticas pedagógicas. Isto significa que, apesar da evolução francamente positiva, há ainda uma diversidade de desafios que têm de ser enfrentados nos próximos anos. Na verdade, é importante compreender em que medida as práticas pedagógicas e as aprendizagens realizadas são consistentes com o currículo atualmente em vigor. Consequentemente, é necessário mobilizar os diferentes intervenientes (políticos, dirigentes da administração, docentes, lideranças das escolas, investigadores, instituições de formação e do ensino superior) para a relevância do Currículo e da Pedagogia na melhoria da qualidade da educação.

Como projeto de inteligência e de conhecimento, o Currículo é um referente de qualidade que tem de ser estudado e compreendido. A Pedagogia é incontornável, pois está no cerne de todas as ações que os professores desenvolvem para que os alunos aprendam com compreensão. Refira-se que a Pedagogia não é, nem pode ser nunca, confundida com burocracia. É, na verdade, uma ampla disciplina que mobiliza, integra e utiliza domínios do conhecimento como a filosofia, a psicologia, a história, a arte e a política. Convoca, igualmente, os conteúdos das disciplinas que é necessário aprender e modos de os ensinar. Nestes termos, a Pedagogia relaciona-se com o ensino e com os conhecimentos que lhe estão subjacentes para permitirem orientar e fundamentar as ações e as decisões dos professores.

O Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (PASEO) é um documento curricular que define os conhecimentos, as capacidades e as atitudes que todos os alunos deverão aprender e desenvolver para que, no final da escolaridade obrigatória, possam ser competentes em áreas tais como o Pensamento Crítico e o Pensamento Criativo, o Raciocínio e a Resolução de Problemas, o Saber Científico, Técnico e Tecnológico e o Desenvolvimento Pessoal e Autonomia. Estas são competências há muito reclamadas pela sociedade em geral, desde o chamado mundo do trabalho até às instituições do ensino superior (note-se que é neste âmbito que os alunos têm evidenciado desempenhos modestos ou mesmo fracos, quer nas provas nacionais, quer nas internacionais). No documento propõe-se ainda que os alunos desenvolvam uma cultura científica, tecnológica, artística e humana que lhes permita pensar de forma integrada e crítica sobre uma diversidade de fenómenos. Nestas condições, o currículo português, incluindo o Decreto-Lei n.º 54/2018 (Educação Inclusiva) e o Decreto-Lei n.º 55/2018 (Currículo e Avaliação das Aprendizagens), nunca foi tão explícito e formalmente exigente, quer quanto às aprendizagens a desenvolver pelos alunos, quer quanto aos modos de o materializar nas escolas e nas salas de aula, quer ainda quanto aos desafios da inclusão de todos e de cada um dos alunos. Acresce que também nunca foi tão exigente no que concerne à qualidade da formação a que os professores devem ter acesso – outro crucial desafio…

Nestes termos, é necessário ter em boa conta que os conhecimentos curricular e pedagógico permitem criar condições para que todos os alunos aprendam e para resolver a questão fundamental da qualidade do ensino. E, desse modo, construir um sistema mais genuinamente democrático e inclusivo. Trata-se de um duro e difícil combate cultural, social e político, que exige novas e inovadoras formas de estar e de pensar a educação e respetivas políticas públicas. Exige igualmente que os professores desenvolvam sólidas identidades profissionais, conceções do ensino como profissão e como arte. Um ensino de qualidade exige ainda que os docentes se assumam como intelectuais e pedagogos, homens e mulheres cultos e muito qualificados, das ciências, das artes, das tecnologias e das humanidades, capazes de formularem juízos sobre as suas práticas e capazes de agir sobre elas, para que a qualidade da educação seja consistente com os desígnios do currículo atual e com as exigências da sociedade.

Domingos Fernandes

Fonte: Observador

quinta-feira, 23 de março de 2023

Queremos mais professores em Portugal? Um olhar sobre o modelo inglês

O tema tem ganhado especial importância, uma vez que o nosso sistema de ensino enfrenta um grave problema de falta de professores. De facto, já no início do ano lectivo 2022/2023, estimava-se que cerca de 110 mil alunos não tivessem professor a pelo menos uma disciplina.

Perante a necessidade urgente de repensar o recrutamento dos professores, vale a pena olharmos para a experiência de países com um sistema muito diferente do nosso, como é o caso de Inglaterra.

A diferença mais notória é que todas as escolas, incluindo as públicas, têm autonomia para contratar diretamente os seus professores. Contudo, o contraste entre os dois sistemas é tão gritante que, em Inglaterra, até as qualificações necessárias para se ser professor variam consoante o tipo de escola, seja ela pública, privada ou mista.

Simplificando, podemos dizer que o tipo de escola mais clássico em Inglaterra são as escolas públicas geridas pelas autarquias ou pelo Estado. Todos os professores que ensinam nestas escolas públicas são obrigados a ter uma qualificação (designada por Estatuto de Professor Qualificado, ou Qualified Teacher Status).

Contudo, há ainda outras escolas públicas, normalmente geridas por privados, com enorme autonomia de gestão: as academias (academies) ou escolas livres (free schools). Estas escolas são geridas por organizações sem fins lucrativos, e representam 39% das escolas primárias e 80% das secundárias no sistema de ensino público inglês (e o governo inglês já afirmou pretender que, até 2030, todas as escolas públicas se tornem academias e se agrupem em consórcios para criar economias de escala, chamados trusts). Este ponto é importante, e talvez até chocante para um português, porque os professores que ensinam nestas escolas — e também os das escolas cem por cento privadas — não estão sequer legalmente obrigados a ser professores qualificados. Apesar disso, como as escolas escolhem livremente os professores e estes querem destacar-se para entrar nas escolas da sua escolha, o que acontece na prática é a maioria dos professores nas academias acabar por ter essa qualificação.

Mas então como é que os professores entram para o sistema de ensino? As vias e os mecanismos são de tal forma amplos e flexíveis, que os Ingleses tratam a formação inicial como um verdadeiro «mercado» de formação inicial de professores (Initial Teacher Training market).

