Patrick e Viviana Mendes podiam ter-se resignado, naquele dia em que chegou o diagnóstico do Rafael. Mas decidiram dobrar essa esquina e fazer tudo para que o filho tenha uma vida digna. Ele e os outros como ele. "Receber uma notícia daquelas é como levar com um martelo na cabeça. Ninguém nos prepara para a receber, muito menos para o que aí vem". Era o segundo filho dela e o primeiro do casal, "perfeitamente normal até aos 18 meses", conta a mãe (...).
Foi nessa altura que Viviana começou a observar alguns movimentos estranhos por parte do filho, que parecia regredir no desenvolvimento: deixou de fazer gracinhas, de falar, de olhar nos olhos.
O pediatra suspeitou logo que o bebé pudesse estar no espetro de autismo, mas foram precisos vários meses e muitos exames para um veredicto: O Rafael era autista, de facto. Naquele minuto concluiu-se a volta de 360º na vida da família, que até então morava em Coimbra.
Viviana deixou de trabalhar para ficar exclusivamente com o filho, o casal mudou-se entretanto para Pombal, onde a rede familiar garantia mais apoio. Tinha acabado de constituir uma empresa na área da comunicação quando tudo mudou, com o diagnóstico. "Dizem que o autismo é 50% de causas genéticas e 50% ambientais. Para nós é 100% mistério", conta (...) Patrick Mendes, no caminho para aquele que é uma espécie de sonho realizado: o PARA (Projeto de Apoio e Recursos para o Autismo), inaugurado em meados deste mês de outubro. Abriu portas no início do ano letivo, em setembro.
À procura de respostas
Foi a necessidade de encontrar respostas no apoio ao pequeno Rafael que levou Patrick e Viviana a mover montanhas, a pesquisar tudo o que havia (sobretudo o que não havia) no país para garantir um desenvolvimento saudável ao filho. "Fomos acumulando respostas e experimentando, pesquisando muito, quando percebemos que no público não havia quase nada adequado ao autismo, e que no privado havia pouco, e muito dispendioso". De resto, essa certeza começou cedo, quando o formulário para solicitar terapia da fala era o mesmo que aquele utilizado para portadores de paralisia cerebral.
Uma longa caminhada pontuada por siglas que até então desconheciam por completo. A primeira com a qual se familiarizaram foi a PECS (Picture Exchange Communication System), desenvolvido nos anos 1980 como "um sistema exclusivo de intervenção aumentativa/ alternativa na comunicação, destinado a indivíduos com perturbação do espetro do autismo". E depois cruzaram-se com o ABA, que permite uma intervenção precoce, mesmo antes da idade escolar, mas que por ser abrangente aplica-se também a todas as idades, seja após os 6 anos ou na idade adulta. Funciona com um técnico para cada criança, o que deixa adivinhar os resultados. "Foi quando percebemos que só havia em Lisboa, Porto e Condeixa instituições (privadas) que adotavam esse sistema que começámos a estudar a hipótese de o trazer para mais perto", recorda Patrick Mendes. Era o tempo em que se revezava com a mulher - e com os pais - para levar Rafael até Condeixa, num total de seis horas semanais, que custavam à família cerca de 300 euros mensais. Era tudo o que podiam pagar. Mas cada vez tinham mais certezas de como seria importante que o filho tivesse acesso àquela terapia comportamental todos os dias da semana. No meio das pesquisas, concluíram que o sistema é aplicado em quase todos os países da Europa, com destaque para o exemplo de França: "avançou em 2013, quando 70 famílias processaram o Estado por falta de apoio".
Terá sido esse o momento em que se fez o clique na cabeça de Patrick e Viviana. Estávamos em 2016, era a terceira vez que o Município de Pombal abria aos cidadãos o Orçamento Participativo. O casal decidiu concorrer, tentar a sorte de ver aplicados 100 mil euros num espaço para o filho, mas também para todas as crianças daquele concelho com a tal PEA - Perturbação do Espetro do Autismo.
