sábado, 3 de abril de 2021

Nenhum autista é igual a outro e apresenta os mesmos sintomas

O autismo é uma perturbação complexa do desenvolvimento e normalmente é identificado na infância, embora os sinais iniciais por vezes surjam logo nos primeiros meses de vida. O distúrbio pode afectar a capacidade de comunicar e interagir com outras pessoas. A maioria das crianças autistas assemelha-se às outras, mas exibe comportamentos diferentes, estranhos e incompreensíveis e que, aos olhos da sociedade, são conotados como sendo inadequados e desajustados.

O espectro do autismo manifesta-se em três níveis diferentes — leve, moderado e severo —, nenhum autista é igual a outro e apresenta os mesmos sintomas. Como mãe de dois autistas leves de 10 e 13 anos e sem qualquer apoio familiar, posso dizer que precisamos de muito poder de encaixe, aceitação, resiliência e humildade para conseguir lidar com eles. E, principalmente, termos a capacidade de ver a vida de forma diferente para que consigamos compreender todos os “porquês” que nos vão aparecendo ao longo desta luta, por vezes, inglória.

O S. de 13 anos, diagnosticado apenas aos 12 anos com síndrome de Asperger, apresentou os primeiros sintomas com meses de vida. Cada vez que tinha de introduzir algum tipo de alimento novo, ele recusava. Nunca mamou, nunca chorou com fome e apresentava muita apatia. Sempre apresentou um desenvolvimento normal, nada que pudesse prever que estaria fora dos parâmetros normais. Aos 36 meses procurei ajuda de um psicólogo devido ao seu isolamento social e à recusa alimentar. Foi diagnosticado com selectividade alimentar. Quando entrou no pré-escolar, a educadora alertou para o facto de o S. ter comportamentos inadequados, nunca parava quieto, recusava todo o tipo de actividades. No entanto, interessava-se por assuntos um pouco diferentes dos meninos da sua idade. Lembro-me que aos 4 anos se interessava por Beethoven, Einstein e sabia de cor todas as espécies de dinossauros.

Perante este alerta, procurei ajuda junto de um pedopsiquiatra, médico de desenvolvimento, psicólogos e ninguém me dava um diagnóstico assertivo.

Quando entrou para a escola, foi o verdadeiro inferno pelos comportamentos inadequados e pela agressividade e pela falta de conhecimento, aceitação e humildade dos professores. O S. sentia-se incompreendido pelos colegas e professores, os seus interesses obsessivos por informática e mecânica não se adequavam ao ensino “normal”, nada na escola tinha interesse para ele e sentia-se completamente frustrado. Nas aulas fazia tudo menos o que devia fazer. Costumo dizer que só faltava fazer o pino, ele desenhava, ouvia música... No entanto, tem uma grande capacidade de aprendizagem e excelentes notas.

Aos 12 anos, o S. faz um pedido de socorro de tal forma que pensei que fosse fazer algo contra si mesmo. Os professores, sem qualquer preparação e conhecimento para lidar com crianças atípicas, ainda agravaram mais a situação. Diariamente, tinha telefonemas e emails com informações do comportamento desadequado do S. Até que um dia recorri a um pedopsiquiatra “milagroso” que dita o diagnóstico. Tanto para mim como para o meu filho foi um alívio termos um diagnóstico. A partir desse momento tínhamos respostas para os ditos comportamentos inadequados e formas de os tentar contornar. Neste momento, é acompanhado apenas pelo pedopsiquiatra, não toma medicação e os comportamentos “inadequados” estão a diminuir gradualmente.

Desde bebé que M. chorava compulsivamente sem qualquer motivo aparente. Com 12 meses começou com sensações estranhas nos pés, não conseguindo usar meias, situação que se foi agravando e até hoje não consegue vestir certo tipo de roupas. Só começou a falar de forma perceptível com quase 5 anos, tinha ataques de pânico consecutivos e momentos de agressividade extrema quando algo saía da rotina. No pré-escolar, a educadora alertou-nos que o M. tinha algumas dificuldades de aprendizagem.

Procurei o apoio de uma pedopsiquiatra, de um psicólogo e de um terapeuta da fala que lhe diagnosticaram autismo leve, dislexia e um problema ao nível do processamento auditivo. Neste momento, o M. é acompanhado pela pedopsiquiatra e pelo psicólogo, toma medicação e as dificuldades na aprendizagem infelizmente são cada vez mais notórias.

Posso dizer que ter dois filhos autistas é como andar numa montanha-russa repleta de altos e baixos com que temos de lidar todos os dias e, às vezes, várias vezes ao dia. A minha vida social e profissional de certa forma ficou condicionada. Durante dez anos não pude exercer a minha profissão devido aos horários e tentei sempre ter trabalhos que me permitissem gerir o meu tempo de acordo com as necessidades dos meus filhos. Nenhuma entidade patronal ia aceitar a quantidade de vezes durante a semana que era chamada à escola por causa dos meus filhos. Deixei de ir a casa de familiares e amigos, porque as pessoas não compreendem os comportamentos de S. e M. Neste momento as coisas estão mais calmas e já tenho menos pressão sobre mim, mas continuo a não conseguir ir ao supermercado nem a centros comerciais com o S.

Sinto muitas dificuldades na escola, apesar de estarem os dois no ensino especial. As medidas curriculares não estão adaptadas às suas necessidades. A inclusão, infelizmente, não existe; quanto mais tentam incluir, mais excluem, porque todas as crianças, independentemente de serem especiais ou não, são diferentes. Não podem partir do princípio de que todos os meninos gostam de futebol ou de que todas as meninas gostam de bonecas. A personalidade de cada um tem de ser respeitada e não ser imposto um protótipo de crianças já predefinido, obrigando-as a gostarem daquilo que não lhes diz absolutamente nada.

Pelos meus filhos vou lutar até ao fim para que sigam os seus sonhos e principalmente que nunca deixem de ser eles próprios – porque incluir não é pedir que eles se adaptem, mas aceitá-los como são.

Adriana Delgado

Fonte: Público

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