As carrinhas de marcas de óticas que fazem rastreios nas escolas nem sempre têm profissionais especializados e em alguns casos já terão provocado problemas de visão a crianças. A acusação é do diretor do serviço de oftalmologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra, Joaquim Murta. "As carrinhas móveis suportadas pelas óticas que vão às escolas supostamente para observar as crianças, na realidade, muitas nem têm especialistas. O que lhes interessa é vender e mais nada", explica o oftalmologista.
O especialista conta que já recebeu várias crianças no seu consultório com problemas de visão agravados devido a óculos impróprios para os seus problemas. Quando questionado sobre as marcas que fazem este tipo de abordagens aos mais novos, Joaquim Murta não tem papas na língua e acusa o Grupo Óptico das Beiras e a Multiópticas, realçando que, especialmente a última, o faz "imensas vezes" principalmente na zona da Beira Interior.
O jornal i contactou o responsável dos rastreios oftalmológicos do Grupo Óptico, mas a única coisa que ouviu da empresa foi "o nosso comentário é não comentar. Não faz sentido".
Já a Multiópticas enviou um comunicado ao jornal i a explicar, que no caso deste tipo de rastreios, o serviço que presta só ocorre perante a solicitação das respectivas entidades, respeitando a restrição de idade que é igual ou superior aos oito anos e perante uma autorização prévia dos encarregados de educação. Além disso, as crianças são acompanhadas pelos professores que coordenam com a ótica a realização das ações de rastreio. "O despiste centra-se em avaliar a acuidade visual, forias e estrabismos. Com quaisquer possíveis problemas do foro patológico que possam ser detetados, é feita uma recomendação entregue ao professor que acompanha a ação, endereçada ao encarregado de educação, para que consulte um médico oftalmologista", refere a cadeia. A ótica realça ainda que os seus técnicos são especialistas de qualidade e por isso têm a confiança da população e acrescenta que os rastreios são gratuitos e beneficiam quem não pode recorrer ao Serviço Nacional de Saúde ou a serviços privados: "A notoriedade da nossa marca muitas vezes pode levar à confusão com marcas concorrentes. Há muitas marcas de ótica hoje a realizar iniciativas semelhantes, inclusive com carrinhas equipadas, alugadas através de anúncio e que proporcionam com facilidade estas abordagens", sublinha ainda a Multiópticas. Apesar da posição das óticas, Joaquim Murta explica que já há seis anos que envia cartas para a Ordem dos Médicos a denunciar estes casos, embora sem sucesso.
Augusto Magalhães, oftalmologista pediátrico do Hospital de São João do Porto e membro da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia, diz que não pode haver ingenuidade ao ponto de não achar que as casas de ótica não usem estas carrinhas para fazer publicidade às suas lojas, porque são essas "as leis do mercado". E o oftalmologista mostra-se preocupado apenas com a qualidade dos rastreios: "Normalmente são realizados de forma arbitrária, sem um protocolo aceite em termos de fiabilidade e de eficácia, e são realizados por pessoas cuja idoneidade não se sabe por quem ou onde é concedida", diz. "Na presença de suspeitas, as crianças são habitualmente encaminhadas para a respetiva loja onde habitualmente existe um optometrista a que chamam especialista de visão e que decide em última instância quais as necessidades da criança", acrescenta. Segundo o médico, durante todo o processo dificilmente algum oftalmologista observa a criança. "Tudo isto é lamentável, porque não existem garantias de competência e dessa forma a saúde passa ao lado dos médicos", acrescenta.
Augusto Magalhães reforça ainda a importância dos rastreios realizados aos mais pequenos e afirma que 20% das crianças têm problemas visuais que interferem com o rendimento escolar.
Para o especialista, as doenças dos olhos que mais afetam os mais novos são os erros refrativos (miopia, hipermetropia e astigmatismo), a ambliopia e o estrabismo. Um dos sinais mais habituais de problemas na visão é "a dificuldade na leitura", mas dores de cabeça, náuseas, olhos vermelhos, inchados ou lacrimejantes, estrabismo e fotofobia (dificuldade em suportar a luz) "são sintomas que não podem ser ignorados e devem levar os pais a procurar um oftalmologista", defende.
Augusto Magalhães considera ainda que é fundamental realizar um primeiro rastreio por volta dos três ou quatro anos, porque nesta idade a criança já colabora minimamente. No entanto, sustentou, "do ponto de vista médico é preferível rastrear mais cedo".
In: I online
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