Ricardo Chaves mudou anteontem a fotografia no Facebook para uma mão a fazer figas: “Eu acredito: ensaios clínicos da síndrome de Angelman 2012.” Há pouco mais de um ano, o financeiro de 35 anos, de Tavira, não fazia ideia de que esta doença existia, nem que existia toda uma comunidade a comunicar-se na internet e a seguir esperanças como esta, a mais recente: em março, uma universidade da Florida vai testar um antibiótico – aprovado para outras doenças pelo regulador FDA – no alívio dos sintomas desta síndrome rara. A recolha de donativos para financiar o estudo mobilizou figuras conhecidas como Colin Farrell, com um filho diagnosticado com Angelman.
Ricardo sabia apenas que o filho Afonso tinha andado seis anos de médico em médico, sempre com diagnóstico inconclusivo ou de paralisia cerebral. A neuropediatra do Hospital de Faro, que o acompanhava desde pequeno, achava que deveria ser algo diferente. No final de 2009 disse-lhes que não iam encontrar causa ou nome para o problema e, perante a incerteza, Ricardo e a mulher não se conformaram.
Com a ajuda de amigos e familiares, juntaram 12 mil euros para levar o filho ao hospital pediátrico de Great Ormond Street, em Londres, conhecido pelos diagnósticos difíceis. O veredicto, síndrome de Angelman – uma doença neurológica genética que surge num em 15 mil nascimentos – chegaria em novembro de 2010, lido em ressonâncias magnéticas que Afonso tinha feito em Portugal e confirmado com testes genéticos. “Um dos exames custou 2500 euros e podia ter sido feito em Portugal, bastava o médico ter pedido”, diz Ricardo.
FANTOCHES FELIZES
A médica de Faro, a quem foi pedir uma explicação no regresso, confessou que já tinha pedido exames avançados noutra ocasião – caros e que vieram negativos, mas no caso de Afonso não tinha suspeitado de Angelman, doença que Ricardo e a mulher descobriram na net depois de uma pista, ao segundo dia em Londres, ainda antes do diagnóstico clínico.
“Quando lá cheguei, em Setembro, perguntei ao coordenador da equipa se eles iam descobrir o que o Afonso tem”, lembra Ricardo. “Ele respondeu que sim, era o mais provável. Ficámos 15 dias e sempre que falava com alguém perguntava se já tinham visto alguma criança assim, até que uma fisioterapeuta disse que sim, mas não se lembrava do nome.” Fazia-lhe lembrar a doença dos “fantoches felizes”. Quando chegou ao computador, depois do dia de consultas, Ricardo pesquisou. “Happy Puppet Syndrome” remetia para síndrome de Angelman.
Ao ver vídeos no YouTube, teve a certeza de que eram crianças como o Afonso. “Recordo-me de estar a ler sobre a síndrome e pensar ‘espero que seja isto’. Entre todas as doenças, e apesar do atraso e da dependência, era um prognóstico reconfortante. Querem companhia, percebem o que dizemos. Como é possível ninguém ter descoberto isto em Portugal?”
O nome vem do médico Harry Angelman, que descreveu a doença em 1965, mas os pais preferem a ligação com anjos. Afonso tinha sintomas que podiam ser confundidos com paralisia cerebral: o atraso físico e cognitivo, a ausência de fala. Mas havia mais: o sorriso constante, os abraços, andar com os braços no ar, ter dificuldade em adormecer. “Acho que a paralisia cerebral é um saco para onde vão muitos dos casos para os quais não se consegue um diagnóstico. Em termos de terapia, não mudou muito, mas através da experiência que fui tendo com outros pais vejo o que conseguiram atingir outras crianças com Angelman. Passámos a usar estímulos diferentes.”
Algumas crianças conseguem andar e Afonso vai dando os primeiros passos. Mais raro, mas possível, é poder um dia dizer algumas palavras. Hoje Afonso percebe, se lhe mostram um prato, que está na hora de refeição, mas ainda não aponta o desenho para mostrar que tem fome.
Quando regressaram de Londres contactaram a Raríssimas, para perceber se havia mais casos. A associação ficou com o contacto da família e deu-o a outros pais. Entraram na esfera de amizades que levou a criar a mais recente associação de doentes raros: Angel – Associação de Síndrome de Angelman Portugal. Num encontro que antecedeu a escritura, a 6 de Janeiro, contabilizaram 30 casos, a maioria no Norte, alguns no Centro e dois em Lisboa. De Lisboa para baixo só há o caso de Afonso. “Tenho a certeza de que haverá mais. No Algarve há 5 mil nascimentos.”
É para descobrir outros anjos, divulgar a síndrome, partilhar experiências e promover programas que promovam o desenvolvimento das crianças com Angelman, por exemplo usando aplicações em tablets, que nasce a associação. “São coisas tão simples como partilharmos que tipo de fraldas são melhores: com sete anos, o Afonso não usa fralda de bebé, mas também não pode ser uma fralda de adulto. Há um pai que sugere uma marca, uma mãe que dá outra opinião.” Depois de lhes ter sido negado o subsídio de apoio à terceira pessoa, 80 euros mensais, foi por conselho de outra mãe que insistiram, com sucesso. “Há sete anos a cuidar do meu filho, como outros pais, temos mais conhecimento da doença e dos nossos filhos do que muitos médicos.”
A vida muda. “Costumo dizer que nasci para isto”, diz Ricardo, que passou a pôr os problemas em perspetiva, a relativizar o stresse do trabalho e a trabalhar mais vezes a partir de casa para dar atenção aos dois filhos, Afonso e Luís, com 11 anos. “Ser pai de uma criança especial faz-nos viver de outra forma. Um dia estamos na mó de baixo e não nos apetece ter forças para lidar com a situação. Temos de lidar. Sabemos que vamos ter este filho sempre connosco, temos de o encarar como uma vantagem.”
In: I online
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