quinta-feira, 30 de julho de 2009

Educação especial: quatro anos depois

Chegados que quase estamos ao fim desta legislatura, parece-me crucial fazer um balanço do estado da arte da educação especial no que concerne ao atendimento dos alunos com necessidades educativas especiais (NEE).
Iniciando o percurso em 2005, ano em que os portugueses depositaram uma confiança maioritária no Governo agora quase em fim de funções, adivinhava-se uma política de consenso, muito voltada para a consolidação do movimento da inclusão, da defesa dos direitos dos alunos com NEE, portanto, tendo como resultado uma reavaliação e reestruturação concertadas dos serviços de educação especial. E se, até finais de 2007, as expectativas se mantinham altas, pelo menos parecia ver--se uma luz ao fundo do túnel com a extinção das equipas de coordenação de educação especial criadas ao abrigo do Despacho Conjunto 105/97, substituindo-as pela muito mais sensata coordenação dos serviços de educação especial a nível das escolas e/ou agrupamentos, em Janeiro de 2008 explodiu a bomba.
No dia 7 de Janeiro de 2008 foi publicado o Decreto-Lei n.º 3, cujo preceituado veio abalar os direitos e os interesses dos alunos com NEE e de suas famílias. Este decreto-lei começa pela irresponsabilidade de sugerir que a prevalência de alunos com NEE é de 1,8%, deixando os especialistas boquiabertos, e, mais grave, atirando para as teias do insucesso a maioria dos alunos com NEE. Preconiza a obrigatoriedade do uso de uma classificação, a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (vulgo CIF), inventada por médicos que nem sequer a utilizam, para determinar a elegibilidade dos alunos com possíveis NEE para os serviços de educação especial, sem que a investigação fidedigna aconselhe o seu uso em educação, evidenciando uma arrogância que o poder só permite a quem nunca esteve preparado para o exercer. Passa pela trapalhada da criação de escolas de referência e unidades de ensino estruturado, a obrigar tantos alunos com NEE a frequentarem o que anteriormente era designado por "escolas" e "classes especiais" (agora com encadernação inclusiva) e, por conseguinte, a desrespeitar-se o direito de muitos deles virem a usufruir da frequência de uma "classe regular", onde poderiam e deveriam estar inseridos. Finalmente, estabelece uma grande confusão quanto ao acesso a recursos por parte das escolas e/ou agrupamentos e das famílias, deixando muitos alunos com NEE coarctados de serviços especializados. Enfim, parece caminhar-se para a aniquilação dos já debilitados serviços de educação especial.
E, como isso não bastasse, ainda se procurou dar cabo da formação de professores, especialmente no que diz respeito à formação inicial e à especializada, uma vez que a contínua mais parece uma miragem na vida dos docentes, condenados (juntamente com os alunos) a "prisão escolar" por ordem de um trio de sábias cabeças cujas decisões ao longo destes quatro anos têm deixado transparecer erudição, aliás louvada por centenas de milhares de professores que propositadamente se deslocaram a Lisboa para os aplaudir.
Quanto à formação inicial, a legislação que diz respeito à habilitação profissional, criada por este ministério, aboliu a obrigatoriedade de os cursos de ensino contemplarem nos seus planos de estudo pelo menos uma disciplina que visasse a área da educação especial, contrariamente ao que se está a passar na maioria dos países do mundo ocidental. Com a implementação do movimento da inclusão, outra coisa não seria de esperar, a não ser neste nosso Portugal onde, cada vez mais, os professores do ensino regular estão menos preparados para responder às necessidades dos alunos com NEE que têm nas suas salas de aula.
Quanto à formação especializada, nada de novo no Lusitano Reino. Aconteceu "Bolonha", com os seus ciclos, e as entidades formadoras de ensino superior continuam à deriva, sem saberem para onde nortear o leme.
Não fora a falta de espaço, haveria muitas mais maleitas para referir que levaram a educação especial ao caos em que hoje se encontra, ficando este triste espectáculo a dever-se à actuação da Secretaria de Estado da Educação, regida pela batuta do seu douto secretário.
(Embora não tenha conseguido identificar o autor, penso que o artigo pertence a Luís Miranda Correia, publicado no DN de 30 de Julho de 2009)

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