Mário Cordeiro (Pediatra)
Cuidados na véspera do início das aulas?
O primeiro dia de aulas é sempre um acontecimento, mesmo que a criança já tenha frequentado um estabelecimento. Para lá das mudanças de sala de aula e até de escola, nesta idade as férias “varrem” o passado e a reentrada é sempre sentida como uma mudança de registo e quase como um iniciar das actividades escolares. Mesmo que a criança já tenha estado na escola, o primeiro dia tem de ser um marco importante e, por isso, deve acompanhar--se de um ritual de passagem e ser comemorado, para que a criança sinta que venceu mais uma etapa na sua vida, embora sem criar ansiedade. É bom os pais irem jantar fora para consagrar a solenidade do momento, realçando o quanto é bom estar na escola.
A adaptação demora quanto tempo?
Algumas crianças nem parecem dar por isso, outras choram e sentem-se desambientadas durante semanas ou até meses, sobretudo às segundas de manhã. A maioria, contudo, depois de uns dias de hesitação e algum choro na presença dos pais, adapta-se e passa a gostar de ir para a escola, encarando isso como algo natural. Tudo depende da escola, dos educadores, da família e, claro, da criança. A melhor maneira de avaliar a adaptação será ver se a criança gosta de ir para a escola e se, ao fim do dia, está contente. O sinal mais importante de que se está a adaptar bem é querer ir logo de manhã e não estar angustiada na altura em que a vão buscar (embora seja bom que gostem de ver os pais). Deixem-na gostar da escola, e digo isto porque há pais que sentem uns certos ciúmes das educadoras que, afinal, passam mais tempo com os filhos do que eles. Mas gostar da escola é um primeiro passo para gostarem de aprender.
Como facilitar a adaptação?
É bom que as crianças saibam quem vai ser a educadora, para que salas vão, que actividades vão fazer. Se é uma nova escola, convém tê-la visitado e ter conhecido já os profissionais, da cozinheira à directora. O diálogo entre pais e professores é essencial, pois a escola não é um “depósito”, e uma boa escola franqueia as portas aos pais, deixando liberdade para a sua intervenção – não para meter o nariz, mas sim para ajudar a contar histórias e outras actividades, de forma espontânea. O ritmo das férias é diferente no que toca a horários, tipo de alimentação, rotinas de sestas, etc. – convém reservar uma semana para uma transição gradual e lenta, em que pais e filhos se vão adaptando (sem stress) ao retomar do trabalho e da escola.
Que fazer se há choros na despedida?
Um dos momentos difíceis é a despedida. Não se pode prolongar demasiado, mas há que durar o suficiente para se dizer “adeus” explicitamente. Escapulir sem dizer nada pode criar desconfiança e incerteza. Se os pais têm de se ir embora, devem fazê-lo honestamente, mas isso não quer dizer estar horas com miminhos. É bom expressar os sentimentos: “Sei que gostavas que nós ficássemos e nós também gostávamos de ficar, mas não podemos.” E, igualmente, dar uma ideia de quando se voltarão a ver – “depois de dormires” ou “logo depois de veres os desenhos animados”. Quando se sai de ao pé de uma criança desta idade, é bom trocar algo que seja significativo... Dar um beijinho na mão do filho e fechá-la, e receber outro na nossa e fechá-la também, dizendo que temos ambos, ali, o testemunho do amor e a representação das duas pessoas que se afastam uma da outra, faz sentir segurança. Convém explicar (e explicar não é pedir autorização, com voz trémula!): “O pai agora vai sair, mas volta. Guarda o beijinho e quando nos virmos trocamos os beijinhos outra vez. Guarda-o bem para daqui a bocado. Vou ter saudades tuas. Vais ter saudades minhas?” Na hora do reencontro, a primeira coisa é perguntar, com cumplicidade e um sorriso: “Guardaste-o bem?”
Como lidar com birras antes da escola?
São birras que têm a ver com sono (a maioria das crianças está a dormir quando o despertador toca), com fome (a hipoglicemia de quem passou a noite sem comer), com o stress dos pais porque “o trânsito é quem mais ordena” e com a sensação, para a criança, de que já não está em casa mas ainda não está na escola, ou seja, uma situação de ambiguidade que acaba por causar angústia, stress e medo. É por isso que as crianças, já com os pais na escola, choram, mas se a despedida não for agónica (o que dará a certeza de que “os pais vão ali e já vêm”), mal os pais desaparecem as crianças calam-se e vão brincar. E quem fica a chorar são os pais, no carro! Tem de haver calma, firmeza e compreensão pelos sentimentos e doçura e amor. Sem isso, ou seja, com “comportamentos de quartel”, as coisas só pioram e as manhãs começam da forma mais desastrosa…
Maria de Jesus Candeias (Psicóloga infantil)
Entrar no 1.º ano do ensino básico pode provocar que tipo de stress?