A primeira via possível são as licenciaturas em educação, que duram normalmente de três a quatro anos e garantem a qualificação como professor. Esta foi a via seguida por apenas 14% dos novos professores estagiários em 2020/2021.

De facto, a grande maioria dos novos professores segue antes outro caminho. Depois de concluírem um curso universitário à sua escolha, fazem uma pós-graduação ou um mestrado que os qualifica para a docência, mas estes cursos pós-graduados podem tanto ser feitos nas universidades como diretamente nas escolas. A via universitária é a mais seguida: em regra faz-se um curso de pós-graduação em Educação com a duração de um ano lectivo, com período de colocação numa escola, para obter o Certificado de Formação Pós-Graduada em Educação (PGCE — Postgraduate Certificate in Education).

Se a formação for feita diretamente na escola, os candidatos podem escolher cursos pós-graduados desenhados e implementados por grupos de escolas acreditados pelo Ministério da Educação, a chamada formação inicial de professores em escola (SCITT — School-Centred Initial Teacher Training). No entanto, uma escola individual e não agrupada também pode dar esta formação, podendo assim o candidato ser empregado por ela e receber um ordenado durante a formação.

Em qualquer caso, mesmo que um professor decida prosseguir a formação inicial na escola, a escola também pode estabelecer parceria com uma instituição de ensino superior para o Certificado de Formação Pós-Graduada em Educação. É também importante deixar nota que estão disponíveis várias bolsas e empréstimos para determinados candidatos, com montantes que, dependendo das necessidades e previsões de recrutamento, variam por disciplina. (Por exemplo, em 2022, a bolsa para futuros professores de Matemática ou Química chega aos 27 mil euros, enquanto a de Geografia ronda os 17 mil.)

Além das universidades e das escolas, o mercado da formação inicial é também muito influenciado por organizações de outra índole, que têm um papel importantíssimo. Talvez a mais marcante seja a Teach First, organização sem fins lucrativos que, desde 2003, recruta professores para o sistema de ensino. Um dos principais focos do programa era o de colocar os futuros professores em regiões mais desfavorecidas, onde habitualmente é mais difícil recrutar e manter professores nos quadros. Atualmente, a Teach First recruta cerca de 5% dos novos professores. Outros esquemas, de menor escala (como o Now Teach), procuram incentivar profissionais experientes de outros setores a mudarem de carreira e a tornarem-se professores.

De acordo com o relatório Teaching and Learning International Survey (TALIS) da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), os professores ingleses são, em média, 10 anos mais novos do que os portugueses. De facto, em Inglaterra, apenas 18% dos professores tinham mais de 50 anos: um contraste brutal com a percentagem de 47% acima dos 50 anos em Portugal e a média de 34% nos países da OCDE.

O sistema de ensino português tem certamente algumas vantagens em relação ao inglês — por exemplo, a maior capacidade portuguesa de reter os professores no corpo docente. Com grande número de professores em final de carreira, e dadas as condições do mercado de trabalho, Portugal é mesmo o país da OCDE onde menos professores pensam deixar a profissão nos próximos cinco anos. Ainda assim, os dados da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) são inequívocos e assustadores. Portugal enfrenta um problema sério de renovação: até 2030, cerca de 39% dos professores vão atingir a idade da reforma.

A revisão do sistema de colocação de professores em Portugal terá de responder a um problema quer de curto, quer de longo prazo. Em ambos os casos, olhar para os resultados e para a evidência de outros países dá-nos sempre um caminho para as boas soluções.

Miguel Herdade

quarta-feira, 22 de março de 2023

Escolas com maior exclusão terão reforço de meios de acordo com desempenho dos alunos

O novo indicador, explicou João Costa, permite “aferir o desempenho de alunos em escolas diferentes” e faz parte da próxima fase do Programa TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária) que está a ser preparada e cujo despacho normativo deverá ser publicado em breve.

O ministro da Educação falava numa audição conjunta nas comissões parlamentares da Educação e Ciência, e Trabalho, Segurança Social e Inclusão, com a secretária de Estado da Inclusão, Ana Sofia Antunes, por requerimento do PSD e da Iniciativa Liberal sobre educação inclusiva.

De acordo com o governante, está também para breve a conclusão da revisão do modelo de funcionamento e financiamento dos Centros de Recursos para a Inclusão, para corrigir assimetrias entre os níveis de financiamento e o número de alunos apoiados em diferentes zonas do país.

“Este trabalho permitirá uma correção do funcionamento e visará uma melhor articulação entre as necessidades identificadas pelos agrupamentos de escolas e as terapias disponibilizadas pelos Centros de Recursos para a Inclusão”, antecipou o ministro.

Por outro lado, quanto ao funcionamento destas instituições e de forma a responder ao aumento da prevalência do autismo, foi produzido um roteiro para a elaboração dos Planos Individuais de Transição, em colaboração com a Associação Portuguesa do Síndrome de Asperger.

O objetivo, explicou o ministro, é que “o fim da escolaridade seja o início de uma nova etapa, área que também será alvo de aprofundamento”.

Durante a sua intervenção inicial, João Costa fez um balanço da concretização da educação inclusiva, sublinhando que desde 2018 o número de professores de educação especial aumentou em 4,2%, correspondendo, atualmente, a cerca de 7% do total de professores.

Aumentou também o número de psicólogos, em 48,2%, e de terapeutas da fala, em 88,3%, enquanto o número de educadores sociais e animadores sociais mais que duplicou.

Por outro lado, pouco mais de metade das turmas têm até 20 alunos, sendo que no ano letivo 2022-2023 foram abertas 4.959 novas turmas, decorrentes da redução do número de alunos.

“Sabemos que a inclusão é um processo sempre inacabado e que, sempre que haja um aluno que seja a quem não conseguimos responder, encontramos a evidência para continuar e aprofundar o trabalho”, sublinhou João Costa.

