domingo, 11 de dezembro de 2022

A frase também merece atenção

Tal como o investigador da leitura Timothy Shanahan salientou, há muita investigação científica sobre a forma como os alunos aprendem a decifrar cada palavra escrita, e também acerca da compreensão global do sentido de um texto, mas não tanto sobre a tal «frase à qual ninguém presta atenção». Ainda assim, a verdade é que problemas de discernimento das frases podem criar entraves à compreensão.

Mais recentemente, Shanahan debruçou-se sobre a investigação que existe. Talvez a questão se prenda mais, como o autor aponta, com o aumento súbito dos estudos sobre a frase nos últimos anos, mas algumas das publicações que Shanahan refere remontam à década de 80.

Apesar de não haver conclusões definitivas, Shanahan afirma que os dados são suficientes para os professores «avançarem com alguma prudência» no ensino da frase. O autor oferece uma série de recomendações para o fazer, mas apenas uma delas implica a escrita.

Isto é natural, porque Shanahan se concentrou no que já foi estudado. Tal como referimos antes, a escrita não tem sido analisada de forma muito ampla, sobretudo se o compararmos com a extensa investigação de que a leitura foi alvo. Além disso, fez-se muito pouca pesquisa sobre a aprendizagem da frase, e menos ainda sobre frases acerca do conteúdo curricular. Mas dado aquilo que sabemos sobre o funcionamento da mente humana, essa escassez de investigação não deveria impedir os professores de avançarem nessa direção. E não diria que tem de ser «com alguma prudência». Defendo que devem ir em frente.

Razões para o êxito da instrução ao nível da frase

Está comprovado que é mais fácil adquirir informação nova — aprender — quando se tem conhecimento prévio relevante. Na leitura, podemos saber à partida alguma coisa sobre o assunto do texto que estamos a ler, mas também importa a cultura geral, o vocabulário e o nosso entendimento sobre o modo de construção das frases, a sintaxe.

Em termos sintáticos, a linguagem escrita é por norma mais complexa do que a oral. Em particular quando os textos se tornam mais elaborados, começam a incluir construções como cláusulas subordinadas, a voz passiva e uma maior distância entre o sujeito e o objeto (em vez de «O cão passou a correr pelo homem», podemos ter algo como «O cão com pelagem às manchas, castanha e branca, apesar de cansado de correr tanto, passou ainda assim a correr pelo homem de fato cinzento»). Mesmo que os alunos consigam entender conversas, ou até frases escritas em textos simples, podem ter dificuldades em interpretar o tipo de frases que surge muitas vezes em conteúdos escritos do ensino secundário ou nos jornais.

Isto pode acontecer mesmo que os estudantes já conheçam bem o assunto do texto. Há vários estudos que demostram que a compreensão de um texto é facilitada pelo domínio prévio do seu tema por parte dos leitores. Uma das investigações mais famosas nos Estados Unidos, conhecida como «o estudo do basebol», concluiu que na leitura de textos sobre este desporto, «leitores fracos» especialistas em basebol ultrapassaram «leitores bons» que não conheciam tão bem este desporto. Mas o excerto que lhes foi dado a ler era bastante simples: à exceção dos termos técnicos, tratava-se de uma descrição bastante clara de uma partida de basebol. Esses mesmos especialistas teriam certamente de se esforçar muito para conseguirem compreender uma tese de doutoramento sobre algum aspeto desse jogo.

Uma cientista que se tem vindo a debruçar sobre a frase, Cheryl Scott, partilhou num artigo o caso de um menino de dez anos que conseguia ler com propriedade e fluência, mas que tinha dificuldades em interpretar o que lia. O menino ouviu a leitura de um texto com a seguinte frase: «Rachel Carson, que era cientista, escritora e ecologista, cresceu na pequena cidade de Springdale, na Pensilvânia.» Os cientistas pediram depois à criança que lhes dissesse aquilo que tinha aprendido sobre Rachel Carson. «Elas cresceram juntas, na mesma cidade», respondeu ele. Para o menino, o sujeito da frase não era Rachel Carson, mas sim três pessoas diferentes: uma cientista, uma escritora e uma ecologista — porque estas palavras estavam mais próximas do verbo. Este tipo de erro não é incomum, como afirma Scott.

