quinta-feira, 11 de março de 2010

Estatuto do Aluno: bons ventos o mudem

Que consequências tem trazido a aplicação do Estatuto no que à assiduidade diz respeito? Torna os professores menos eficazes, pois são obrigados a cumprir uma teia de burocracia que não lhes deixa o tempo necessário para o trabalho directo com os alunos e as famílias.
Se me pedissem para definir o presente Estatuto do Aluno numa palavra, diria "burocracia". Se me permitissem o uso de duas, adiantaria "burocracia e ineficácia". Por isso, recebi com satisfação a notícia de que ele iria ser alterado e deixaria de haver provas de recuperação para os alunos faltosos.
Sob a pretensa capa de rigor, os professores, particularmente os directores de turma (DT), têm vindo a ser, pelo actual Estatuto, obrigados a uma burocracia de contactos com os encarregados de educação (EE), independentemente de estes terem ou não justificado as faltas dos seus educandos; a uma burocracia de marcação de medidas de recuperação comunicadas por escrito aos EE (como se os professores não procurassem, até à existência desta legislação, recuperar os alunos das suas dificuldades); a uma burocracia de preparação, realização e correcção de provas de recuperação; a uma burocracia de realização de reuniões quando os alunos ficam "não aprovados" nessas provas. Dir-se-ia que a responsabilidade dos professores não existia antes e nasceu com este Estatuto. Nunca antes os professores se tinham preocupado em diminuir ou eliminar o absentismo dos seus alunos e nunca antes os haviam ajudado a ultrapassar as dificuldades causadas por faltas (evitáveis ou não) às aulas.
Que consequências tem trazido, na prática, a aplicação deste Estatuto no que à assiduidade diz respeito? Torna os professores menos eficazes, pois são obrigados a cumprir uma teia de burocracia que não lhes deixa tempo para o trabalho directo com os alunos e as famílias. Causa ansiedade e preocupação desnecessárias nos alunos e nos pais mais responsáveis. Em nada contribui para a promoção da responsabilidade da família e dos alunos absentistas. As três histórias que se seguem, apenas fictícias nos nomes, ilustram bem o que atrás fica dito.
Fátima era uma aluna assídua e responsável, quase sem faltas. Periodicamente precisava de consultas médicas nas horas de Formação Cívica. Depois de faltar à segunda aula, a directora de turma (DT), apesar de a mãe ter enviado a justificação, teve que lhe telefonar a "informá-la" do facto. Muito responsável, a mãe reagiu chorando e a DT precisou de 30min para a acalmar.
Marco, aluno assíduo e com excelente aproveitamento, sempre ansioso nos testes, ficou em pânico quando, depois de uma gripe que o fez faltar pela quarta vez a Área de Projecto, lhe viu ser marcada uma prova de recuperação.
Vânia era uma aluna muito pouco assídua. Sendo a sua família a mãe, que se repartia entre dois empregos, vivia em "autogestão", indo às aulas só e quando lhe apetecia. A cada falta injustificada, a DT precisava de telefonar à mãe, sendo raro o dia em que não tinha que o fazer, apesar de só haver um telefone na escola para todo o pessoal docente. Ultrapassado o limite de faltas de cada área curricular, os professores começaram a definir actividades de recuperação e a marcar provas de recuperação. Sem realizar as medidas e continuando a faltar, a Vânia ficou "não aprovada". Seguiram-se reuniões de conselho de turma obrigatórias e novas provas e respectivos trâmites burocráticos.
A falta de assiduidade é um problema sério, que requer tratamento por parte da escola, envolvendo os professores e, eventualmente, o serviço de psicologia e orientação, bem como entidades e serviços exteriores à escola, tais como a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Risco. Estes últimos nem sempre existem ou actuam na medida das necessidades, por circunstâncias várias que urge ultrapassar. Os professores são profissionais competentes e responsáveis, que precisam de tempo e de condições para definirem e levarem à prática as medidas mais adequadas para cada situação. Por outro lado, sendo o absentismo um problema social, com múltiplas causas, precisa, frequentemente, de uma resposta concertada de diversas entidades e técnicos e não apenas da escola e dos professores, conforme referi. Fatos comprados por medida e embrulhados em papéis e reuniões, como os que o Estatuto ainda em vigor impõe, apenas impedem os professores de terem tempo para, com autonomia e perante a especificidade de cada caso, poderem traçar e executar o plano mais adequado. Por isso, bons ventos levem o presente Estatuto do Aluno e tragam um instrumento que apetreche as escolas com algo útil e eficaz e sem burocracias nem fingimento de rigor.
Armanda Zenhas

1 comentário:

Anónimo disse...
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