Antes da intervenção do ministro da Educação, PSD e Iniciativa Liberal justificaram os requerimentos para ouvir o Governo sobre o tema da educação inclusiva, com a deputada social-democrata Emília Cerqueira a considerar que existe um desfasamento grande entre a narrativa do Governo e a aplicação do regime jurídico.

“Não passa de mais uma daquelas políticas muito anunciadas, mas muito pouco concretizados”, afirmou a deputada, enquanto Carla Castro, da Iniciativa Liberal, deu também uma avaliação negativa, relatando que, da parte das escolas, o sentimento parece ser de insatisfação generalizada, independentemente do setor.

Fonte: Açoriano Oriental por indicação de Livresco

terça-feira, 21 de março de 2023

Educação especial continua a ser o parente pobre da educação em Portugal

A educação especial continua a ser o parente pobre da educação em Portugal. O alerta é dos diretores de escolas públicas que reclamam mais investimento em recursos humanos.

Pelas contas do presidente da Associação de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (Andaep), Filinto Lima, faltam centenas de professores no ensino especial.

Em declarações (...), Filinto Lima diz que, apesar dos bons resultados de Portugal nos estudos internacionais, a educação especial continua a não ter o investimento necessário.

“Ainda é um parente pobre, é necessário mais apoio aos nossos alunos, mas quero aqui sublinhar os estudos internacionais que, de facto, colocam esta área duma forma muito positiva no panorama educativo, pelo menos europeu”, diz Filinto Lima.

Na perspetiva do presidente da Andaep “é preciso maior investimento, sobretudo ao nível dos recursos humanos”.

“Seriam necessários mais algumas centenas, seguramente, porque nós falamos com as pessoas da educação especial e falamos com os diretores e estamos no terreno todos os dias e é isso que nós constatamos”, exemplifica.

Filinto Lima reconhece, por outro lado, que, depois de concluído o percurso escolar, muitos destes alunos não conseguem integrar-se na vida profissional.

“Há um trabalho de excelência feito pelos nossos professores a estes alunos que estão na unidade multideficiência e depois o que é sucede é que aos 18 ou aos 20 anos, não há uma APCDM, não há uma CERCI que os possa acolher, porque não têm vagas, as vagas são limitadas”, lamenta.

“E o trabalho que nós fizemos até aos 18 ou aos 20 anos de idade, é um trabalho, é um investimento forte da parte do Governo que muitas vezes vai por água abaixo porque os alunos posteriormente em vez de frequentarem instituições especializadas, alguns deles vão para casa, o que é muito injusto”, acrescenta.

Dificuldades no acesso ao mercado de trabalho

Os alertas de Filinto Lima, da Associação de Diretores de Escolas Públicas, face ao que diz ser o desinvestimento do Governo na educação especial, surgem no dia em que se assinala o Dia Internacional do Síndrome de Down, uma deficiência do foro mental que afeta cerca de 15 mil pessoas em Portugal.

A Renascença questionou a presidente da Associação Portuguesa de Deficientes, sobre o que está a falhar na integração das pessoas com deficiência no mercado de trabalho.

Helena Rato diz que até há ofertas de trabalho para pessoas portadoras de deficiência. O problema, diz esta responsável, é que os próprios não se sentem preparadas para entrar no mercado de trabalho.

“Muitas vezes há ofertas de emprego e não há respostas pelo lado de pessoas com deficiência. Há ofertas que ficam vazias e ficam vazias porque o ensino já é deficiente, já é deficiente porque não há meios”, observa.

Segundo esta responsável, “a lei é boa, mas não há meios para se cumprir aquilo tudo que se devia cumprir”. “Acaba [o ensino especial], ficam abandonados. Muitas pessoas com deficiência não estão preparadas minimamente para entrarem no mercado de trabalho. Esse é um drama, não têm competências para responderem àqueles anúncios”, conclui.

Fonte: RR por indicação de Livresco

Mais de metade das turmas tem só 20 alunos para lidar com dificuldades de estudantes

O ministro da Educação, João Costa, revelou nesta terça-feira que “55,6% das turmas têm 20 alunos” por ser essa uma das medidas previstas na avaliação feita aos alunos com “necessidades específicas”, o conceito que a partir de 2018 substituiu, na legislação, o de "necessidades educativas especiais".

Falando na comissão parlamentar de Trabalho, Segurança Social e Inclusão, durante uma audição requerida pelo PSD e IL sobre a aplicação do diploma de 2018 que estabelece o regime jurídico da educação inclusiva, João Costa adiantou que, “só este ano lectivo, foram abertas mais 4959 turmas fruto da redução do número de alunos”. Este foi um dos exemplos que apontou quanto ao “reforço de meios” que tem vindo a ser feito no âmbito da educação inclusiva. Numa avaliação feita em 2020/21, a Inspecção-Geral da Educação e Ciência alertava para o facto de muitos destes estudantes estarem em turmas grandes de mais, o que prejudicava o seu "direito a uma educação inclusiva".

Até 2016, as turmas com estudantes com necessidades específicas só podiam ter, legalmente, um total de 20 alunos, não havendo outros critérios para que esta redução se efectivasse. Mas esta condição foi alterada pelo primeiro Governo de António Costa, era então Tiago Brandão Rodrigues ministro da Educação e João Costa secretário de Estado.

No despacho aprovado então para a organização de turmas fixava-se que a redução das turmas com alunos com necessidades específicas só se poderá concretizar se estes permanecerem nas salas de aula “pelo menos 60% do seu tempo curricular”. Como muitos destes estudantes precisam de apoios especializados que são prestados fora da sala de aula, a medida foi alvo de críticas por parte de professores, técnicos e pais, mas manteve-se em vigor.

O Ministério da Educação alegou então que a alteração visava “induzir mais inclusão”, uma vez que se “tem constatado, e isso tem sido sinalizado por vários responsáveis do sector da Educação Especial, que há alunos com necessidades educativas especiais que são sistematicamente excluídos da sala de aula, passando a maior parte do seu tempo em unidades de apoio e não em contacto com os seus colegas e professores”.

