quinta-feira, 28 de junho de 2012

Currículo específico individual: preocupações e angústias de uma mãe

Uma mãe, cujo filho apresente um diagnóstico de espetro do autismo e um atraso no desenvolvimento, é confrontada com a proposta de alteração de medidas educativas, mais concretamente para um currículo específico individual (CEI) de acordo com o artigo 21º do Decreto-lei n.º 3/2008. Perante esta situação, com a qual não concorda, escreveu o seguinte texto, trespassado de sentimentos de preocupação, angústia, dúvidas...



Hoje é um dia particularmente triste.

Tento conter as minhas lágrimas, mas em vão.
Tenho dentro de mim a pior das sensações como mãe: em causa todas as minhas decisões tomadas até hoje!

Reunião de avaliação das 8:10 até 11:30 da manhã.
Uma reunião cheia de palavras emotivas, agressivas e por vezes com sentimento insultuoso.

“- Sou a única mãe que levanta problemas nas decisões que é proposto pela ‘equipa’!”

Sem dúvida que era mais fácil tomar a decisão de aceitar e permitir a sinalização do João com o artº 21 – CEI
Mas o que pretendo na minha vida, no futuro do João não é facilitismo. Só queria somente que acreditassem como eu, pois é visível todo o seu desenvolvimento. O que é preciso mais o João provar que é capaz? Só eu é que vejo isso?

Como mãe não quero nem posso tomar decisões tão definitivas que se refletem na vida futura do João e de uma forma irreversível. É uma decisão que ficará marcado na sua vida para sempre!

Podemos ser um pouco realistas?
Estamos a falar de uma criança com um diagnóstico Espetro do autismo e um atraso no desenvolvimento. Não é um diagnóstico de Síndrome de Rett, Trissomia 21; não é uma criança com multideficiências!

Sou posta em causa por acreditar no João, por querer dar uma oportunidade?

Conclusão: o João não foi retido, parece que não se fazem retenções no 3º ano. É considerado um ano de transição. Portanto tomei a decisão errada ao não concordar com a sua retenção no 2º ano. O João transita para o 4º ano, sem saber ler nem escrever. Como é possível uma criança se encontrar no 4º ano sem saber ler nem escrever. Como se justifica este desfasamento se este menino não se encontra sinalizado com o CEI? Para salvaguardar, vem uma nota na sua avaliação que o encarregado de educação se recusou DESDE o 2º ano a sua retenção. E o 3º ano? Não se fazem retenções? Mas claro, sou somente uma mãe que levanta problemas e não aceita o que é proposto, sendo passada para mim toda a responsabilidade desta situação. Afinal a minha experiência neste assunto são somente 9 anos, de convívio com o meu filho! O que é isso comparado com a experiência de alguém especializado nesta área há 20 anos? Na verdade, pensei que independentemente dos anos de experiência, cada caso é um caso e que todos são diferentes. Como ando enganada e errada!

Com este post posso estar a ferir suscetibilidades… não é essa a minha intenção.
Só gostava de encontrar respostas, não de uma forma legislativa, mas de uma forma humana!

Sinto-me encostada à parede…

Solução?
Sinalizar o João com o CEI… transitar todos os anos e ser mais um… mais um menino que no fim receberá o seu Certificado de frequência e não o seu Certificado de Habilitações.

No 5º ano os professores não se vão dar ao trabalho de fazer um programa especial para o João. Darem-se ao trabalho de adaptar os seus testes às suas capacidades cognitivas.

Tento informar-me ao máximo sobre como tudo isto funciona, que me mostre a luz ao fundo do túnel, que não me permita arrepender de uma decisão tomada que afetará todo o seu futuro. Mas continuo uma leiga no assunto e questiono tidas as minhas decisões tomadas até hoje.

Como posso conseguir que o João aprenda a ler e a escrever com autonomia, durante o período de férias escolares? Sei que não é só isso, mas… é um passo…

SINTO-ME ENCURRALADA!
É esta a solução para o João?

As lágrimas persistem em cair! Tento segurá-las e ser forte para sorrir. Mas elas caem porque o meu coração não aguenta mais chorar!

Li um caso na net:
“-(…) existem cursos práticos (ex: serviço de mesa, atendimento telefónico, jardinagem e espaços verdes...), penso que pode ser uma boa solução a inclusão destes alunos (…)”

O João não se identifica em nenhuma destas áreas práticas?! E fotografia? E dança? E como são estas saídas a nível profissional com somente um Certificado de Frequência?

Sinto um desespero que aperta o meu coração, encurralada… com uma faca espetada nas costas… SINTO-ME TRAÍDA!

“-Mamã Sofia, não desistas! Mesmo que pareça que não há mais nada a fazer… a todo o momento tudo pode mudar para quem não desiste!!! Quando se fecha uma porta, há sempre uma janela que se abre…”

Mas a verdade é que o tempo passa e é cada vez mais curto!
Seremos NÓS mais fortes que o tempo?

Sofia

Retirado do blog Partilhar Ombro Amigo



9 comentários:

Mãe Sisa disse...

Olá João
Sinto-me um pouco como a Sofia...
Sabe dizer-me se se pode voltar atrás em relação ao CEI?
Se um aluno tiver o CEI num ano do 1º ciclo e se atingir todos os objectivos (e mais alguns), no ano seguinte pode ser-lhe retirado o CEI?
Obrigada

João Adelino Santos disse...

