sábado, 6 de março de 2010

Violência continuada e indiferença pública

Uma coisa são as brigas espontâneas entre miúdos, que sempre houve e haverá nos recreios e nas imediações das escolas, em toda a parte do mundo. Outra coisa, bem diferente, é a prática de agressões continuadas e da humilhação, física e psicológica, premeditada e persistente com o fim de amesquinhar quem demonstra ser vulnerável a tais práticas. Este fenómeno, aparentemente, não tem merecido até ao momento grande preocupação, nem justificado alarme por parte dos responsáveis de cada uma das nossas escolas, dos ministros aos professores.
O que hoje existe entre muitos pais é a consciência de que a escola acaba por ser o centro formador do carácter dos seus filhos, nas múltiplas facetas de uma educação integral. É bem certo que a universalidade do ensino obrigatório transferiu para dentro das salas de aula os problemas da socialização de milhares de crianças e de jovens oriundos de famílias disfuncionais. E que a escola pública se vê hoje confrontada com um nível de complexidade no relacionamento social inédito em décadas anteriores.
Está por demonstrar que a prática das agressões continuadas (o chamado bullying) esteja a aumentar nos nossos dias. Mas, ainda assim, não é tolerável conselhos directivos fingirem que não sabem ou não querem saber quando são confrontados com fenómenos de violência repetida e incontrolada nos seus estabelecimentos de ensino. O acto desesperado do jovem de Mirandela teve um prelúdio, que devia ter feito soar todos os alarmes, ao ter tido de ser tratado com ferimentos graves, devido a maus tratos dos seus crónicos perseguidores.
Não fazer nada é ser negligente. Apurar se houve crime por omissão é questão que tem de ser apurada. Neste e em todos os outros casos de idêntica natureza.
Editorial do Diário de Notícias

3 comentários:

JL disse...

Olá João.

Escrevi algo para um jornal com que colaboro que partilho agora aqui contigo:

«Leandro era aluno de uma escola pública portuguesa como tantos outros. Tinha 12 anos. Um dia saiu da escola e atirou-se ao rio, estando desaparecido desde esse dia. Leandro não é uma personagem inventada para falar sobre violência nas escolas. É um caso real, a ponta do iceberg, de uma realidade que nos salta à vista e que muitos não querem ver. Sobre o caso fala-se em bullying (é um termo inglês utilizado para descrever actos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos, praticados por um indivíduo ou grupo de indivíduos com o objectivo de intimidar ou agredir outro indivíduo (ou grupo de indivíduos) incapaz(es) de se defender.). Vieram os comentários dos especialistas e dos curiosos. Falou-se de formação para os funcionários das escolas, dos comportamentos, da actuação de professores e dos órgãos de gestão das escolas e falou-se de muito mais coisas falando-se pouco do Leandro. Caso real. Caso real do que hoje se passa em tantas escolas, de forma mais contida ou mais exposta. A agressão entre alunos que se reveste cada vez mais de um consentimento calado de uma comunidade que não sabe como agir.
Pergunto eu, da minha admiração e espanto sobre o que li e ouvi, se não é altura de repensar algumas coisas. Primeiro que a questão não está na agressão em si mesma mas no que a esta leva. Depois porque hoje as escolas não são lugares de humanismo. São lugares de tecnocracia desproporcionada. E por fim, que a ideia de que a escola representa a sociedade é a mais errada de todas. A escola tem que ser um lugar utópico, por excelência, onde se pode fazer nascer uma nova visão e um novo modelo de sociedade. É lá que mora o conhecimento e a capacidade de imaginar, mais do que em qualquer outro. E isso, isso tem-se perdido e seria tão mais perfeito se fosse de facto pensado como projecto de uma escola ser diferente, pensar diferente, tentar ser melhor.
O Leandro merece todo o nosso respeito e todos os nossos pensamentos. Que a sua trágica história tenha sido para nos fazer pensar a todos no que temos que fazer…»

Até breve e parabéns por este excelente blog que nos faz pensar!
João Lima

João Adelino Santos disse...

Obrigado pela visita mas, acima de tudo, pelo texto que partilhas. Espero que contribua para a reflexão a fazer acerca da educação!
Abraço
João

Atena disse...

Emocionou-me o texto de João Lima. Desejo tenha sido lido e pensado por muita gente. É urgente repensar as escolas, é urgente que quem "vive" diáriamente nas escolas (todos) interiorize mais sériamente o papel que esta instituíção, tem na vida das crianças e nos seus futuros... no futuro das sociedades. Ser professor é muito exigente, mas ninguém é obrigado a sê-lo. Tem que ser algo desempenhado com espírito de missão. (Muitos são assim, mas muitos mais não são - infelizmente - e os exemplos que os adultos dão, são os modelos que as crianças seguem. Os pais têm obrigação de educar, mas os professores não têm menos. Os auxiliares também deveriam ser mais formados para perceberem o papel que desempenham, não é meramente limpar as salas e tirar fotócópias, é muito mais sério e exigente. E ser pai e mãe, não se explica aqui, é o milagre da vida, é o que mantém a humanidade - não se discutem as responsabilidades que deveriam ser totais, mas existem falhas também cujo preço é muito alto. Em atenção a estas falhas, diz a Lei que quando os pais se mostram incapazes cabe à escola e seus agentes intervir a bem da criança... Afinal está tudo comtemplado a bem das crianças, no seu superior interesse.
Será que todos cumprem o seu papel?
Certamente que não, mas pelo amor de Deus, que todos o falhem é demais... é demais e conduziu a esta tragédia da morte deste anjinho. Não gosto de culpar nada nem ninguém, prefiro arranjar formas de contornar os erros, mas nesta história já não há volta a dar e têm que se apurar responsabilidades por mais duras que sejam, para que, pelo menos sirvam de exemplo e não volte a repetir-se este final infeliz.