O desempenho dos alunos portugueses no que toca à criatividade é superior à média da OCDE — apesar de a diferença ser de apenas um ponto — e o destaque vai para as tarefas de expressão visual, mas também para a resolução de problemas sociais e científicos de forma criativa. Os dados constam do relatório PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), desenvolvido pela OCDE. É a primeira vez que este domínio é analisado e as principais conclusões mostram que as raparigas têm um pensamento mais criativo, assim como alunos que se inserem em contextos socio-económicos mais favorecidos. A maioria dos estudantes dos países da OCDE dizem sentir-se incentivados pelos professores a ser originais e criativos.
Em Portugal, o desempenho no que toca ao pensamento criativo foi de 34 pontos, mais um do que a média da OCDE. Segundo o relatório, vários sistemas educativos asseguram com êxito que a maioria dos alunos tem “um nível básico de proficiência em pensamento criativo”. Portugal, contudo, registou um “desempenho elevado” em comparação com a média, num grupo em que também estão a Coreia do Sul, Estónia, Finlândia, Bélgica, Polónia e Singapura.
Os dados constam do volume III do relatório PISA de 2022, intitulado “Creative Minds, Creative Schools”. Pela primeira vez, foram avaliadas as competências de pensamento criativo dos estudantes de 15 anos (idade correspondente ao fim da escolaridade obrigatória em muitos dos países participantes), sendo analisada a capacidade de participar na criação, avaliação e aperfeiçoamento de ideias. Os primeiros volumes do relatório de 2022 já foram divulgados, mas chegou agora a vez dos dados correspondentes ao pensamento criativo. Em 2022, o estudo contou com a participação de 81 países (e um universo de 690 mil estudantes) em representação de 29 milhões de alunos. Contudo, neste novo domínio participaram 66 países. Em Portugal, em 2022, participaram 6.793 alunos de 224 escolas.
De acordo com o relatório de quase 300 páginas, os estudantes portugueses destacaram-se na realização de tarefas de expressão visual: 41,4% dos estudantes foram bem sucedidos (face à média de 32,2% dos restantes países). Portugal foi, aliás, o país que registou a percentagem de sucesso mais elevada nesta componente. No que toca à expressão escrita, o sucesso dos alunos portugueses em termos de pensamento criativo foi de 49,8%. Apesar de o valor superar a expressão visual, situa-se abaixo da médica da OCDE, que é de 50,3%. No topo da tabela nesta categoria está Singapura, com 66,2% de alunos bem sucedidos nesta avaliação.
No que toca a tarefas de resolução de problemas sociais e científicos, os estudantes portugueses voltam a superar a média. Dos alunos avaliados, 41,5% foram bem sucedidos a resolver os primeiros e 36,7% foram bem sucedidos a resolver os segundos. A média da OCDE é de 39% e 32,2%, respetivamente.
Portugal: professores encorajam à originalidade e há tempo para ser criativo
De acordo com o relatório PISA, 76,1% dos alunos portugueses que participaram no estudo dizem ser encorajados pelos professores a ser originais nas respostas (valor que cai para 63,7% quando nos focamos na média da OCDE). Além disso, 79% dos estudantes consideram que a escola lhes dá oportunidade para expressarem as suas ideias (mais 9,7 pontos percentuais face à média).
Mais: 70,9% dos alunos portugueses dizem ter tempo para apresentar soluções criativas para resolver os problemas que lhes são apresentados nas tarefas e 79,6% reconhecem mesmo que os docentes valorizam a criatividade. Estes dois valores superam, uma vez mais, a média da OCDE, respetivamente em 8,4 e 9,5 pontos.
Os valores neste domínio não desanimam. De acordo com o relatório, a maioria dos estudantes relata que os professores incentivam e encorajam o pensamento criativo. Os valores mais baixos registam-se na Áustria e Polónia, onde menos de 50% dos alunos que participaram no estudo dizem ser incentivados pelos professores a apresentar soluções originais.
O top três de principais desafios à integração do pensamento criativo na educação são o facto de o programa ser demasiado pesado, o facto de não existir uma avaliação com foco na criatividade e o facto os professores não serem formados (nem terem os recursos necessários) para desenvolver a criatividade dos estudantes.
Segundo o relatório, docentes do sexo feminino atribuem mais importância à integração de atividades criativas nos projetos que são desenvolvidos: 76% das professoras que participaram no estudo, em constraste com 64% dos professores. Alguns dos métodos mais utilizados pelas professores são jogos educativos, brainstroming para chegar a ideias novas em conjunto e trabalhos de grupo. Os alunos também demonstraram interesse neste tipo de abordagem mais criativo, quer seja através de brainstroming ou de trabalhos de grupo, como também através de debates de ideias.
No relatório lê-se ainda que os alunos que afirmaram ser incentivados pelos professores a desenvolver o pensamento criativo e respostas originais tiveram um melhor desempenho na avaliação. O mesmo aconteceu com os estudantes que, no futuro, desejam trabalhar no setor cultural e criativo.