Na sua intervenção nesta terça-feira, João Costa justificou o facto de mais de metade das turmas ter 20 estudantes “por essa medida estar prevista no relatório técnico-pedagógico dos alunos aí incluídos”. Este relatório é uma das peças-chave do regime de educação inclusiva, uma vez que é ali que se encontra fundamentada “a mobilização de medidas selectivas ou adicionais de suporte à aprendizagem e à inclusão”. Nos termos da lei, deve ser elaborado por uma “equipa multidisciplinar”, constituída por professores e técnicos especializados.

Mais alunos com autismo

Tanto directores, como professores, têm apontado a falta de recursos como uma das lacunas principais do novo regime. Na audição desta terça-feira, em que também participou a secretária de Estado para a Inclusão, João Costa contrapôs que, desde 2018, registou-se um “aumento de 4,2% professores de educação especial, que correspondem a cerca de 7% do total dos professores do sistema educativo”. “Em apenas quatro anos, o número de psicólogos nas escolas aumentou 48,2%. Os terapeutas da fala aumentaram 88,3%. Os educadores sociais passaram de 58 para 139. Os animadores sociais de 38 para 89”, frisou ainda.

O ministro revelou ainda que as escolas mobilizaram “medidas selectivas e adicionais para 7,4% dos alunos, sendo de registar que, desde 2018, se verifica um aumento destas medidas no ensino secundário”. “Tal significa que há cada vez mais alunos [com necessidades específicas] incluídos neste nível de ensino, em particular nos cursos científico-humanísticos”, frisou. Antes da escolaridade obrigatória de 12 anos, muitos destes alunos saíam da escola no 9.º ano.

As medidas selectivas e adicionais devem ser aplicadas a alunos que revelam dificuldades mais acentuadas e persistentes e passam, por exemplo, pela adopção de “percursos curriculares diferenciados” e por adaptações nos processos de avaliação.

Segundo João Costa, tem-se registado “um aumento da prevalência do autismo, fruto também de mais e melhor diagnóstico”, o que justifica “um reforço dos apoios a estas crianças”. “Aprofundar a interacção entre escolas revela-se absolutamente crítico para a inclusão plena destes alunos e esta é uma área a que nos queremos dedicar cada vez mais”, adiantou.

Referindo-se às diferenças entre o actual regime e a anterior legislação sobre necessidades educativas especiais, o ministro lembrou que as “barreiras ao normal desenvolvimento das aprendizagens” podem advir de uma deficiência, de uma condição clínica, do seu contexto socioeconómico, do facto de não se ser falante nativo de português, de carência socioemocional ou, muitas vezes, da combinação de vários destes factores”. “É por esta razão que, de acordo com a legislação em vigor, a condição clínica pode ser um factor de sinalização, mas não é condição necessária, nem a única, que determina a identificação dos alunos que beneficiarão de medidas diferenciadas”, como sucedia anteriormente.

Fonte: Público

Recrutamento sem barreiras. Estas empresas querem garantir igualdade de oportunidades

Desde o passado dia 1 de fevereiro que, com a nova lei das quotas, as empresas com mais de 100 trabalhadores são obrigadas a cumprir a quota para trabalhadores com deficiência. Mas algumas empresas já estavam, muito antes disso, a percorrer o seu caminho rumo a um mercado de trabalho mais inclusivo e que garante igualdade de oportunidades. Há quem esteja empenhada em atrair talento mais diverso, quem já esteja focada em melhorar a acessibilidade e quem trabalhe para incluir estes profissionais no mercado de trabalho. Esta terça-feira assinala-se o Dia Mundial da Síndrome de Down.

Com quase 100 colaboradores com algum tipo de deficiência ou incapacidade, num total de 3.273 pessoas, sempre que integra um novo trabalhador com deficiência, o El Corte Inglés (ECI) faz o levantamento das necessidades de adaptação do seu posto de trabalho. O objetivo é garantir que todos conseguem desempenhar a sua função sem qualquer barreira física.

“Foi através da integração de um carpinteiro, que se desloca de cadeira de rodas, que melhorámos toda a acessibilidade no armazém de Alcochete, onde se insere a carpintaria”, conta Paula Lobinho, responsável pela área da diversidade, inclusão e parcerias institucionais do ECI Portugal.

“Foi construída mais uma rampa de acesso na entrada principal de funcionários, uma casa de banho adaptada e mais próxima da carpintaria, identificado um lugar de estacionamento, e também desenhado um circuito interno para que a sua deslocação dentro do armazém fosse realizada de forma mais segura”, descreve.

Mas a realidade é distinta da vivida na companhia espanhola de retalho. Os números mostram, contudo, que ainda há muito por fazer para incluir pessoas portadoras de deficiência no mercado de trabalho. Segundo dados Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, em 2021, as empresas privadas criaram 3.713 vagas para pessoas com deficiência, mais 65% que no ano anterior, ou seja, 1.469 vagas. Ainda assim, o número de pessoas empregadas não atinge sequer 25% do total de pessoas com deficiência inscritas nos centros de emprego.

Dados do relatório do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos (ODDH) mostram ainda que, entre 2016 e 2019, a taxa de desemprego na população com deficiência baixou 8,8%, mas com a pandemia ocorreu uma subida de 11,6%. Em 2020, o desemprego de longa duração aumentou 21,7% face a 2019 e, em 2021, aumentou cerca de 7,6% face a 2020.

Já a taxa de risco de pobreza ou exclusão social era, em 2021, de 30,5% para agregados familiares com pessoas com deficiência. Quase o dobro do estimado para a generalidade da população (18,8%), de acordo com os números publicados pelo ODDH.

Atração de talento diverso

No setor tecnológico, a Microsoft abriu 100 vagas para talento diverso no mercado nacional. A ação de recrutamento surgiu no âmbito de um programa piloto em três países – Portugal, Roménia e Egipto – e que deverá, posteriormente, “ser estendido a outros países”, explica Guilherme Castro Caldas, EMEA lead – connected support delivery e disability ERG Portugal lead na Microsoft.

