quinta-feira, 1 de maio de 2025

O que é que fizeste no apagão? “Falei com o meu irmão”

Uma professora chega à escola na terça-feira e pergunta à turma qualquer coisa como isto: “Então, e o apagão?”

Um aluno diz que passou tempo a conversar com o irmão.

Outro diz que passou o final da tarde a jogar à bola com outros miúdos num campo de futebol lá do bairro que costuma estar sempre vazio mas que, na segunda-feira, acolheu quem não tinha grande coisa para fazer.

Outro foi com os pais para a beira do rio fazer um piquenique.

E vários ouviram rádio! Tudo coisas aparentemente excepcionais, dignas de serem contadas por adolescentes que nunca tinham vivido um dia sem energia eléctrica.

Claro que também houve crianças a ressacar ao passarem horas sem telemóvel, nem redes sociais, nem computador, porque as baterias morreram e os ecrãs não lhes entregaram os estímulos habituais, diz a professora. “Mas a sensação que tive… é que muitos gostaram do apagão.” Porque fizeram coisas que, na verdade, lhes deram gozo: conversar e jogar à bola na rua com os vizinhos, por exemplo.

Que foi um evento muito grave, ninguém contesta. Houve hospitais a accionar gabinetes de crise, a funcionar à custa de geradores que precisavam de combustível e que era preciso garantir sem saber por quantas horas mais; intervenções cirúrgicas e consultas adiadas; farmácias que fecharam; caos nos aeroportos; falhas no abastecimento de água em algumas zonas; filas para as bombas de gasolina; corrida aos supermercados; telefones a falhar e alguma ansiedade, claro.

Que tudo poderia ter tido consequências muito mais graves é também assumido por todos. Tal como é consensual que é preciso apurar de forma rigorosa o que aconteceu, porquê, como reagiram as infraestruturas e os diferentes serviços essenciais em Portugal. E melhorar a reacção a outras possíveis situações extremas como esta.

Ainda assim, não faltou quem achasse que esta segunda-feira também lhe trouxe uma sensação algo desconhecida (ou simplesmente vagamente esquecida, tudo depende das gerações) que lhe soube bem: a acalmia do fluxo contínuo de mensagens, emails, telefonemas, notificações, posts e ecrãs a brilhar. Num dia de semana.

E houve também quem se lembrasse da pandemia e da solidariedade entre desconhecidos que, em tantas situações, ela despertou, quando deu consigo a ir à mercearia e a levar mantimentos para casa sem pagar, com o merceeiro a dizer “volte e pague quando o Multibanco ressuscitar”.

As escolas reagiram globalmente bem. Ainda foi possível em muitos casos servir os almoços nas cantinas e muitas aulas não foram interrompidas, explicava à hora de almoço de segunda-feira Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (com todos os professores com quem falei durante o apagão as comunicações foram feitas por WhatsApp, porque de outra forma era quase impossível, e foi também assim que muitos falaram com os pais dos seus alunos).

“Para já, mesmo sem energia, as aulas estão a decorrer… com alguma normalidade!! No caso da minha escola e como está tudo informatizado e usamos smartboards em todas as salas… está muito difícil. Mas estamos a trabalhar. Felizmente temos um dia com muita luz”, escrevia-me Manuel Pereira, director do Agrupamento de Escolas General Serpa Pinto de Cinfães e presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares.

Na Escola Secundária Eça de Queirós, Póvoa de Varzim, o cenário era semelhante: "Estamos a funcionar condicionados pela falta de electricidade: aulas à moda antiga, serviços administrativos e de direcção de turma a trabalhar apenas com papéis", contava mais ou menos à mesma hora o director José Eduardo Lemos.

Numa das três comunicações enviadas às escolas por causa do apagão, o Ministério da Educação fez saber que os alunos do pré-escolar e 1.º ciclo deveriam permanecer nos estabelecimentos até que os seus encarregados de educação os fossem buscar (ou até à hora dos transportes escolares). Em relação aos restantes níveis de ensino, a decisão de fechar ou continuar a dar aulas, ainda que na penumbra, ficava nas mãos das direcções dos estabelecimentos. E assim foi.

Há quem considere que houve excesso de autonomia. E que as escolas deviam ter fechado por questões de segurança. E quem defenda que não, que a escola era, na incerteza daquelas horas que passavam sem luz eléctrica à vista, um porto seguro. Seja como for, durante a tarde, muitas aulas ficaram mesmo por dar. Mas não há registo de problemas maiores.

Na terça-feira a vida devidamente iluminada foi retomada. Em Espanha, muitas escolas abriram sem aulas. Em Portugal, um comunicado emitido antes das sete da manhã pelo ministério esclarecia que “atendendo à reposição de energia eléctrica e de fornecimento de água em todo o país durante a noite” a ordem era para abrir.

A professora com quem começámos esta newsletter deu com ela a pensar, depois de ver o comportamento dos miúdos e de ouvir as suas histórias, que o impacto do "desligamento das redes nos jovens é mesmo para reflexão”.

A propósito, alguns dados do estudo do Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências (ICAD), acabadinho de publicar: numa amostra de 11.083 alunos entre os 13 e os 18 anos de 1992 escolas do ensino público de todo o país, a grande maioria dos inquiridos jogou jogos electrónicos no último mês (79%).

A percentagem de alunos que nos últimos sete dias jogou numa base diária ou quase diária – isto é, em quatro ou mais dias da última semana – é de 39%. O estudo completo está aqui.

Dados de outra análise, também do ICAD, mas só com jovens de 18 anos, revelam que 61% usam a Internet durante quatro horas ou mais por dia, sendo que 40% usam durante cinco horas ou mais. E que 41% dos jovens iniciaram a utilização da Internet quando ainda não tinham feito os dez anos.

Andreia Sanches


Fonte: Newsletter do Público recebida por correio eletrónico

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