Alunos portugueses envolvem-se pouco em atividades criativas
Nos países da OCDE, 27,4% dos alunos participam em média, pelo menos uma vez por semana, em atividades artísticas. Mas este valor baixa para 10,4% se nos focarmos apenas nos estudantes portugueses (uma diferença de 17 p.p).
A mesma quebra se regista em todas as outras atividades. Apenas 7% dos estudantes portugueses que partiparam no estudo vão pelo menos uma vez por semana a aulas de música (face a 21,7% na média da OCDE); 7,4% participa em aulas de programação (face a 17,2%); 7,3% em aulas de escrita criativa (face a uma média de 16,3%); 6% em clubes de ciências e 6% em atividades relacionadas com teatro (face a uma média de 11% na OCDE); 7% em clubes de debate (face a 9%) e 5% participa na elaboração do jornal escolar (face a uma média de 8%. a OCDE).
Segundo o PISA, além de Portugal, os países em que os alunos menos participam em atividades artísticas na escola são a República Checa, Lituânia, Polónia e França. Já o Reino Unidos destaca-se por ter uma grande oferta de atividades mas pouco interesse por parte dos alunos (o que contrasta com a tendência verificada nos restantes países, em que quanto maior a oferta, maior a participação).
O relatório aponta ainda uma tendência: os alunos com mais dificuldades socio-económicas participam mais em atividades escolares. Mesmo que escolas mais recursos assegurem acesso a mais atividades, segundo diretores escolares, são os alunos de contextos mais desfavorecidos quem aprova mais estas oportunidade, em média. A única exceção diz respeito às atividades de música, que continuam a ter a participação de mais alunos de contextos socio-económicos favorecidos.
E verifica-se ainda um contraste entre géneros, com os rapazes a participar com maior frequência em atividades escolares que as raparigas. Os primeiros têm tendência a investir nos clubes de ciência e atividades de programação informática e as segundas em aulas de arte.
Raparigas têm desempenho mais criativo
Segundo o relatório, as raparigas superaram sempre os rapazes no que toca ao desempenho em termos de pensamento criativo. No entanto, no Chile, México e Peru, as diferenças foram quase insignificantes. O país onde se registou uma menor diferença entre os desempenhos dos dois géneros foi o México: abaixo de 1 ponto. Por contraste, na Jordânia é onde essa diferença tem uma dimensão maior: 6 pontos.
“Estudos empíricos mostram que as raparigas tem tendência a superar os rapazes em tarefas criativas especificas”, lê-se no document0, que explica que as diferenças entre o pensamento criativo dos dois géneros pode ser influenciado, por exemplo, pelas diferentes experiências e práticas de socialização. Assim como pelos processos cognitivos de cada um, ou seja, as estratégias de resolução de problemas utilizadas e a forma como processam a informação.
O relatório detalha que os rapazes “tendem a adotar abordagens analíticas e sistemáticas nas tarefas de pensamento criativo, enquanto as raparigas preferem um processamento mais intuitivo”.
Imigrantes e alunos desfavorecidos com piores desempenhos
No relatório do PISA constata-se ainda que, em média, estudantes com melhores condições socio-económicas registaram um melhor desempenho a nível de pensamento criativo, registando-se uma diferença de 9,5 pontos. Em países como a Hungria, por exemplo, esta diferença foi acima de 12 pontos. Em Portugal, por exemplo, esta diferença foi de 8 pontos.
Apesar disto, em média, a relação entre as condições socio-económicas e o desempenho dos alunos é mais fraca quando falamos no pensamento criativo do que em áreas como a matemática ou a leitura. De acordo com o documento, o desempenho dos alunos é influenciado por fatores económicos, mas também culturais e pelas experiências vividas por cada aluno. Isto pode ver-se facilmente, por exemplo, comparando as diferentes realidades vividas em cada bairro. “A segregação socioeconómica entre bairros pode resultar num acesso desigual a um ensino de qualidade” e a ambientes escolares mais ou menos “propícios à aprendizagem”, lê-se no relatório.
O próprio contexto familiar em que o aluno se insere também influencia o seu desempenho. Exemplo disso é o nível de instrução dos pais, lê-se no relatório. Quanto mais elevado, maior a probabilidade de aceder a um emprego com melhor remuneração, o que simplifica o acesso a recursos como aulas particulares e computadores, mas também a um vocabulário mais rico.
Além do contexto socio-económico também os alunos imigrantes registam menores níveis de pensamento criativo. A maior diferença nos desempenhos entre alunos imigrantes e não-imigrantes regista-se no Brasil, Bulgária, El Salvador, Finlândia, Jamaica, México, Marrocos, Macedonia do Norte e Polónia. Esta diferença de desempenho explica-se facilmente, de acordo com o relatório: tem origem nas barreiras linguísticas e sócio-económicas que os estudantes imigrantes atravessam.
Fonte: Observador por indicação de Livresco
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