sábado, 29 de março de 2008

Vazio legal não permite que crianças sobredotadas possam matricular-se no 1.º ano

António (nome fictício) sabe ler desde os quatro anos. É também desde essa idade que efectua operações matemáticas que não se aprendem no jardim-de-infância. António tem cinco anos e só faz os seis em 2009, mas poderia entrar no 1.º ciclo já no próximo ano lectivo, não fosse o vazio legal que o Decreto-Lei n.º 3/2008 criou para as crianças sobredotadas.
Actualmente, não existe legislação que possibilite a antecipação da entrada no 1.º ciclo às crianças que revelam ter capacidades acima da média. Só que, até agora, era possível fazê-lo, desde que a criança revelasse maturidade e que essa fosse tecnicamente comprovada por um psicólogo.
A legislação que entrou em vigor deixou os sobredotados de fora. "As situações de precocidade excepcional ficaram sem enquadramento legal", confirma a Direcção Regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo (DREL) aos pais de uma criança sobredotada, que colocaram a questão a este serviço do Ministério da Educação.
Nesta situação estão algumas centenas de crianças, calcula Helena Serra, presidente da Associação Portuguesa de Crianças Sobredotadas (APCS), do Porto. Mensalmente, cinco em cada 40 casos que acompanha na associação são de meninos nestas circunstâncias, revela.
Para os pais de António, "não é concebível" mantê-lo mais um ano no jardim-de-infância. "Ele lê e interpreta o que lê. Por isso, desinteressa-se do que os outros fazem. Diz que são bebés porque não sabem ler como ele e a educadora", conta a mãe, considera que, se não fosse tão pequeno, estaria apto para o 2.º ano.
Perante a resposta da DREL, a deputada independente Luísa Mesquita pergunta ao ministério qual é a solução que propõe; se estão previstas alterações legislativas que prevejam a sua inscrição antecipada e para quando.
Também a APCS e o Centro Português para a Criatividade, Inovação e Liderança (CPCIL), de Lisboa, já colocaram a mesma questão à tutela. E acusam-na de "retrocesso".
Em carta dirigida a Maria de Lurdes Rodrigues, a fundadora do CPCIL, Manuela Freitas, lembra que habitualmente, entre Fevereiro e Março, é enviado às direcções regionais uma circular para regulamentar o ingresso antecipado. "Pensamos que às crianças não devem ser retirados os direitos de aprender com o seu ritmo individual e não apenas segundo normas arbitrárias e reguladas pelo calendário", escreve Manuela Freitas.
Helena Serra, da APCS, diz que é uma "dor de alma" ver crianças com maturidade permanecerem no pré-escolar. Manuela Freitas refere o "sofrimento dos pais e das crianças por serem obrigadas a estar inseridas em grupos cujas actividades já nada lhes dizem". Algum do insucesso escolar dos sobredotados justifica-se por estarem desenquadrados na escola, explicam.
A lei esqueceu os sobredotados "de propósito" porque "dão mais trabalho na sala de aula", diz Helena Serra. Também Manuela Freitas aponta que "os professores do 1.º ciclo têm medo das crianças de cinco anos". Para Luísa Mesquita, o "vazio da lei não é intencional, é mesmo incompetência". A deputada lembra que esta questão foi colocada no Parlamento, aquando da discussão da lei, e que "o PS disse que se resolveria de outra forma". O PÚBLICO pediu esclarecimentos à tutela, mas não recebeu nenhuma resposta em tempo útil.
in www.publico.pt 29.03.2008

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