“Quisemos, essencialmente, dar visibilidade ao tema. O objetivo é sensibilizar e recrutar. Através de um vídeo com testemunhos de quatro colaboradores voluntários, demonstrámos que, independentemente dos perfis, do background, das histórias de vida ou até das deficiências, há espaço para o talento diverso na Microsoft e que esta é uma organização na qual podem trazer tudo o que são para o trabalho”, detalha o responsável.

O balanço é positivo. “Temos recebido, cada vez mais, candidaturas de pessoas com perfis e talento diversos, o que nos diz que estamos no caminho certo“, acredita. Questionada sobre o número de pessoas com deficiência que emprega atualmente, a tecnológica norte-americana não adiantou valores, justificando que não tem esses números, pois as pessoas não são obrigadas a comunicar às entidades empregadoras se têm deficiência.

Por força da política fiscal em Portugal, a empresa só tem essa informação quando existe uma deficiência relativa a 60% de incapacidade. Em Portugal, contudo, o Employee Resource Group de Disability – colaboradores aliados que apoiam e promovem iniciativas dentro e fora da tecnológica – já tem mais de 80 membros. Só em 2021, este grupo informal organizou sete iniciativas internas, com cerca de 150 colaboradores a assistirem às sessões de sensibilização.

Também o Café Joyeux, que chegou a Portugal no final de 2021 para instalar o seu primeiro café fora de França, na Calçada da Estrela, em Lisboa, e que hoje já conta dois cafés em território nacional, está enfocado em captar talento diverso. O estabelecimento solidário tem um objetivo ambicioso: empregar cerca de uma centena de pessoas com dificuldades intelectuais e de desenvolvimento, como a trissomia 21 ou o autismo desafios, até 2026. Pretende fazê-lo através da abertura de outros cafés-restaurantes, bem como da contratação de talento para eventos.

Esta terça-feira, para assinalar o Dia Mundial da Síndrome de Down, o Café Joyeux desafia todos os portugueses a calçarem meias diferentes em cada pé. Com este pequeno gesto simbólico, o Café Joyeux quer mostrar que a diferença é capaz de enriquecer as equipas. “E é uma mais-valia e que nos traz ainda mais alegria às nossas vidas”, assegura o Café Joyeux.

Formação. Chave para inclusão

A Gleba Moagem & Padaria uniu recentemente forças com a Academia Semear para promover sessões de formação teórico-práticas de padaria para os alunos da academia, bem como oferecer estágios de formação profissional.

“As experiências práticas em contexto real de trabalho ao longo da formação são a chave do sucesso para a confiança da pessoa e das empresas na integração socioprofissional. Portanto, nada melhor do que ‘pormos a mão na massa’ numa padaria como a Gleba, que não só valoriza e respeita os métodos ancestrais de confecionar o pão, como tem uma grande aposta na sustentabilidade, valores com os quais nos identificamos”, refere Carmen Vale de Gato, responsável pela inclusão socio-profissional da Academia Semear.

Fundada em 2014, a Academia Semear desenvolve programas que visam a inclusão socioprofissional no setor agroalimentar, nomeadamente produção agrícola, indústria alimentar e comércio, através de formação certificada, para pessoas com dificuldade intelectual e do desenvolvimento. O objetivo é proporcionar a estes jovens experiências reais em contexto laboral, contribuindo assim para a sua integração profissional.

Já a Microsoft tem também apostado na formação em diversidade e inclusão para todos os colaboradores da tecnológica. É atualmente parte do leque de formação obrigatória. Além disso, as pessoas envolvidas nos processos de recrutamento são também capacitadas com formação adicional, guias e outras recomendações para garantir que o processo corresponde a todas as necessidades dos candidatos.

Fonte: Sapo

segunda-feira, 20 de março de 2023

Campanha #DIFERENTESMASIGUAIS chama a atenção para a Síndrome de Down

Para assinalar o Dia Internacional da Síndrome de Down, a 21 de março, os ativos geridos pela CBRE lançam uma campanha de consciencialização, a nível ibérico, que em Portugal terá lugar em onze escritórios, seis Retail Parks e nove Centros Comerciais, geridos e comercializados pela consultora imobiliária.

A campanha é marcada pela iniciativa #DiferentesMasIguais, que apela ao uso de meias que não sejam o par uma da outra, de forma a destacar a beleza da diversidade e da tolerância para com as pessoas com esta condição. Para isto, criou-se uma parceria com a marca portuguesa CHULÉ, que desenvolveu uma edição exclusiva de meias com cores e padrões diferentes. Estas serão distribuídas aos clientes, equipas de limpeza, segurança e manutenção, bem como aos trabalhadores dos edifícios de escritórios que deverão utilizá-las durante o dia 21 de março, mostrando a união e irreverência que os distingue.

Ao longo do mês de março, o Alameda Shop & Spot, Alma Shopping, LoureShopping, LeiriaShopping, Nosso Shopping, RioSul Shopping, Torreshopping, UBBO e 8ª Avenida vão receber associações que acompanham utentes com esta patologia diagnosticada, nomeadamente a APPACDM de Lisboa e Porto, às quais será proporcionada a experiência de passar um dia no Centro Comercial. Aqui poderão conhecer as instalações, os diferentes postos de trabalho e fazer algumas atividades preparadas especialmente para este dia. Além disso, terão a oportunidade de dar a conhecer a Associação e promover as peças de artesanato desenvolvidas pelos seus utentes.

Dada a relevância do tema, também o Lagoas Park e o WTC Lisboa se associaram à campanha #DiferentesMasIguais, envolvendo toda sua comunidade e trabalhadores. Neste dia, o Lagoas Park terá como convidados especiais 20 jovens adultos pertencentes à Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão com Deficiência Mental, a quem será dado a conhecer o “mundo empresarial”.


Fonte: INR

domingo, 19 de março de 2023

Cidades pouco inclusivas aprisionam cegos em casa

Falta de civismo e abusos de condutores de automóveis, trotinetas e outros veículos enchem o espaço público de obstáculos, dificultando a mobilidade e criando insegurança.