A proposta apontava "um caminho para colmatar importantes carências de todas as freguesias do concelho de Pombal ao nível de respostas efetivas e estruturadas para as crianças e famílias que convivem diariamente com a problemática da Perturbação do Espetro do Autismo (PEA) e com os desafios da inclusão ao longo de todo o trajeto escolar". Votaram nela 212 pessoas, num concurso que ganharam por apenas um voto.
Um ano de projeto. E depois?
Quando foi anunciada a votação já era dezembro, e apontava-se janeiro seguinte para implementar o projeto, o que se revelou manifestamente insuficiente. Depois era ano eleitoral, mudou a vereadora responsável por acompanhar esse projeto vencedor. Hoje, quando abre a porta do Centro para mostrar (...) o espaço onde agora é possível apoiar oito crianças, Patrick Mendes acredita que o atraso foi benéfico. "Isso permitiu-nos participar de todo o processo, desde o recrutamento das pessoas que aqui trabalham até à escolha dos materiais", sublinha.
O espaço foi alugado à Santa Casa da Misericórdia local, e abriu portas no início do ano letivo, em setembro. A 10 de outubro foi oficialmente inaugurado, com a assinatura de diversos protocolos com instituições locais. Ali trabalham três técnicas, num projeto que, para já, tem apenas a duração de um ano. E por isso o casal já pensa no passo seguinte: a criação de uma associação, sem fins lucrativos, que permita estender o apoio às crianças para lá do pré-escolar e do ensino básico, como está estipulado.
Entretanto Rafael cresceu, tem agora sete anos, está no primeiro ano "e é o único que já sabe ler e escrever lá na sala", contam os pais, atestando as capacidades intelectuais acima da média que tantas vezes caracterizam os autistas. Voltou a falar, muito à conta do ABA. E é por isso que os pais insistem tanto na possibilidade de tornar o sistema parte integrante do ensino público em Portugal.
Patrick e Viviana Mendes têm feito uma verdadeira cruzada junto de todas as instituições de que se lembram para falar da importância de apoiar as crianças (e os pais) autistas em Portugal. No último ano foram à Assembleia da República, falaram com todos os partidos e perceberam então que existe "um desconhecimento total", patente na lei 54/2018, relativa à educação inclusiva. Contudo, consideram que "existem algumas janelas de abertura" onde será possível incluir outro apoio para estas crianças.
Um Plano Estratégico para o Autismo
"O ideal seria que não fosse preciso este Centro, que não fossem precisos centros como este no país. Que a escola pública integrasse esse apoio", sublinha Viviana, que cinco anos depois de começar esta caminhada está quase especialista na matéria. Já reuniu com responsáveis de todos os organismos, já apontou as falhas no sistema que vai testando enquanto mãe. E qual cereja no bolo, o casal chegou ao Presidente da República. Marcelo prometeu-lhes uma visita ao Centro, em Pombal, e é nesse momento que o casal deposita esperanças, "para mostrar ao país que é possível, sem grande investimento, conseguirmos este apoio. Incentivarmos outros pais a fazerem o mesmo: apresentarem projetos semelhantes ao Orçamento Participativo das suas terras".
Em Portugal a Segurança Social assegura um apoio residual no ensino pré-escolar e no primeiro ciclo às crianças autistas. São 45 horas semanais (ou quinzenais) que dão para trabalhar muito pouco com as crianças. "Além disso, há apenas cinco pessoas credenciadas (em Lisboa e Braga) para dar formação a técnicos de ABA, cujos resultados se revelam tanto melhores quando mais precoce for a intervenção.
E é também aí que o PARA pode ter um papel importante, servindo como centro de formação, por exemplo", sustenta Patrick. Em suma, o que estes pais pretendem é transformar a sigla PEA: "que em vez de ser conhecida como Perturbação do Espetro do Autismo seja criado um Plano Estratégico para o Autismo, que acompanhe estes miúdos desde pequenos até serem idosos". "Eu quero que o meu filho tenha direito a pagar impostos e não seja um subsídio-dependente", conclui o pai.
O autismo é uma perturbação crónica e complexa do neurodesenvolvimento, habitualmente grave, muito frequente, de grande repercussão, e com graves alterações comportamentais, cognitivas, psicológicas e educacionais. Manifesta-se antes dos três anos de idade.
Fonte: DN
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