OS FACTOS
A 13 de março de 2020, onze dias depois de confirmados os primeiros casos de covid-19 em Portugal, o Governo declarou o encerramento das escolas em todo o país. Cerca de um mês depois, o executivo anunciava o regresso dos estudantes às aulas do terceiro período, mas apenas em formato virtual. Nascia, então, o Estudo em Casa – emissão especial da RTP Memória com conteúdos pedagógicos para vários níveis escolares - que viria a acompanhar os alunos até ao ano letivo seguinte.
Os habituais exames nacionais foram suspensos durante este período. Segundo dados da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) mostram que no ano letivo 2019/2020, o primeiro afetado pela covid-19, até se registou um aumento na taxa de transição/conclusão de 93,8% para 96,1%. No entanto, voltaria a descer nos dois anos seguintes: primeiro para 95,5% e, depois, para 95,4%. A única exceção verificou-se no ensino secundário, que no ano letivo 2020/2021 melhorou os resultados de 91,5% para 91,7%, tendo voltado a cair para 91,4% no ano seguinte.
91,4% é a taxa de transição/conclusão verificada no ensino secundário no ano letivo 2021/2022, de acordo com dados da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência
A taxa de retenção e desistência, que registava tendência decrescente desde 2012/2013 quando atingiu 12,5%, continuou a cair no entre 2018/2019 e 2019/2020 para 3,9%. Porém, no ano letivo 2020/2021 – o primeiro que sofreu com os efeitos covid-19 durante todo o período de aulas – a retenção aumentou para 4,5% e, em 2021/2022, novamente para 4,6%.
Para mitigar os eventuais efeitos negativos da suspensão das aulas e da alteração do formato de físico para o digital, o Governo lançou, em 2021, o plano de recuperação das aprendizagens dirigido aos ensinos básico e secundário. Em abril deste ano, o ministro da Educação, João Costa, respondeu aos apelos de duas associações de diretores de escolas e confirmou que o programa de intervenção – previsto inicialmente para durar entre 2021 e 2023 – iria ser prolongado até 2024.
COMO CHEGÁMOS AQUI
Apesar de faltarem dados objetivos e comparáveis que permitam analisar, ao detalhe, as consequências da pandemia na aprendizagem, estudos internacionais permitem um vislumbre do que pode ter acontecido em Portugal. A principal preocupação de Domingos Fernandes, presidente do Conselho Nacional de Educação (CNEDU), prende-se com os primeiros anos de ensino. “As crianças que estavam no primeiro ano quando houve a primeira interrupção [das aulas], sobretudo as dos meios mais vulneráveis, são as que estão em maior risco de não acompanhar a aprendizagem”, aponta. Em causa está, explica, o facto de ser nestes primeiros anos que os alunos aprendem a escrever, a ler e absorvem as bases da matemática, fatores essenciais para, mais à frente no percurso escolar, compreenderem os conteúdos lecionados. “A escrita e a leitura são absolutamente estruturantes para o desenvolvimento cognitivo e intelectual”, reforça o professor.
97 foi o número de dias que os alunos do terceiro ciclo do ensino básico estiveram sem aulas presenciais entre março de 2020 e maio de 2021
Opinião convergente tem a professora do ensino secundário, Maria Rosário Azevedo, que confirma empiricamente que as consequências “atingiram todas as disciplinas”, mas em particular as áreas das “humanidades, artísticas e de expressão física”. Os alunos “não conseguem entender as perguntas ou colocar o seu pensamento de forma clara no papel”, lamenta. Por outro lado, continua, os professores notam os estudantes com mais “ataques de pânico, de ansiedade”, mas também com “falta de autonomia para atividades simples”.
Sobre o plano para a recuperação das aprendizagens, Domingos Fernandes considera “excessivo” o número de medidas recomendadas pelo Ministério da Educação às escolas. Maria Rosário Azevedo diz ainda que “há muito poucos professores para acompanhar os alunos que têm mais dificuldades” e que, apesar do esforço dos docentes, existem desafios em concretizar esse apoio adicional aos estudantes. E esse apoio, destacam os peritos ouvidos pelo Expresso, é particularmente importante junto dos alunos mais vulneráveis – são aqueles que, em regra, beneficiam de apoio social escolar e que vivem em meios mais desfavorecidos.
Outro dos problemas nesta jornada de recuperação de aprendizagens tem que ver com a falta de dados disponíveis. “Não temos comparação [de resultados antes e depois da pandemia]. Não sabemos, efetivamente, se os alunos aprenderam menos, se aprenderam mais ou se foram prejudicados com o ensino online”, critica o presidente do CNEDU. Apesar dos resultados das provas nacionais terem sido “surpreendentes” pela positiva, em comparação com o período pré-pandémico, Domingos Fernandes diz que não são comparáveis e prefere olhar para a investigação desenvolvida além-fronteiras.
“Estudos feitos na Alemanha e na Suíça com dados que podem ser comparáveis, publicados em revistas credíveis, dizem que a partir dos 12, 13 anos não há perdas [de aprendizagens]”, afirma, citando a recolha de dados naqueles dois países. Ainda assim, verificam-se “algumas perdas relativamente pequenas no ensino básico, sobretudo na matemática e na língua materna”. Mas Domingos Fernandes alerta ainda para outra questão: os esforços feitos pelas famílias e pelas escolas durante a pandemia foram “desiguais” e prejudicaram aqueles com condições socioeconómicas mais desfavoráveis.
PARA ONDE CAMINHAMOS
A recuperação do tempo e do conhecimento perdidos durante a crise sanitária deve ser, defendem a uma só voz os peritos, a prioridade do sistema de ensino português. Sobre esta questão, Noam Angrist, investigador australiano especializado em educação, não tem dúvidas de que “o primeiro passo é a avaliação”. “As crianças devem ser avaliadas para fazer um balanço sobre o seu nível de aprendizagem e outras necessidades que possam ter”, acredita.
A resposta tem de passar pela abordagem “ensino ao nível certo”, que, em resumo, dita que os professores devem perceber em que estádio de desenvolvimento está cada aluno e adaptar o ensino às suas carências. Angrist defende a utilização dos meios tecnológicos como arma de combate às perdas de aprendizagens, até porque “o potencial da tecnologia reside na sua capacidade de ser adaptável em vez de uma abordagem única”. O investigador diz que não basta distribuir, de forma indiscriminada, computadores e tablets pelos alunos e esperar que eles, “magicamente”, resolvam o desafio da aprendizagem. “Tecnologias diferentes funcionam para diferentes segmentos da população e devemos ajustar isso em conformidade. Claro que não é apenas a plataforma, mas também a pedagogia que importa, pelo que chegar ao “nível certo” deve ser conjugado com ensinar ao nível certo”, remata.
Vale a pena assinalar que, em pleno início do ano letivo 2023/2024, professores e associações do sector alertam para a possibilidade de existirem, nos próximos meses, menos docentes alocados à recuperação de aprendizagens pelo fim do financiamento europeu ao programa nacional.
Fonte: Expresso por indicação de Livresco
Sem comentários:
Enviar um comentário