Tem havido melhorias na acessibilidade, mas ainda há um longo caminho a percorrer para as cidades portuguesas serem "efetivamente inclusivas" e, para que todos, independentemente das suas limitações, possam aproveitar o espaço público e movimentar-se em segurança. Rodrigo Santos, presidente da Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO), não tem dúvidas de que a mudança implica mais sensibilidade e civismo.

Ao longo dos últimos anos têm surgido sistemas sonoros em alguns transportes públicos, semáforos sonorizados, sinalização horizontal e piso táctil em vários locais. Os esforços no Porto, por exemplo, têm sido reconhecidos, com a Invicta a chegar à fase de finalistas do prémio da União Europeia "Acess City" 2022. [...]

Fonte: JN

sábado, 18 de março de 2023

Os professores entre a consciência e a lei

1. Como se esperava, terminou sem acordo a reunião suplementar entre o Ministério da Educação e os sindicatos. O que se segue? A promulgação de um diploma que colocará milhares de professores, contra a sua vontade, a centenas de quilómetros de casa, dificultará ainda mais os mecanismos de aproximação à residência e conferirá aos directores o poder de afastar os professores incómodos, mesmo que sejam do quadro. Numa palavra, passará a vigorar um normativo que só piora o que já estava em vigor.

E seguem-se novas reuniões negociais, para debater a recuperação do tempo de serviço. Mas sobre a matéria, João Costa já esclareceu que as próximas negociações não se ocuparão da recuperação do tempo de serviço de todos os professores, mas sim das compensações (“correcção dos efeitos assimétricos”, no dizer do ministro) a atribuir aos que tenham sido mais prejudicados durante o congelamento das carreiras.

Aquilo que o ministro agora apoda de “efeitos assimétricos” é uma epígrafe maliciosa para uma ideia racionalmente sem nexo e eticamente desprezível. Limpando-a dos floreados palavrosos do ministro, o que ela significa é isto: João Costa vai entrar, mais uma vez de má-fé, numa negociação viciada, porque já tem o resultado antecipadamente determinado, qual seja distribuir umas migalhas a uns e discriminar os restantes. Como se não tivessem trabalhado todos, João Costa propõe-se promover ultrapassagens indecorosas, com um confrangedor desprezo pela justiça mínima.

2. Duas sondagens recentes e a observação simples dos factos expõem o fracasso da estratégia de manipulação da opinião pública promovida pelo Governo e, particularmente, por João Costa, no contencioso com os professores. Mas, no domínio dos resultados, João Costa levou a dele avante: a sua política ruinosa avançou e um péssimo decreto-lei vai ser aprovado num Conselho de Ministros inerte ante a destruição do sistema nacional de ensino e da escola pública.

A união genuína dos professores e a abnegação com que se entregaram a manifestar publicamente a sua repulsa pelas políticas nefastas de que são vítimas não demoveram um ministro desumano e incompetente. Daí a pergunta que se impõe: que fazer agora?

Talvez reflectir sobre a forma como Peter Singer aborda, no seu livro Ética Prática, a relação entre a consciência individual e a lei. A dado passo, o autor formula esta pergunta:

“Temos alguma obrigação moral de obedecer à lei, quando a lei protege e sanciona coisas que achamos totalmente erradas?”

E Peter Singer responde a si próprio pela escrita de Henry Thoreau, assim:

“Terá o cidadão de entregar a sua consciência ao legislador, nem que seja por um só momento ou no grau mínimo? Para que terá então todo o homem uma consciência? Penso que devemos ser em primeiro lugar homens e só depois súbditos. A única razão que tenho o direito de assumir é a de fazer sempre aquilo que penso ser justo.”

Posto isto, que bela lição dariam os professores a João Costa se o deixassem a falar sozinho com o diploma que vai levar a Conselho de Ministros e nem um só dos contratados concorresse à pérfida vinculação dinâmica! A que outra artimanha recorreria o criativo ministro, para não ser levado ao Tribunal de Justiça da União Europeia, por incumprimento da correlata Directiva 1999/70/CE?

3. A realização das provas de aferição em suporte digital é um processo que começa a revelar-se como de princípio era de prever: sem computadores suficientes, sem estruturas de base (rede eléctrica e de Internet preparadas e adequadas nas escolas) e muitos alunos insuficientemente familiarizados com as rotinas informáticas, não passa de uma iniciativa de novos-ricos irresponsáveis. O irrealismo (Projecto de Desmaterialização das Provas de Avaliação Externa) terminará, antevejo, atribuindo, como é habitual, a culpa do fracasso às escolas e à falta de formação dos professores.

A esta vertente operacional acresce a mais importante, sobre a qual venho a escrever, de há muito: sendo a utilização do digital desejável e incontornável, não deve ser impulsionada por dogmas políticos, antes com a consideração dos avanços científicos no domínio das neurociências, particularmente da psicologia cognitiva. E esses avanços permitem expor a pobreza pedagógica e a limitação de exames assentes em escolhas múltiplas.

Santana Castilho

Fonte: Público por indicação de Livresco

sexta-feira, 17 de março de 2023

Câmara Municipal de Lagos ensina os mais novos a conhecer o alfabeto Braille

A Câmara Municipal de Lagos, através do Balcão da Inclusão, tem vindo a promover ao longo do mês de março, junto da Escola do Bairro Operário, ações de sensibilização para os alunos de todas as turmas do 1º ciclo, no âmbito de uma escola mais inclusiva, com o intuito de dar a conhecer realidade das pessoas cegas.

A última ação teve lugar hoje, dia 16 de março, e contou com a presença de uma turma de 24 alunos do 1º ano. No total, esta iniciativa, que teve grande sucesso junto da comunidade escolar, chegou a um total de 196 alunos de nove turmas, desta escola do Agrupamento de Escolas Júlio Dantas, do concelho de Lagos.

