Comemora-se neste sábado, 10 de Outubro, o Dia Mundial da Saúde Mental. Portugal é um dos países europeus com maior prevalência de doenças psiquiátricas, porém, a saúde mental ainda é uma das áreas onde há menos reconhecimento e investimento no nosso país. Os acessos aos cuidados de saúde mental no serviço público são parcos e demorados e há uma insuficiente implementação de medidas de promoção da saúde mental e de prevenção. Tudo isso contribui para perpetuar a vergonha, a discriminação, o estigma e a exclusão social das pessoas que sofrem e que procuram ajuda de um psicólogo ou psiquiatra.
Globalmente, a saúde mental engloba um sentimento de bem-estar e a capacidade de usar os seus recursos pessoais para gerir problemas, para manter relações, para fazer actividades pessoais e laborais. As componentes física e psicológica da saúde mental são indissociáveis e, neste sentido, uma dificuldade numa destas áreas terá impacto na outra e, consequentemente, no comportamento, no pensamento e nas emoções da pessoa.
Apesar de alguns esforços da parte dos próprios profissionais da área da saúde mental para quebrar o tabu à volta da doença mental ainda persiste na nossa sociedade a tendência a minimizar ou a pôr de lado as pessoas com dificuldades ou com doença mental diagnosticada, considerando que não são capazes ou mesmo que são menos propensas ao sucesso. Mesmo as pessoas que enfrentam os problemas podem ter dificuldade em assumir o seu sofrimento e, neste sentido, não pedem ajuda. Sentem que pode ser descabido ir ao psicólogo por causa do seu divórcio, embora esta situação lhes traga profunda tristeza e ansiedade; que os sinais de ansiedade e de irritabilidade que apresentam são passageiros e que uma boa noite de sono vai resolver tudo, apesar das dificuldades permanecerem. Pedir ajuda nem sempre é fácil e é muitas vezes um acto de coragem, porque ainda há a tendência a achar que cuidar de si é um capricho.
Então, se uma boa saúde mental contribui para o nosso bem-estar, por que não o reconhecemos tal como o fazemos com a saúde física e por que existe ainda retraimento social à volta da procura de serviços de psicologia e/ou de psiquiatria? Sabemos que o serviço público não dá o acompanhamento que muitas pessoas necessitam por falta de psicólogos e as consultas privadas são dispendiosas e nem todos podem pagar, mas há mais razões.
Em pleno século XXI, a ideia de que a psicologia e a psiquiatria é para malucos ou para fracos persiste de mãos dadas com a dificuldade em assumir que se precisa de ajuda. Ninguém tem vergonha de entrar num consultório médico, mas o mesmo não se passa com a entrada no consultório de um psicólogo ou de um psiquiatra. Por diversas vezes ouvi comentários entre duas pessoas na sala de espera do género “Por aqui!?” “Não! Só vim acompanhar uma pessoa...”, como se fosse o assumir de um fracasso ou por ter sido apanhado num local mal frequentado... Há medo do julgamento dos outros e a pressão exercida sobre as pessoas para não mostrar fragilidade está patente também nas redes sociais onde tudo é super! Super divertido, super bonito, super brilhante.
Falamos de preconceito? De desvalorização? De minimização? A sociedade tem dificuldade em assumir que em algum momento da sua vida, qualquer pessoa, mesmo qualquer uma, pode ter necessidade de procurar ajuda de um psicólogo.
Este tabu à volta dos psicólogos e dos psiquiatras foi sedimentado há muitos anos por diversas teorias, que consideravam, por exemplo, a separação do corpo e da mente, hoje sem fundamento, que fizeram prevalecer a ideia de que quem sofre de uma doença psiquiátrica é desequilibrado. Outro factor que contribuiu para a perpetuação da ideia de fragilidade é a tendência cultural a esconder e não falar sobre as emoções, que acarreta em muitas pessoas o acumular de coisas não resolvidas e a crença de que os sentimentos negativos vão passar com o tempo, ou, nas crianças, com o seu crescimento. O problema é que muitos não passam e até podem agravar-se.
Se alguém está triste, a tendência é dizer “Não fiques triste”, mas por que é que a pessoa não pode sentir-se triste? Porque em algumas situações, quem está à volta não sabe lidar com o que os outros sentem e, por isso, tentam “passar à frente”, fugindo ao assunto. Mesmo sem intenção de piorar o sentimento do outro, este tipo de resposta pode fazer com que a pessoa sinta que a sua experiência foi desvalorizada, aumentando a sensação de que não é correcto expressar emoções e de que isto é algo que tem de resolver sozinha. Mas não tem de ser assim, pois não só não temos de sentir vergonha pelas nossas vulnerabilidades, como também não temos de reagir sempre bem às situações, nem temos de estar sempre felizes. E isto precisa de ser entendido pelas pessoas como algo natural no ser humano.
Todos nós temos vulnerabilidades e potencialidades para desenvolver uma doença mental. Se por exemplo, algum problema de vida interferir no nosso funcionamento de forma significativa e exigir mais recursos do que aqueles que temos podemos sentir ansiedade ou depressão. Não devemos olhar para a saúde mental considerando apenas dois pólos, o normal e o patológico, mas sim um contínuo onde há momentos em que podemos estar mal, mas, depois, voltamos a recuperar. Uma pessoa com depressão tem momentos mais difíceis, mas pode ser ajudada por um profissional de saúde mental e voltar a ter capacidade de gerir a sua vida, sentindo-se mais realizada.
O suporte social, tão apontado na literatura científica como protector em situações de vulnerabilidade é outra peça fundamental em momentos de fragilidade psicológica. Desaparecer ou não ligar “para não incomodar” um amigo ou familiar num momento de maior fragilidade é a pior coisa que podemos fazer.
Vera Ramalho
Fonte: Público
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