É essencial que a ciência na escola se aproxime da comunidade e ultrapasse a barreira das salas-de-aula, os conteúdos programáticos das disciplinas e a importância dos testes de avaliação. A ciência na escola é vista como uma atividade circunscrita às quatro paredes da sala-de-aula ou aos laboratórios. Por norma, os laboratórios são os locais destinados à componente prática da ciência. No contacto que fui tendo com alunos que terminaram o ensino secundário e com os seus pais, tenho constatado que, para eles, a ciência se resume à resolução de exercícios e à realização de algumas atividades laboratoriais, com pouco impacto na vida diária.
A extensão e a complexidade dos conteúdos programáticos limitam o aprofundamento dos temas previstos no currículo e dificultam a aprendizagem. Um currículo menos extenso tem a vantagem de libertar tempo para a sistematização dos conhecimentos e para a sua aplicação em situações do quotidiano dos alunos.
Os testes de avaliação não avaliam algumas aprendizagens. No entanto, são a principal fonte de preocupação da maioria dos alunos porque, normalmente, são os instrumentos de avaliação que têm maior peso. É frequente os alunos questionarem “ó professor, sai no teste?”. Se sai no teste, estão atentos; se não sai, desligam. Os testes levam a que os alunos tenham um estudo intermitente, provocando o esquecimento mais ou menos rápido dos conteúdos, como mostram os resultados dos testes-diagnóstico realizados no início de cada ano letivo.
A escola tem de mudar. Tem de valorizar menos os testes escritos, porque não desenvolvem o pensamento crítico e criativo dos alunos e não fomentam a sua participação ativa na vida pública (científica, política, económica, social e cultural). A abordagem aos conteúdos programáticos tem de motivar os alunos e aproximar a ciência da comunidade, mobilizando competências que permitam a tomada de decisões conscientes e a intervenção proativa num mundo em rápida transformação. A criação de clubes de ciências pode contribuir para a mudança.
Os clubes de ciências permitem aos alunos desenvolver projetos, aprofundar conhecimentos experimentais com aplicação na resolução de problemas da comunidade e promovem a criatividade, o espírito crítico e o empreendedorismo dos alunos. Um clube que promove projetos ligados à comunidade é o “Clube do Ensino Experimental das Ciências”, destinado a alunos do ensino secundário do Agrupamento de Escolas Dr. Júlio Martins, em Chaves. Neste clube foram desenvolvidos vários projetos com impacto na comunidade e custos muito reduzidos como, por exemplo, “Evitar os Incêndios em Portugal: uma contribuição pedagógica”, “Regar com a Humidade do Ar”, “Física e Química Experimental para os mais Pequenos” e “Ensinar e Aprender Física com Instrumentos Antigos”. O interesse dos alunos pelos projetos e pela aprendizagem ativa da ciência leva-os à escola, voluntariamente, às sextas-feiras à tarde e nas férias. As comunidades escolar e local e os media acolhem com agrado e admiração o trabalho realizado.
Alguns projetos foram desenvolvidos em articulação com a educação pré-escolar e o 1.º ciclo do ensino básico envolvendo, aproximadamente, 400 alunos por ano letivo. As atividades desenvolvidas permitiram obter vários prémios, melhorar significativamente as notas dos alunos nos exames nacionais e inspirar muitos alunos a seguirem carreiras científicas, estando alguns a trabalhar em empresas de topo mundial. Os alunos que não seguiram carreiras ligadas à área das ciências recordam, essencialmente, os conteúdos que abordaram nos projetos e nas atividades desenvolvidas no clube, bem como as competências transversais adquiridas e que utilizaram posteriormente. É com enorme satisfação que, após mais de uma década, encontro antigos alunos que se lembram pormenorizadamente dos projetos que desenvolveram.
Apesar dos benefícios dos clubes para o ensino das ciências, estes têm a limitação de não chegarem à totalidade dos alunos, pois são facultativos. Assim, na minha opinião, o grande desafio para a ciência na escola é mobilizar as boas práticas dos clubes para dentro da sala-de-aula, onde todos os alunos participem.
Se a ciência ultrapassar as barreiras da sala-de-aula, se não dermos tanta importância aos testes de avaliação, se os conteúdos forem abordados de forma a irem ao encontro dos interesses dos alunos e se a ciência na escola interagir com a comunidade, de certeza que teremos melhores resultados, aprendizagens mais duradouras e uma escola mais humanizada.
Jorge Teixeira
Vencedor do Global Teacher Prize Portugal 2018. Professor e coordenador do projeto “Clube do Ensino Experimental das Ciências” no Agrupamento de Escolas Dr. Júlio Martins.
Fonte: Observador
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