Liberdade de escolher uma escola? “Existe sempre”, diz Maria do Carmo Seabra, investigadora e ex-ministra da Educação: “Se ela não está reconhecida na lei, a consequência é ficar restringida aos estudantes mais favorecidos economicamente.” Ou seja, defendeu, quando não se pode escolher livremente, a liberdade “é só para alguns”. A saber: “Os grupos sociais mais favorecidos.” Os que podem mudar de casa se quiserem para ir para uma zona com escolas melhores, aqueles para quem o transporte dos filhos até uma escola mais distante não é um problema, os que podem pagar propinas, por exemplo.
A ex-ministra no Governo de Santana Lopes foi uma das oradoras da conferência sobre Liberdade de escolha da escola, que aconteceu nesta sexta-feira no Conselho Nacional de Educação (CNE), numa parceria entre o CNE e a Confederação Nacional da Educação e Formação (CNEF), que pretendia debater “possíveis instrumentos e mecanismos de concretização da escolha de modo justo e promotor de equidade”.
Alguns oradores defenderam um sistema em que os pais podem escolher entre diferentes projetos educativos, públicos ou privados, sem pagarem mais por isso. Outros sustentaram como esse modelo implica um desinvestimento na escola pública e acarreta mais desigualdades. É o tipo de tema que gera alguma “tensão”, anunciou logo no início João Alvarenga, presidente da CNEF.
Doutorada em Economia, Carmo Seabra levou alguns estudos feitos na universidade onde leciona — a Nova de Lisboa. Que na sua opinião demonstram que “lutar contra a liberdade de escolha argumentando que a escola pública garante a igualdade é totalmente irrealista”.
Deu um exemplo: 80% dos estudantes do 4.º ano do ensino básico com pais habilitados, no máximo, com a escolaridade obrigatória, concentravam-se em 2012 em apenas 13 das 89 escolas de Lisboa. E apenas 10 das 89 escolas tinham mais de 30% dos alunos filhos de pais com ensino superior. “A estratificação no ensino público é elevadíssima”, concluiu. As escolas não são lugares de diversidade.
Nos anos 90, a Suécia adotou um modelo que permitia a constituição de escolas de gestão privada no sistema público de educação. O modelo sueco é muitas vezes lembrado por quem defende que os pais devem escolher livremente, assegurando o Estado o financiamento dessa liberdade. Acontece que no último estudo da OCDE sobre as competências dos alunos de 15 anos (o PISA), os resultados dos suecos baixaram e o modelo tem sido muito posto em causa. Carmo Seabra acha que a deterioração do desempenho dos alunos naquele país não tem a ver com a liberdade de escolha — admite antes que esteja associada ao facto de nunca ter havido disponibilização de informação sobre “a proficiência académica das escolas”.
“Para que um sistema de liberdade de escolha aumente a eficiência com que os recursos são utilizados não promovendo a segregação, é fundamental que existam sistemas de informação credíveis e comparáveis que permitam aos pais detetar diferenças”, disse.
Sobre se o sistema sueco promoveu a segregação, não há consenso, mas “estudos recentes demonstram que até houve uma ligeira diminuição”.
Uma visão distinta foi apresentada por Santana Castilho, professor, ex-consultor do Banco Mundial, da União Europeia e da UNESCO, em projetos educacionais de âmbito internacional. Na sua intervenção começou por denunciar o que considera ser uma estratégia do Governo de criar “uma escola mínima para os pobres” e uma escola privada financiada pelo Estado “para os ricos”.
E falou da reforma dos anos 90 na Suécia: “Falhou em toda a linha. A diferenciação de qualidade entre escolas tornou-se um problema nacional, a segregação social cresceu, os resultados dos alunos desceram e o ministro da Educação anunciou o fim da festa. A reforma não melhorou, não poupou, segregou.” Para o professor, que conhece bem o sistema sueco, até porque estudou no país, a agenda em Portugal “de entrega aos privados de importantes funções do Estado” também não vai trazer melhor educação para todas as crianças.
O ministro da Educação Nuno Crato (que sempre defendeu um modelo de cheque-ensino, apesar deste continuar a não existir) não se alongou na dicotomia público-privado — “É a diferença que potencia a escolha”, pelo que as escolas têm de ter autonomia para desenvolver “diferentes projetos”. E na opinião do ministro, as escolas já têm hoje “mais liberdade”.
A disponibilização de informação é outro ponto central para garantir a liberdade de escolha — “Em 2011 ainda se debatia se os pais podiam conhecer os resultados das escolas”, lembra. “Hoje temos mais e melhor informação.”
Fernando Adão da Fonseca, do Fórum para a Liberdade de Educação, tocou em muitos destes pontos. Mas foi bem mais longe. Um serviço público de educação deve assegurar, na sua opinião, que as escolas, públicas ou não, “podem diferenciar-se entre si, usufruindo de uma clara autonomia pedagógica”, para que as famílias possam escolher os projetos que mais se adequam aos filhos; “não podem selecionar alunos” (um modelo de sorteio de uma parte das vagas é uma das suas propostas); “não podem cobrar propinas”, porque são “financiadas pela sociedade”. E, no final, existe “um Estado forte” que avalia.
Fonte: Público por indicação de Livresco