Geralmente, as ansiedades estão associadas ao desconhecido. A escola é um mundo novo que assume proporções relevantes para as crianças, podendo elas até desenvolver fobia escolar ou recusa escolar (não querer ir à escola, vómitos, diarreia, etc.). Estes sintomas, muitas vezes, desaparecem ao fim do primeiro mês. A criança começa a adaptar-se e a ficar mais tranquila. Quando os sintomas se prolongam por mais de dois meses, é importante haver ajuda profissional. Muitas dessa ansiedades devem-se ao facto de as crianças terem de lidar com o desconhecido, mas também ao medo de se separarem dos pais e ficarem num meio em que não conhecem ninguém. Aquilo que os pais podem assegurar – e que é muito importante — é conversar com a criança e reforçar a ideia de que irão buscá-la ao fim do dia. No fundo, fazer o mesmo que já fizeram na creche. É muito importante que os pais sejam firmes e não cedam perante a vontade do filho de não querer ir à escola. Caso essa resistência e medos demorem muito tempo a passar, pode ser necessário os pais ficarem mais tempo para facilitar a transição até a criança começar a sentir a escola como um espaço seguro.
Como devem os pais equilibrar os tempos de estudo e de brincadeiras dos filhos?
A responsabilidade e a brincadeira é um equilíbrio a ser introduzido de forma gradual. Diria que, no 1.º ciclo, é muito mais importante brincar do que estudar. E, especificamente, no 1.º ano, em que a criança já tem de lidar com tantos desafios emocionais, penso que o mais importante é encontrar espaços para a brincadeira para que possam encarar a escola como uma experiência positiva. Brincar – não com a televisão – desenvolve muito a imaginação e é um meio importantíssimo para a criança aprender. O tempo que elas passam na escola será mais do que suficiente para aprenderem. Os hábitos de estudo devem ser introduzidos mais tarde, a partir do 3.º ano, meia hora por dia para fazer uma leitura, uma composição, definir um tempo e rotinas para o estudo. Mas, na minha opinião, nos 1.º e 2.º anos, nem deveriam existir deveres de casa.
Devem-se premiar as boas notas?
Penso que não se devem premiar as boas notas. Deve-se, sim, premiar o trabalho, o esforço e o empenho. Uma criança pode estudar e não ter boas notas, isso não significa que não tenha trabalhado. Por alguma razão não conseguiu ter sucesso, pode ter a ver com métodos de estudo, de organização, etc. Devemos premiar os comportamentos para a criança aprender o que é correcto. Deve-se valorizar o trabalho e, ao mesmo tempo, tentar perceber o que falhou para se conseguir corrigir.
Até que ponto devem os pais dar importância às queixas que os filhos fazem do professor?
É preciso estar muito atento. Não devemos desvalorizar, mas também não valorizar em excesso. Os pais devem ouvir e explorar os sinais que as crianças lançam. Não podem levar como verdadeiro tudo o que o filho diz (é preciso ter consciência de que as crianças também manipulam), mas é importante averiguar com cautela, falando com outros pais, observando, investigando outros sinais, recorrendo à associação de pais, etc. É importante também que os pais não denigram a imagem do professor perante o filho. Devem ter o cuidado de proteger sempre a imagem do professor na presença das crianças. O importante é explorar outras fontes e outros contextos para tentar perceber que fundamento têm essas queixas.
No caso de o aluno ter irmãos, é saudável comparar os desempenhos escolares entre eles?
Cada criança é única e, se há erros frequentes dos pais, é o de comparar desempenhos escolares entre irmãos. Temos de ter consciência que cada criança tem ritmos de aprendizagens diferentes. Uma criança, aos dez anos, pode ter muitas dificuldades na escola, e aos 12 ser um aluno brilhante. Fazer comparações só vai minimizar o que eles sentem e diminuir a auto-estima e a autoconfiança, podendo ter um efeito de desistência.