Palavras ditas, palavras escritas, palavras sentidas. É com as palavras que comunicamos, mas, quando somos cegos e não podemos ler nem escrever com recurso ao sentido da visão, sentimos as palavras com a ponta dos dedos, utilizando o tato. Para tal, usamos o braille, como forma de comunicação escrita.

Para demostrar este modo de sentir as palavras, Dina Neto, uma trabalhadora da Câmara Municipal, que vive esta realidade, tem dado a conhecer como vivem e trabalham as pessoas cegas. De forma lúdica, os alunos conhecem o sistema de escrita tátil braille e a técnica de utilização da bengala branca, assim como outras técnicas e tecnologias de apoio à realização de tarefas do dia-a-dia, mostrando que ter uma incapacidade não é sinónimo de ser desigual e a importância em ajudar os outros.

“Como cozinhas?”; “como distingues o dinheiro?”; “como consegues trabalhar?”, foram apenas algumas das muitas questões colocadas pelos mais pequenos e que não ficaram sem resposta.

“Através desta iniciativa pretendemos dar a conhecer o alfabeto Braille, e o seu inventor, Louis Braille, assim como sensibilizar os mais novos, para as diversas formas que cada um tem de estar e de fazer de acordo com as suas capacidades, mostrando que ter deficiência não é sinónimo de desigualdade” refere a trabalhadora.

“Contamos que, nos próximos meses, esta iniciativa chegue a todas as escolas de 1º ciclo do município”, refere a Vereadora Sara Coelho, com o pelouro da educação e ação social.

Sistema Braille

O Braille é um sistema que foi oficializado em 1852 para possibilitar que, pessoas com deficiência visual, parcial ou total, tivessem acesso à leitura. O sistema é formado por caracteres em relevo que permitem o entendimento por meio do tato.

O sistema recebeu essa nomenclatura em homenagem ao francês Louis Braille, responsável pela criação desse código para cegos. Ele é utilizado em quase todos os países do mundo, sendo uma ferramenta fundamental para a alfabetização das crianças com cegueira.

A 4 de janeiro comemora-se o Dia Mundial do Braille. Este dia é celebrado desde 2019, como forma de consciencializar para a importância da escrita em Braille e para a realização plena dos direitos humanos de pessoas com deficiência visual.

Fonte: CM Lagos por indicação de Livresco

quinta-feira, 16 de março de 2023

Inclusão continua a ser uma miragem para pessoas com deficiência

Camada sobre camada, a discriminação vivida por pessoas com deficiência é uma realidade com que se deparam diariamente e ao longo de toda a vida. Para lá das barreiras físicas da arquitetura que impedem Ana Sesudo, Shani Dhanda ou Tiago Fortuna de se moverem livremente no espaço público, são os obstáculos culturais que mais dificultam a sua vida. Em comum têm a esperança de poderem contribuir para mudar a forma como a sociedade olha para a população com algum tipo de incapacidade, física ou cognitiva, e de conseguirem contrariar a realidade espelhada pelas estatísticas sobre quem tem uma deficiência. E essa realidade, mostram os números, está longe do que consideram ser o significado de inclusão.

De acordo com o Observatório da Deficiência e Direitos Humanos (ODDH), a taxa de risco de pobreza ou exclusão social era, em 2021, de 30,5% para agregados familiares com pessoas com deficiência - quase o dobro do estimado para a generalidade da população (18,8%). "Claro que temos uma população que é economicamente desfavorecida e está sempre em maior risco de pobreza, até porque tem maiores custos de vida", comenta Tiago Fortuna, fundador da Access Lab e portador de uma deficiência física que o obriga a deslocar-se, desde sempre, numa cadeira de rodas.

Shani Dhanda, ativista britânica pelos direitos das pessoas com deficiência, usa a realidade do Reino Unido para enquadrar dados como aqueles publicados pelo ODDH. "Por cada 100 libras que uma pessoa sem deficiência tenha, esse valor equivale a apenas 68 libras para uma pessoa com deficiência", disse durante a sua participação nas Conferências do Estoril, em setembro.

E é fácil perceber a razão por detrás desta comparação, explica a Associação Portuguesa de Deficientes (APD): custos diretamente relacionados com a condição médica, nomeadamente compra de medicamentos ou de material de apoio como cadeiras de rodas, andarilhos ou scooters de mobilidade, entre outros. Mas a estes, sublinha a presidente Gisela Valente, juntam-se despesas adicionais a que muitas vezes não podem fugir para se deslocarem para a escola ou o emprego. "Considerando a inacessibilidade dos transportes e dificuldade em assegurar que chegará a horas ao trabalho, uma pessoa com deficiência só tem a opção de utilização de transporte privado", enuncia.

Esta foi a experiência vivida por Ana Sesudo, paraplégica desde os 12 anos -- na sequência de um acidente de viação --, quando, após concluir o Ensino Superior, procurou entrar no mercado de trabalho. Foi numa multinacional que encontrou uma oportunidade, sem saber, contudo, que ter um emprego seria apenas o primeiro de muitos obstáculos a superar.

"Difícil foi o resto. Estava sem qualquer tipo de mobilidade porque não tinha carta, não tinha carro ou transportes públicos adaptados. Era muito difícil chegar ao local de trabalho", recorda. "Percebi que até o emprego que tinha quase como certo estava em risco se não conseguisse ultrapassar todas estas barreiras", aponta, lembrando o apoio fundamental que teve de amigos e da família. Hoje, aos 45 anos, Ana Sesudo trabalha na área dos seguros e procura ajudar a comunidade através da APD, com que colabora como presidente da mesa da assembleia-geral.

Escassez de dados

Todas estas dificuldades, da formação, ao emprego, ajudam a explicar um número que Tiago Fortuna considera preocupante: 84,4% das pessoas com incapacidade em Portugal não tem atividade económica. Os dados são do Censos 2021, da responsabilidade do Instituto Nacional de Estatística (INE), e merecem crítica, acredita o especialista em Comunicação e Acessibilidade.

