segunda-feira, 1 de junho de 2015

Controvérsias na avaliação da pobreza infantil

A pobreza infantil diz respeito aos indivíduos considerados como crianças no sistema estatístico, ou seja, com idade inferior a 18 anos. Pese embora o facto de esta definição de criança poder ser contestada, na realidade quando falamos de pobreza infantil esta é a unidade estatística de análise.
Todavia, os indicadores que utilizamos partem da avaliação do agregado familiar. Este constitui assim a unidade de medida. Necessariamente desta situação resultam incoerências e problemas, uma vez que efetuamos um diagnóstico sobre um elemento — a criança — através de uma entidade — o agregado familiar — a que essa unidade pertence.

A taxa de risco de pobreza é o primeiro indicador normalmente utilizado para medir a pobreza infantil. De acordo com a metodologia que lhe está subjacente, uma criança é pobre, caso se encontre inserida dentro de um agregado familiar cujo rendimento por adulto equivalente seja inferior ao limiar de pobreza. Esta definição está imbuída de um conjunto de pressupostos que importa detalhar, nomeadamente: 1 — Considera que o bem-estar da criança depende exclusivamente do nível de rendimento do agregado familiar num dado momento do tempo; 2 — Que esse rendimento é repartido igualmente por todos os elementos que compõem o agregado familiar; 3 — Que um sistema de conversão previamente estabelecido (as escalas de equivalência) permita comparar agregados familiares com composições e dimensões diferenciadas, normalizando o rendimento do agregado familiar.

Pese embora a importância do rendimento corrente do agregado familiar no bem-estar da criança, esse bem-estar é condicionado por outros elementos, tais como os recursos acumulados da família, os serviços disponibilizados em termos de cuidados de saúde, de escolaridade e de lazer, a capacidade parental e o projeto de vida familiar, entre outros.

Finalmente, a análise das condições de vida subjacente aos indicadores de privação material também nos merece algum comentário. Ainda que esta análise alargue o leque de elementos de observação relativamente à metodologia unidimensional preconizada pela taxa de risco de pobreza, os indicadores utilizados não são específicos da criança e pressupõem a satisfação ou insatisfação em bloco de todos os elementos do agregado familiar, factos que necessariamente enviesam a mensuração do bem-estar da criança.

Posto isto, o que fazer?

Por forma a suprir a falta de dados que espelhem de modo dinâmico esta realidade recomenda-se, como ponto de partida, a criação de um sistema de informação centrado na caraterização deste problema, cujo repositório regularmente atualizado permita de forma permanente e rigorosa monitorizar as condições de vida das crianças. Só desta forma se conseguirá obter um diagnóstico preciso do seu bem-estar em todas as suas vertentes, que permita identificar as fragilidades existentes e daí preconizar o desenho de medidas que possam debelar o problema da pobreza infantil. Problema que a todos toca e a todos diz respeito.

Amélia Bastos

Professora do Instituto Superior de Economia e Gestão e investigadora do Centro de Matemática Aplicada à Previsão e Decisão Económica da Universidade de Lisboa
 
Fonte: Público

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