Olá Sisa
O currículo específico individual (CEI) pressupõe alterações significativas ao currículo comum e é a medida educativa mais restritiva que existe, no âmbito da educação especial. Tomando por referência esta situação, à partida, parece-me quase impossível reverter essa medida, pois, teoricamente, o aluno não acompanhou nem desenvolveu os conteúdos e os objetivos do currículo comum! Por esse motivo, os alunos com CEI não realizam os exames nacionais, necessários à progressão normal.
No entanto, e considerando que o caso relatado se refere ao 1º ciclo do ensino básico, se o aluno, de facto, conseguiu ou consegue atingir os objetivos do currículo comum, a medida de CEI está desajustada do perfil de funcionalidade. Nessa situação, penso que poderá ser possível, desde que bem fundamentado, reverter e reajustar as medidas educativas. Convém que seja antes do final do 4º ano para que o aluno em causa possa realizar os exames nacionais e, assim, entrar no percurso normal.
Realço que, a acontecer, a alteração deverá ser muito bem fundamentada!
Embora a legislação não o refira objetivamente, em teoria, parece-me muito complicado reverter a medida de CEI.

Mãe Sisa disse...

Obrigada João.
Já li e reli o DL 3/2008 e relamente é omisso em relação à reversibilidade da situação, mas isso é um "pau de 2 bicos" e depende semptre de quem interpreta e principalmente de quem está (ou não!) para ter algum trabalho com os alunos...

Sara Neves disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Sara Neves disse...

Para a mãe do João...

o currículo específico individual é a medida mais restritiva e aquela que deve ser alvo de uma maior ponderação pois, como referiu, no final da escolaridade o João terá acesso a um certificado de frequência da escolaridade, agora até aos 18 anos. Contudo, o que na minha opinião deverá ser ponderado é a adequabilidade das medidas que, até ao momento, têm sido postas em prática. O João está já a ser alvo de um CEI? Se sim, por que razão surgiu esta medida? Implementaram todas as outras? E as adequações no processo de matrícula, foram acionadas? Na minha opinião, se o João consegue fazer algumas aquisições do 1.º ciclo, embora levando mais tempo, por que não estruturar um ano em dois: o João podia treinar áreas relacionadas com a leitura, a escrita e o cálculo e outras competências específicas (comunicação alternativa, tecnologias, psicomotricidade). Assim, ganhava uma maior autonomia e competências que o poderiam levar a frequentar o ciclo de estudos seguinte. Com 15anos poderá ingressar num curso de educação e formação - jardinagem, por exemplo e concluir a sua formação, numa via mais profissionalizante.

Com um CEI também poderá fazer uma transição para a vida pós-escolar, mas no final da escolaridade não terá o mesmo tipo de certificação.

A escola terá de ponderar muito bem as potencialidades deste aluno, em detrimento das dificuldades!

Mãe Sisa disse...

Obrigada Sara Neves.
A medida não se prende com as capacidades cognitivas do meu filho, mas (principalmente) por causa da forçada abstenção dele por motivos de saúde...
Por isso eu não sinto que seja uma decisão pacífica - sabendo que ele não tem dificuldade na leitura/escrita (já é utilizador de comunicação aumentativa e alternativa!) e só para não "chumbar" por faltas ter esta medida...
Não sei se ele terá saúde que lhe permita viver muitos anos. Provavelmente não. Mas, se tiver o suficiente para seguir os estudos?... E se nessa altura for tarde demais por causa de uma medida tomada precocemente?!?

Sara Neves disse...

Considerando o perfil que descreve, então por que não equacionar mesmo as adequações no processo de matrícula. Com esta medida é garantido o acompanhamento do currículo comum, embora com a possibilidade de usufruir de mais tempo para treino e reforço de competências.
É apenas uma sugestão.
Um CEI é uma medida muito restritiva que fecha muitas portas (no futuro)!

João Adelino Santos disse...

Olá
Concordo com os comentários da Sara Neves. Realço, apenas, que se no PEI, no campo destinado ao nível de participação do aluno nas atividades educativas da escola, estiverem consagradas as ausências por questões de saúde ou apoios, apesar do aluno se ausentar das atividades letivas, essas "faltas" estão justificadas!
O PEI, neste caso, serve de normativo aplicável ao aluno!

Mamã Sofia disse...

Fui eu que escrevi..
e agora coloco esta questão:
gostaria de colocar uma questão, que se possivel enviar-me a resposta por mail spaco@sapo.pt
Sinto-me completamente perdida.
Constatei que o joão estando sinalizado como um menino com NEE acabou por ser prejudicado. Sempre pretendi que o joão frequentasse a sala de aula normal com apoio educativo especial através da unidade de ensino especial que existe ne escola. O que constatei (muito tarde, infelizmente) o João beneficia desse apoio na sala de aula durante 1 hora com educadora ensino especial mas as restantes horas na escola são passados a olhar para a professora e para o qual ele não entende nada. O joão tem 9 anos, não sabe ler nem escrever (somente algumas palavras) e está no 4º ano! como é isto possivel? uma criança 'normal' não aprende a escrever nem a ler com 1 hora de ensino por dia! Muito menos o joão. A educadora ensino especial deixa fichas para o joão fazer para o resto do dia... isto é normal? sinto que estão a empurrar-me para uma sinalização de CEI, que o joão perdeu 3 anos de vida escolar, que no caso dele são valiosas!
O que acha que posso fazer?
Já pensei em contratar uma professora ao fim de semana, pois não me sinto capaz de fazer o papel de educadora para ensinar o joão a nivel cognitivo...
http://partilharombroamigo.blogspot.com