sábado, 4 de janeiro de 2014

Braille reinventou a escrita há 190 anos

O Dia Mundial do Braille é hoje assinalado na Biblioteca Nacional, pelas 10h, com o lançamento da edição para invisuais da obra "Dividadura - Portugal na crise do euro", de Francisco Louçã e Maria Aldegundes.

"A vitalidade do sistema Braille na era digital" é o mote da iniciativa que se vai debruçar sobre a influência dos meios tecnológicos no acesso à informação por invisuais e conta com a participação de Carlos Ferreira, António Pinão e Carlos Silveira.

"A percentagem reduzida da informação produzida em suporte Braille" é precisamente um dos maiores obstáculos à integração social dos invisuais em Portugal, identificado por Graça Gerardo, da direção nacional da Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO).

Ao nível do ensino, as mudanças mais urgentes são "uma formação docente que permita a abordagem ao braille de uma forma mais lúdica e de acordo com o escalão etário a que se dirige". As falhas nos recursos técnicos e humanos levam a que o número de horas dedicadas ao ensino seja "insuficiente" e a que os alunos sejam colocados em escolas de referência, obrigando-os a "extensas deslocações" que comprometem o seu sucesso escolar.

Muitos invisuais permanecem ainda sem acesso à aprendizagem desta técnica de leitura e escrita, facto lamentado por Graça Gerardo: "A educação de uma criança cega privada do Braille está comprometida. Seria o mesmo que tentar educar uma criança normovisual, sem lhe ensinar a ler ou a escrever, substituindo a leitura e a escrita pela passagem de informações orais".

No que respeita à informação nos bens de venda ao público, Graça Gerardo acredita que a ACAPO "assististe a um passo significativo com a publicação da Lei 33/2008 que prevê a rotulagem em Braille nas embalagens de produtos vendidos nas superfícies comerciais com mais de 300 m2". Apesar disso, o ideal para a responsável era a colocação destes rótulos na origem, cumprindo assim a sua "função universal", independentemente do sitio onde é vendido o produto.

Ao comparar o panorama português com o resto da Europa, a dirigente da ACAPO, diz não poder afirmar que estamos num bom caminho, mas sim num caminho semelhante ao dos restantes países.

Os censos de 2011 revelam que 19% da população portuguesa não consegue ou tem muita dificuldade em ver, podendo-se afirmar que mais de 27 mil cidadãos são cegos em Portugal.

De acordo com um estudo da ACAPO, para o qual entrevistaram 1325 pessoas com deficiência visual, 500 revelaram ser conhecedoras de Braille. O que corresponde a quase 40% da população com deficiência visual inquirida.

Prospetivas para a edição de livros

Graça Gerardo salienta uma campanha que tem sido desenvolvida nos últimos anos pela União Mundial de Cegos, na qual a ACAPO é a representante dos direitos e interesses dos portugueses, que tem alertado para "uma fome de livros", sendo que apenas uma ínfima parte das obras editadas é produzida em suportes acessíveis a pessoas com deficiência visual.

Apesar de não haver edição comercial de livros em braille em Portugal, existem vários catálogos pertencentes a bibliotecas especializadas com máquinas de impressão de relevo.

A Biblioteca Nacional de Portugal tem cerca de 2900 títulos e nove mil edições em braille, bem como versões de 50 periódicos portugueses e estrangeiros e quatro mil títulos de música clássica para canto e instrumentos.

O centro professor Albuquerque e Castro da Santa Casa da Misericórdia do Porto tem também um catálogo com cerca de 1500 obras, maioritariamente em língua portuguesa.

A "Mensagem" de Fernando Pessoa será possivelmente a primeira edição comercializada em braille, fruto do trabalho do jovem português Bruno Brites, que não tendo qualquer problema de visão, se especializou no código de leitura.

O designer ganhou o 1º prémio no 4º escalão das Olimpíadas de Braille promovido pela ACAPO (Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal) e realizou recentemente este projeto personalizado chamado "Mensagem em Braille" .

Uma sovela de dois gumes

Louis Braille feriu-se no olho esquerdo com uma sovela da oficina do pai, ficando cego aos três anos. O utensílio que protagonizou o acidente, foi também o instrumento rudimentar de uma descoberta que Louis daria a conhecer em 1824 - Braille - o sistema de leitura para cegos mais eficaz e simplificado até aos dias de hoje.

Dono de uma capacidade cognitiva excelente, o jovem Louis desde cedo demonstrou a interesse em desenvolver uma técnica que superasse os obstáculos à sua aprendizagem. Uma passagem do seu diário revela isso mesmo: "Se os meus olhos não me deixam obter informações sobre homens e eventos, sobre ideias e doutrinas, terei de encontrar uma outra forma".

O contacto com o trabalho de Valentin Hauy, fundador do Instituto Real de Jovens Cegos de Paris, escola que Louis frequentou, mostrou-lhe que era possível a leitura sem visão. A técnica desenvolvida por Hauy na primeira escola francesa para cegos, em Paris, baseava-se na impressão de letras em alto relevo num papel grosso. Numa época em que os cegos eram excluídos da vida social e julgados pelo senso comum como sendo "mau agoiro", este era um grande avanço. Mas faltava a escrita e uma forma mais prática de reconhecer letras.

Foi inspirado, em 1823, pela "escrita noturna" de Charles Barbier, conhecida hoje como sonografia, que Louis Braille abriu caminho para a comunicação táctil que traduz os fonemas em pontos. Este método, até então aplicado apenas no campo de batalha, consistia num código de forma retangular, com seis pontos verticais de extensão, que Braille reduziu posteriormente para três, e dois pontos horizontais de largura.

Este esquema de pontos, deferidos com um objeto cortante, como a sovela, chamou a atenção de Braille. Em 1824, com apenas 15 anos terminou a simplificação deste método, que foi inicialmente mal recebido e proibido em âmbito académico. Mas a restrição levou a que muitos o quisessem aprender em segredo, acabando por ser adotado em 1854, dois anos após a morte do seu mentor.

O braille na legislação

A constituição portuguesa engloba no Decreto-lei n.º 38/2004, a utilização do braille como forma de inclusão, no ponto 1 do artigo 43º: "O estado e as demais entidades públicas e privadas devem colocar à disposição da pessoa com deficiência, em formato acessível, designadamente em braille, carateres ampliados, áudio, língua gestual, ou registo informático adequado, informação sobre os serviços, recursos e benefícios que lhes são destinados".

A ACAPO encontra-se a proceder à atualização da Ortografia Braille para a Língua Portuguesa, em conjunto com o Instituto Nacional para a Reabilitação, que durante o ano de 2014 deverá ser publicada em decreto-lei.

In: Expresso por indicação de Livresco

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