Há idade certa para ter telemóvel?
Antes dos 12 anos não faz sentido, porque acho que a criança não tem responsabilidade para poder usá-lo. Penso que dar um telemóvel a uma criança é mais uma necessidade dos pais de estarem ligados aos filhos em permanência. A partir da puberdade – e porque estamos numa época em que é difícil resistir a esses apelos – poderemos admitir que tenham um telemóvel.
Sónia Dinis e Nuno Silva (Psicóloga da educação e Professor do ensino básico e secundário)
Que cuidados a ter perante a transição do 1.º para o 2.º ciclo?
É importante olhar para esta etapa na perspectiva do desenvolvimento da criança. A entrada no 2º ciclo ocorre aos dez anos. Nessa idade, as crianças querem ser mais autónomas, preocupam-se mais com os amigos e procuram resolver problemas por si. Para tal, precisam de ter algum tipo de controlo sobre a sua realidade. Para que isso aconteça, pais e filhos podem: visitar a escola e os espaços (conhecer os nomes, os percursos, as rotinas, como se compram senhas, se há cartões electrónicos), descobrir o que a escola oferece (uma visita à página web) e folhear os manuais escolares (prepara o aluno para o aumento de disciplinas e de professores). Estas actividades ajudam a construir os elementos-chave para o sucesso: um ambiente seguro e positivo, em que a criança sinta que os outros a acarinham e se interessam por ela.
Como abordar os medos que as crianças têm durante a fase de transição destes ciclos de escolaridade?
Medos são emoções. Os sentimentos influenciam todas as áreas de desenvolvimento. O primeiro passo é aceitar a existência das emoções. Elas são demasiado importantes na nossa vida para serem desvalorizadas. Do que as crianças precisam é de serem escutadas e que se lhes faça perguntas sobre os receios que vão surgindo. O adulto pode ajudar a criança a sentir segurança se comunicar com a escola e com os professores, se conhecer e se informar sobre as condições existentes e alertar os agentes educativos quando algo não está bem. Se a escola não for um mundo estranho para os pais, também não o será para os filhos.
O que fazer para ajudar os filhos a organizar os tempos de estudo/lazer ?
Se as crianças fizerem uma revisão diária dos conteúdos das aulas do próprio dia (15 minutos por disciplina), estão a consolidar conhecimentos. Se o fizerem posteriormente, os benefícios serão menores. Portanto, não há nada como estabelecer um horário de estudo e ajudar os estudantes a cumpri-lo (ser exigente nesse sentido). Também é importante garantir condições para o estudo: o ambiente deve ser calmo (sem televisão ou ruídos) e ter os materiais adequados (luz, mesa e materiais didácticos necessários). No mesmo sentido, os pais devem perceber se as exigências de estudo são adequadas: quantos trabalhos de casa têm de ser feitos em simultâneo e qual a programação dos testes. Se detetarem problemas, não há nada como intervir junto da escola. No dia-a-dia das crianças e dos jovens tem de haver tempo para serem crianças e jovens.
Como motivar a criança para escola sem ser muito insistente?
Neste caso, conversar é agir. Mais do que os conselhos e as histórias, a conversa faz com que os jovens percebam que o tema do diálogo é importante. Essa mensagem e a empatia que se cria têm consequências profundas na motivação, autonomia e orientação dos estudantes: estes passam a saber o que é importante aos olhos dos pais directamente, sem suposições ou mitos. E ficam mais predispostos a agir em função das expectativas que conhecem. Há um provérbio sul-africano que diz: “Uma pessoa é uma pessoa por causa das outras pessoas.” Estas expectativas são um importante preditor de sucesso escolar e do ajustamento social. Outro ponto importante é ajudar os estudantes a estabelecer objectivos. Quem sabe para onde vai, sabe o que tem de fazer e, por isso, foca a sua energia nas tarefas.
Como podem os pais abordar com os filhos os assuntos relacionados com estudos, conflitos com os colegas, ansiedades?
As estratégias que referimos anteriormente contribuem para a gestão da vida escolar dos estudantes. Há, contudo, um outro ponto importante: os pais devem estar envolvidos. Actualmente, as associações de pais são bons mecanismos para intervir junto da escola e um bom fórum para melhorar a situação dos estudantes. Se forem locais onde os pais actuam, comunicam e intervêm, as escolas transformam-se nos ambientes seguros e positivos de que falámos. Todos os alunos beneficiam dessa acção. Por isso, vale a pena actuar, investir e intervir. Quanto mais cedo, melhor.