Por um lado, explica, a alteração de metodologia nas questões colocadas pelos Censos 2021 face à edição anterior levou a uma caracterização deficiente da população -- em 2011, o INE identificava mais de 1,7 milhões de pessoas com deficiência, valor que baixou para pouco mais de 1 milhão no último questionário. "O INE diz que os dados não são comparáveis, mas não consigo aceitar que tenham desaparecido 700 mil pessoas [com deficiência]", afirma.

Por outro lado, o fundador da Access Lab considera que a esmagadora taxa de inatividade económica não é "representativa da comunidade" e, mesmo que fosse, levaria a que a sociedade perguntasse "por que é que isto acontece e como podemos contrariar este padrão".

De facto, os resultados dos Censos 2021 não permitem uma análise rigorosa da população com deficiência no país. O INE coloca no mesmo saco todo o tipo de incapacidade -- visual, auditiva, motora ou cognitiva - e em todos os graus, desde uma pessoa idosa com dificuldade em subir degraus a um portador de deficiência. Além de dificultar a caracterização das condições de vida desta parte da população, o inquérito não permite saber quantas pessoas com deficiência existem em Portugal.

"A APD desconhece a realidade do número de pessoas com deficiência, uma vez que a metodologia utilizada nos Censos não tem sido a mais eficaz", esclarece Gisela Valente, que acrescenta que a associação "alertou" o INE aquando da preparação do estudo. Sem dados, torna-se difícil, senão impossível, avaliar "políticas e medidas públicas destinadas a assegurar a igualdade de oportunidades e de direitos", sublinha a APD.

Porém, o levantamento demográfico do INE permite concluir que há ainda muito caminho a percorrer no que respeita à garantia de condições de vida dignas para pessoas com incapacidade. No que respeita à atividade económica, "a capacidade de estar ativo é inferior na presença de uma incapacidade" para cidadãos de ambos os sexos, embora o instituto público indique que "as mulheres (...) têm menor probabilidade de estar ativas do que os homens na mesma condição de incapacidade, seja qual for a idade considerada".

Já os dados reunidos pelo ODDH, da responsabilidade do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, mostram que, em 2020, apenas 0,59% dos trabalhadores de empresas com mais de dez funcionários eram portadores de deficiência - 55% eram mulheres e 45% homens. No sector público, a percentagem de funcionários com deficiência representava, em 2021, quase 20 400 pessoas - mais 6500 do que no privado.

Quotas de emprego em vigor

O Decreto-Lei 4/2019 instituiu quotas obrigatórias para a contratação de pessoas com deficiência com grau de incapacidade de 60% ou mais e aplica-se às médias empresas, com mais de 75 trabalhadores, e às grandes, com mais de 100 funcionários. No caso das médias organizações, a percentagem de pessoas com deficiência não deve ser inferior a 1%, enquanto que as grandes estruturas devem cumprir um mínimo de 2%.

"A associação tem sido contactada por várias empresas à procura de orientação e aconselhamento para o recrutamento de pessoas com deficiência", adianta Gisela Valente, que vê na legislação -- ainda em período de transição -- um passo positivo, mas que não resolverá todos os desafios. "A lei por si só não elimina o estigma existente. Só com uma política de recrutamento inclusivo e eliminação das barreiras físicas, comunicacionais e informativas é que se conseguirá aumentar a integração", realça.

Um mundo capacitista

Numa sociedade cada vez mais consciente dos fatores de discriminação que recaem sobre vários grupos da população, o capacitismo é um termo que vem sendo mais debatido, mas que é, ainda, amplamente desconhecido. Shani Dhanda explica, em entrevista ao DN, que "o capacitismo é a crença de que pessoas não-deficientes são superiores" e acredita que "vivemos numa sociedade capacitista", ainda que as manifestações dessa discriminação aconteçam, sobretudo, "de forma inconsciente".

Construir edifícios com acesso apenas a partir de escadas, desenhar passeios sem acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida ou disponibilizar serviços básicos sem atendimento com intérpretes de língua gestual são apenas alguns exemplos desse preconceito. "Isso afeta a forma como socializo, como trabalho e a minha confiança para sair de casa", acrescenta a ativista britânica com osteogénese imperfeita, uma doença rara caracterizada por provocar fraturas ósseas espontâneas. "Pessoas com esta condição podem simplesmente tossir e partir uma costela, os ossos são mesmo muito frágeis", explica.

Ao longo da vida, Shani Dhanda aprendeu a usar a doença que a acompanha para trabalhar com multinacionais e instituições públicas de forma a "ajudar a transformar as experiências dos seus colaboradores e clientes". É a promover a representação de pessoas com deficiência no espaço público que a britânica espera conseguir contribuir para uma maior consciencialização da sociedade. "Se vivermos com uma deficiência somos parte da maior minoria do mundo e, entre todas as vertentes da diversidade, a deficiência é uma a que qualquer pessoa se pode juntar a qualquer momento", recorda.

A inclusão de todas as pessoas na sociedade é, desde 2020, a missão de Tiago Fortuna com os serviços de consultoria em acessibilidade que presta na Access Lab. O foco tem sido apoiar espaços e eventos culturais a "preparar a jornada do público ou do colaborador com deficiência", garantindo que todos podem aceder, sem barreiras, à cultura.

A formação e a "aproximação às comunidades" é essencial para "chamar o público e assegurar que é bem-vindo" a um cinema, uma sala de espetáculos ou qualquer outra iniciativa de entretenimento ou lazer. "As pessoas passam muitas vezes por momentos muito desconfortáveis como ir a um restaurante, à escola ou à universidade e os espaços não serem acessíveis. Estamos melhor do que nunca, mas estamos muito atrasados", diz.

Ana Sesudo defende ser essencial que a sociedade conheça os obstáculos que cidadãos com deficiência, física ou cognitiva, enfrentam nos aspetos mais básicos do quotidiano e que exijam do Estado e das empresas mais inclusão. "Consegui acesso ao emprego e à minha independência de forma básica e considero-me privilegiada. Algo está mal nesta sociedade quando alguém que consegue o básico se sente privilegiado", critica.

Fonte: DN por indicação de Livresco