A partir do blog Educação do Meu Umbigo, do colega Paulo Guinote, tive conhecimento da reação da responsável do Ministério da Educação e Cultura pela Educação Especial à polémica relacionada com a realização das provas de exame pelos alunos com necessidades educativas especiais. A entrevista a esta responsável merece o seguinte notícia na página da TSF:
A responsável pelo serviço de Educação Especial do Ministério da Educação entende que os alunos com dificuldades cognitivas que frequentam o currículo comum têm de «prestar contas pela aprendizagem desse currículo comum».
«Há metas definidas e metas intermédias durante o ano. Face à presença de provas de aferição ou de exames nacionais há todo um conjunto de adequações e acomodações que podem ser mobilizadas para que os alunos realizem as provas», explicou Filomena Pereira.
Esta responsável do Ministério da Educação, que lembra que as escolas têm autonomia quanto ao currículo que os alunos seguem, acrescenta que estes alunos podem assim «evidenciar aquilo que sabem e as aprendizagens que fizeram e não as suas incapacidades».
Sobre os casos de crianças com trissomia 21, Filomena Pereira diz que cada caso é um caso pois ter-se esta doença «não significa que tenham todas as mesmas necessidades e limitações».
«É evidente que se no âmbito da matemática for exigido raciocínios altamente abstratos isso é uma capacidade que as pessoas com deficiência mental não têm», acrescentou Filomena Pereira, que lembra que cabe à escola definir se um aluno pode ou não cumprir o currículo comum.
Numa primeira análise, pode transparecer a ideia de que a responsável não conhece muito bem o funcionamento das medidas educativas preconizadas pela educação especial.
Naturalmente, os alunos com necessidades educativas especiais, com dificuldades cognitivas mas que frequentam o currículo comum, ainda que beneficiem das medidas de adequações curriculares individuais e adequações no processo de avaliação, devem prestar contas pela aprendizagem do currículo. A questão coloca-se na forma como devem prestar contas. É paradoxal que, ao longo do percurso educativo, os alunos beneficiem de determinadas medidas educativas e, perante as provas de exames, estas sejam completamente postas de parte, alterando as circunstâncias e os modelos de avaliação personalizados.
Refere a responsável do Ministério da Educação e Cultura pela Educação Especial que "Face à presença de provas de aferição ou de exames nacionais há todo um conjunto de adequações e acomodações que podem ser mobilizadas para que os alunos realizem as provas". Para além de algumas condições de realização, como, por exemplo, realizarem a prova em sala à parte, esta afirmação constitui uma falácia na medida em que os exames nacionais são iguais para todos, elaborados para o aluno padrão, enquanto que os exames a nível de escola equivalentes aos nacionais permitem avaliar o currículo comum mas de forma individualizada, pela adequação das condições e dos instrumentos ao perfil de funcionalidade do aluno em causa.
Convém relembrar que, no ano letivo anterior, os alunos com necessidades educativas especiais dos 4º e 6º anos, não contemplando aqui os que tinham currículo específico individual, que não reunissem condições para a realização das provas de aferição, poderiam não os realizar, mediante a elaboração de uma proposta devidamente fundamentada. Esta situação aplicava-se,por exemplo, aos alunos que apresentassem limitações significativas ao nível da actividade e participação resultantes em dificuldades graves e acentuadas na aquisição de aprendizagens e competências do 1.º ou do 2.º ciclo, nomeadamente, no desenvolvimento de competências específicas no domínio da leitura e da expressão escrita.
Refere, ainda, que "cabe à escola definir se um aluno pode ou não cumprir o currículo comum." De facto, compete à escola essa tarefa. Mas também compete à escola definir um conjunto de medidas, estratégias, adequações e recursos que fomentem e proporcionem o acesso ao sucesso dos alunos com necessidades educativas especiais. No entanto, o Ministério da Educação e Ciência, com esta postura de rigidez e de alguma desumanização, incongruente com as orientações e os princípios da educação especial, está a contribuir para o fomento do insucesso escolar destes alunos e ou para o aumento de alteração das medidas educativas, passando para medidas mais restritivas.
O não cumprimento do currículo comum implica necessariamente a definição de um currículo específico individual. Trata-se de uma medida restritiva, com implicações marcantes no futuro dos alunos.
Em conclusão, na minha perspetiva, estas posições ministeriais configuram-se como um retrocesso no processo de desenvolvimento da educação inclusiva.