Jorge Humberto Costa (Psicólogo Escolar)
Como conversar com os filhos sobre assuntos da escola, respeitando o espaço de privacidade do adolescente?
A escola é o lugar onde o aluno passa mais tempo e onde ocorre todo o tipo de interações, positivas e negativas. A família, no entanto, costuma ser o principal veículo de transmissão de educação e é também no seio desta que se devem abordar todos os temas, na base das atitudes, crenças e valores pessoais do adolescente. Desta forma, todos os assuntos devem ser abordados desde cedo, deixando ao adolescente a iniciativa da sua abordagem. As conversas não devem estar centradas na crítica e/ou juízos de valor ou ameaças, mas numa base de confiança e numa atitude de respeito pelos sentimentos e pensamentos do adolescente e também numa postura de diálogo e assertividade, para que ele sinta que é na família, como um porto de abrigo, que pode dialogar sobre todos os assuntos.
Como abordar os temas sensíveis, tais como tabaco, droga e sexo?
Estes assuntos podem causar dificuldades e barreiras de comunicação, devido aos diferentes pontos de vista e conflitos geracionais. Faz parte do adolescente correr riscos e estes temas são também riscos para eles. Contudo, podemos e devemos abordá-los de forma aberta e assertiva e sem juízos de valor, em que, sem ser por ordem de importância (pois todos são importantes) deve: haver disponibilidade para o diálogo; não existir inibição de qualquer tipo de afecto; acompanhar a vida do filho, desde a infância até à fase mais adulta; procurar conhecer a rede de amizades do filho, tentando compreender o seu funcionamento; definir regras adequadas e claras, etc.
De que forma é que os pais podem conhecer os amigos dos filhos?
Os pais devem conhecer a rede de suporte social dos filhos. Entendendo esta rede, entenderá melhor o funcionamento do adolescente. A adolescência é uma fase em que o jovem sai do seio familiar e se volta para o grupo de amigos. Deve existir e estar aberto um canal de comunicação e deve ser aproveitada a convivência com eles. A crítica aos amigos só irá afastar o adolescente dos pais e aumentar a vontade de os contrariar. Uma dica a aproveitar é fazer que os amigos frequentem a casa, almocem ou jantem com a família, possam passar um fim-de-semana.
O que podem fazer os pais no caso de não gostarem dos amigos dos filhos?
Os amigos, quer sejam boas ou más companhias, fazem parte da vida dos filhos. O facto de não gostarem dos amigos dos filhos leva a que sejam, muitas vezes, feitas críticas negativas, aumentando o mal-estar geracional pais/filhos. Se tiver a certeza absoluta de que estas amizades são prejudiciais, os pais devem sentar-se com os filhos, expressar as preocupações e reforçá-las. Se tal não funcionar, deverão procurar a ajuda de um profissional. Por vezes, estas más companhias são um veículo de maior aceitação social (desajustada) do filho e promotora de visibilidade e status social.
Perante a resistência a aplicarem-se nos estudos, que atitudes podem os pais tomar?
O estudo é uma actividade que requer método, muitas vezes contrabalançado com uma forte resistência dos adolescentes a estudar, pois existem focos de interesse maiores e mais apaixonantes do que meramente estudar. Contudo, é importante os pais criarem com os filhos, desde cedo, a norma do estudo, isto é, definir condições e horários, para que a resistência influencie o menos possível. No entanto, é importante respeitar os ritmos e as necessidades do adolescente, para que este perceba quem é e para onde vai e que os seus sonhos só serão atingidos com o seu sucesso educativo.
Qual a melhor altura (idade) para começar a pensar na profissão?
Este é um tema muito controverso e oscilante. Acredito que a altura ideal é o 9.º ano e/ou cerca dos 15 anos. A vocação pode não estar presente no aluno, por isso deverá haver um trabalho de base e continuado, de forma a levar o aluno, no final do 3.º ciclo, a reflectir continuamente sobre aquele que vai ser o seu percurso escolar e que vai ter um peso crucial na sua vida pessoal e profissional. Neste processo, os alunos devem reflectir acerca do seu “eu”, acerca de valores e atitudes. Este processo levará a que o adolescente, ao ter uma escolha correcta, seja um adulto feliz e bem-sucedido.