É óbvio que é importante conseguir identificar estes erros de interpretação. Podemos pedir aos alunos que expliquem, oralmente e por palavras deles, uma frase complexa que acabaram de ler ou que leiam a frase outra vez com uma entoação diferente — ambas práticas que Shanahan recomenda. Mas não seria ainda mais útil ensinar os alunos a construir frases complexas por si próprios? Se uma pessoa conseguir aprender a usar frases como a da descrição de Rachel Carson no exemplo anterior — em gramática chama-se um aposto —, não estará mais bem preparada para conseguir interpretar uma frase semelhante quando a ler?

Exercícios de escrita e compreensão de frases

Shanahan recomenda dois exercícios de escrita: a junção e a redução de frases. O primeiro implica transformar várias frases simples numa frase mais complexa. A redução de frases faz o oposto.

Estes exercícios são úteis até certo ponto, mas é claro que, para conseguirem fazer uma boa junção de frases, os alunos precisam muitas vezes de instruções detalhadas sobre as palavras que podem usar: um aposto, por exemplo, ou uma conjunção subordinada como «embora». Há muitos alunos que não conseguem ganhar habilidade para usar este tipo de estruturas frásicas apenas através da leitura.ndo escrevem sobre aquilo que estão a aprender, os estudantes reforçam tanto a compreensão como a memória.

Além disso, estas recomendações descuram a ligação entre a escrita e a aprendizagem. Vários estudos concluíram que, quando os estudantes escrevem sobre aquilo que estão a aprender, qualquer que seja o tema, reforçam tanto a compreensão como a memória. A ciência cognitiva explica porquê: um método muito eficaz de garantir que a informação é armazenada na nossa memória de longo prazo e que a conseguimos reaver mais tarde consiste em citá-la de cor e explicá-la a outra pessoa por palavras nossas. No fundo, isto é o que fazemos quando escrevemos.

Estudos sobre «escrever para aprender» poderão na verdade ter menosprezado os benefícios desta atividade porque, em termos gerais, não se debruçaram sobre a escrita ao nível da frase. Escrever é difícil, bem mais difícil do que ler, e escrever com pormenor é ainda mais difícil. É possível que os alunos tivessem mais capacidade cognitiva para compreender e reter informação se fossem orientados na escrita de frases curtas e isoladas sobre o tema.

Faria portanto sentido pedir aos alunos que se dediquem à junção e redução de frases sobre o conteúdo a aprender. Mas há outros exercícios sintáticos que podem ser ainda mais úteis à aprendizagem. Quando os estudantes juntam frases, ou as encurtam, as frases de que dispõem têm toda a informação de que precisam. Por exemplo, um exercício de junção de frases pode começar assim:
  • Rachel Carson foi cientista.
  • Rachel Carson foi escritora.
  • Rachel Carson foi ecologista.
  • Rachel Carson cresceu em Springdale, na Pensilvânia.
Um aluno seria capaz de juntar as frases anteriores para criar uma frase complexa, caso tivesse aprendido a usar o aposto:
  • Rachel Carson, cientista, escritora e ecologista, cresceu em Springdale, na Pensilvânia.
E se, em alternativa — e depois de ter aprendido quem foi Rachel Carson — se desse ao aluno a seguinte frase para completar:
  • Rachel Carson, ____________________________________, cresceu em Springdale, na Pensilvânia.
Para o fazer, o aluno teria de recuperar informação da qual talvez já se tivesse esquecido e de encontrar vocabulário para a expressar, aumentando a probabilidade de compreender e de recordar essa mesma informação. Ao mesmo tempo, o aluno estaria a aprender uma construção frásica que reforça as suas capacidades de escrita e de leitura.

Este exercício de criação de frases integra, com muitos outros, um método chamado «A Revolução da Escrita». (Sou coautora de um livro com o mesmo título; o método foi desenvolvido pela outra autora, Judith C. Hochman.) Este método vai além das frases, propondo a criação de textos argumentativos, mas as práticas ao nível da frase são alicerces fundamentais para a escrita autónoma de segmentos mais extensos.

É bom ver um investigador da área da leitura com a influência de Shanahan a defender a ideia de que precisamos de dar mais atenção à frase. Tenho esperança de que este e outros autores reforcem tal interesse e se concentrem em temas que vão além da instrução da leitura, tais como a ligação crucial que existe entre a leitura e a escrita, a construção de conhecimento e o desenvolvimento de vocabulário. O progresso nestes temas possibilitam tanto a escrita como a leitura.

Natalie Wexler

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