Introdução
Adaptar o ensino da leitura ao progresso dos alunos é uma tarefa desafiadora, especialmente devido à diversidade de necessidades, dificuldades e níveis de desempenho. Parsons et al. (2018) destacam que os professores eficazes reconhecem a relação bidirecional entre o ensino e o desempenho, ou seja, que o ensino da leitura influencia o desempenho dos alunos, e que este influencia as estratégias de ensino. No entanto, a investigação desta relação ainda é limitada, não estando claro de que forma os professores ajustam as suas estratégias ao longo do ano para atender às necessidades dos alunos e promover a leitura.
Alguns estudos, como os de Carlisle et al. (2011) e Ruotsalainen et al. (2022a, 2022b), exploraram a relação entre o desempenho dos alunos e o ensino da leitura. Os autores sugerem que alunos com desempenhos mais baixos beneficiam de uma abordagem mais estruturada e com instruções explícitas, enquanto os que têm melhor desempenho beneficiam de uma aprendizagem mais independente e auto-dirigida. No entanto, Ruotsalainen et al. (2023), juntamente com Connor et al. (2004), Juel e Minden-Cupp (2000), Nurmi et al. (2013) e Pressley et al. (2001), consideram que esses estudos não abordaram dois aspectos fundamentais: i) a variação das estratégias e métodos de ensino ao longo do ano lectivo; e ii) a influência do desempenho dos alunos na seleção dessas estratégias e métodos.
Genericamente, os investigadores consideram que o desempenho dos alunos pode determinar o ritmo do ensino, bem como as actividades e métodos utilizados, mas sublinham a necessidade de um entendimento mais profundo desta relação.
O estudo de Ruotsalainen e colaboradores (2023)
Ruotsalainen et al. (2023) procuraram colmatar as lacunas da investigação, explorando a relação bidireccional entre o desempenho dos alunos e o ensino a leitura, ao longo de um ano lectivo do 1.º ano de escolaridade. Para o efeito, analisaram os dados de um estudo realizado na Finlândia, em 2016, por Lerkkanen e Pakarinen. Nesta investigação, os investigadores gravaram (em vídeo) aulas de leitura de 30 turmas, abrangendo, no total, 537 alunos do primeiro ano de escolaridade. Em cada turma gravaram-se duas aulas: a primeira no Outono (Momento 1) e a segunda na Primavera (Momento 2). Cada aula teve uma duração de 28 a 80 minutos (média de 41,55 minutos) no Momento 1, e de 22 a 76 minutos (média de 37,32 minutos) no Momento 2. As actividades realizadas em cada aula foram codificadas pelos investigadores a partir das directrizes do sistema de observação «Individualizando a Instrução do Aluno» (Individualizing Student Instruction, de Connor et al., 2010).
A codificação das actividades de ensino da leitura teve em conta dois parâmetros. Por um lado, a gestão das actividades, distinguindo entre i) actividades geridas pelo professor e pelos alunos (AGPA) e ii) actividades geridas apenas pelos alunos (AGA). Por outro lado, o tipo de actividades realizadas, em particular as i) de descodificação (DES), isto é, relacionadas com o conhecimento de letras, consciência fonológica, soletração e fluência de leitura; e as ii) centradas no significado (SIG), incluindo actividades relacionadas com o vocabulário, gramática, compreensão oral e compreensão da leitura. Os investigadores avaliaram, ainda, o desempenho dos alunos em fluência (precisão e velocidade, especificamente) e compreensão da leitura, nos dois momentos do estudo, Outono (entre Setembro e Dezembro) e Primavera (entre Fevereiro e Maio).
Principais Resultados e Conclusões
- O desempenho dos alunos na leitura e as actividades realizadas em sala de aula não têm uma relação bidireccional. Existe, porém, uma relação unidireccional, já que os professores tentam adaptar o ensino ao nível de conhecimento dos alunos. Especificamente, alunos com melhor desempenho em leitura no início do ano realizam, na Primavera, actividades centradas no significado, sem ajuda do professor (AGA-SIG); enquanto alunos com mais dificuldades no início do ano realizam, na Primavera, actividades centradas na descodificação e orientadas pelo professor e pelos alunos (AGPA-DES).
- As actividades realizadas no início do ano lectivo (combinando gestão e tipo: AGPA-DES, AGPA-SIG, AGA-DES e AGA-SIG) não estão relacionadas com a proficiência de leitura na Primavera. No entanto, algumas actividades do Outono têm relação com a compreensão de leitura na Primavera.
Os resultados do estudo sugerem que actividades centradas no significado e orientadas pelo professor e pelos alunos (AGPA-SIG), realizadas no início do ano, podem estar relacionadas com melhores níveis de compreensão de leitura na Primavera, e que actividades centradas no significado, geridas por professores e alunos, são fundamentais para a aprendizagem, promovendo o vocabulário e estratégias de compreensão (Connor et al., 2020; Kikas et al., 2018; Lerkkanen et al., 2016). A realização de actividades como fazer perguntas relacionadas com o texto e explicar o significado das palavras de uma história pode promover a aquisição e desenvolvimento do vocabulário e a compreensão dos alunos.
Apesar da correlação positiva entre actividades centradas na descodificação, realizadas sem ajuda do professor (AGA-DES) no Outono, e o desempenho na leitura, essas actividades não estão relacionadas com a compreensão de leitura na Primavera. Verificou-se mesmo uma relação negativa entre actividades AGA-DES no Outono, e a compreensão na Primavera, podendo concluir-se que a persistência excessiva na descodificação leva à redução do tempo disponível para actividades centradas no significado, prejudicando a compreensão (Connor et al., 2004, 2013; Kikas et al., 2018; Lerkkanen et al., 2016). Além disso, a repetição excessiva de exercícios pode causar comportamentos disruptivos e diminuir o interesse pela leitura (Kikas et al., 2018; Ponitz & Rimm-Kaufman, 2011; Schwanenflugel et al., 2009).
Em resumo, os resultados sugerem que o nível de desempenho dos alunos assume um papel fundamental na forma como o professor organiza o ensino da leitura. Mais importante ainda, recomendam o investimento em actividades centradas no significado, nomeadamente actividades de vocabulário e de compreensão, mesmo que nem todos os alunos da turma sejam leitores fluentes. Dito de outra forma, o peso excessivo na descodificação pode, a partir de um certo ponto, ser mais prejudicial do que benéfico para o objectivo fundamental da leitura, que é a compreensão do texto.
Célia Oliveira e Soraia Araújo
Fonte: Iniciativa Educação
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