terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Mais do que da violência, professores queixam-se da indisciplina na sala de aula

Há uma preocupação social crescente com as questões da violência e da indisciplina nas escolas. Pedro Cunha, sociólogo, psicólogo e investigador na área da mediação e gestão de conflitos atribui essa preocupação ao aumento do conhecimento sobre a importância de o indivíduo exprimir adequadamente as emoções. Algo indissociável do conceito de inteligência emocional apresentado por Daniel Goleman nos anos 90.

Essa mudança, ocorrida nas duas últimas décadas, traduz-se na consciencialização da importância da gestão das emoções que, na visão do psicólogo, "faz com que hoje nas escolas haja uma preocupação notória na melhoria das relações interpessoais e no evitar de comportamentos antissociais".

É neste contexto, analisa o psicólogo, que surgem, "por defeito, nomes como bullying, cyberbullying ". "Fenómenos que nos colocam a todos numa linha de possibilidade de exclusão do outro, de uma forma dramática do ponto de vista emocional, porque há pessoas que não sabem exprimir adequadamente emoções a não ser por via da intimidação do outro." Explicações que ajudam a entender relatos pessoais e estatísticas.

Violência e indisciplina
Mesmo a designação genérica de "violência na escola" requer algumas especificações. Importa, por exemplo, precisar que violência e indisciplina são conceitos diferentes. De modo geral, a indisciplina divide-se em três grandes grupos.

A indisciplina da sala de aula. Referida como a que perturba mais os professores. Está fracionada com a tentativa de fazer com que os alunos estejam atentos e focados e ouçam aquilo que o professor diz. Essa, garantem os docentes, é a grande batalha, porque os alunos facilmente dispersam e estabelecem conversas paralelas que podem transformar a sala de aula num caos, dependendo da capacidade de controle do professor.

Mais mediaticos são os conflitos entre pares. É neste grupo que se insere o bullying e que a sociedade e os meios de comunicação tendem a chamar de violência. Dizem respeito a situações que sobem de tom, os comportamentos, as ações complicam-se.

Outro tipo de conflitos geram-se entre os professores e os alunos. Estes são, na maioria das vezes, casos que não podem ser resolvidos apenas pelo professor. Ou seja, têm de ser resolvidos pela direção da escola e órgãos intermédios, nomeadamente quando o professor é agredido ou quando é insultado.

De modo consensual, a maioria dos professores reconhece que as situações de indisciplina são mais frequentes nas escolas portuguesas.

Espaço propício a conflitos
"A escola é propícia e propiciadora de conflitos de relação, conflitos de interesses e conflitos de necessidades, passando por conflitos de valores ou crenças, pelo facto de as sociedades serem cada vez mais 'multi' (étnico, social, cultural, etc)", explica o psicólogo Pedro Cunha. Por essa razão, conclui, "não é imaginável que na escola não existam conflitos".

Sejam conflitos "relacionados com a construção da identidade de cada um, com as relações de poder entre as partes, com as questões de rendimento académico dos alunos, com o que os pais pensam sobre isso, com o relacionamento de todos com todos, desde a direção da escola, aos professores, aos funcionários não docentes até aos próprios alunos".

Se não se podem evitar, o que fazer com os conflitos? "Geri-los", responde o psicólogo, lembrando que "os conflitos também têm aspetos construtivos e edificantes da personalidade humana." Contudo, esta não é a visão que predomina na sociedade portuguesa. "Fomos todos socializados na ideia de que dos conflitos só podem provir aspetos nefastos e destrutivos para o ser humano e isto não é de todo verdade."

Gerir conflitos implica noções como mediação, negociação. Conceitos que Pedro Cunha explora no livro "Gestão de Conflitos na Escola", escrito em coautoria com Ana Paula Monteiro. Da experiência em ações de formação de professores e seminários nas escolas, o psicólogo constata a falta de preparação: "Os professores desconhecem como se pratica a negociação, como se faz a mediação escolar, como se faz a conciliação escolar, se é possível arbitrar ou é melhor conciliar o conflito, ou se é melhor ter alunos como mediadores?"

O tratamento de todas estas questões falha não apenas na escola, mas na sociedade em geral, defende Paulo Cunha, contrariamente ao que noutros países já acontece. A solução para gerir os conflitos em ambiente educativo passa precisamente por aqui, assegura.

Claudia Manata é professora há 30 anos e conta mais 10 anos a desenvolver ações de sensibilização nas escolas na área da indisciplina pelo Instituto de Apoio à Criança (IAC). Concorda com a opinião generalizada de que, mais do que as questões da violência contra professores e do bullying, o que mais perturba o funcionamento da escola é a indicisplina na sala de aula.

"A indisciplina na sala de aula é extremamente desgastante e é dessa que os professores mais se queixam. É muito complicado estar com um grupo de alunos que não se concentra, não está atento e não ouve nada."

De acordo com o último relatório do PISA, 50% dos alunos não ouve o que se passa na aula, ou seja, está desatento. "E a maioria não está propriamente em silêncio", confirma Cláudia Manata. "Estão a falar uns com os outros, a tentar mexer no telemóvel, a fazer coisas que perturbam a aula, porque obrigam o professor a parar de lecionar e estar constantemente a chamar à atenção."

O valor da educação
Quais são os fatores na origem deste problema? "Não desresponsabilizando os professores, nota-se que as famílias também não conseguem educar os filhos para que saibam estar." A resposta de Cláudia Manata surge sem hesitação. 30 anos de profissão chegam e sobram para saber que "são muitas as diferenças entre os miúdos acompanhados por pais que se preocupam e vêm às reuniões e outros em que isso não acontece. Mas infelizmente, esses são a maioria".

Tal como em muitas outras áreas, também em matéria de convivência escolar, os países do Norte da Europa servem de exemplo. Claúdia Manata vai recolhendo essas vivências de colegas que fazem intercambios. "Distinguem-se da realidade portuguesa pela forma como crianças e famílias encaram a escola. Veem a escola como um investimento para o futuro da criança, um local também de aprendizagem socioeducativa, onde as crianças aprendem a conviver, a estar, a respeitar o outro e os pais respeitam a escola."

Em Portugal, por mais que a professora lamente, "não é nada assim". "Aqui, numa turma de 25 alunos, aparecem dez pais nas reuniões com o diretor de turma." Quem é que está sempre ausente? "Os pais que precisavam mesmo de estar presentes, porque os filhos precisam de mais acompanhamento."

Problemas de saúde mental
Cláudia Manata acredita que a indicisplina está "claramente" relacionada com o aumento do número de crianças com problemas de saúde mental. "Cada vez há mais alunos que não estão bem psiquicamente, que são emocionalmente instáveis e não há psicólogos suficientes para fazer esse atendimento, nem nos centros de saúde, nem nas escolas onde às vezes há um psicólogo para dois agrupamentos." Crianças que ficam, por isso, sem o acompanhamento que precisam. Até por parte dos pais.

"Fui tutora de uma menina com esquizofrenia e – porque quis – cheguei a ir com ela às consultas no Hospital Júlio de Matos. Ia para apoiar a mãe que não podia faltar ao trabalho e para a miúda não perder a consulta. Isso não fazia parte das minhas funções", frisa a professora. "Há muita coisa que os professores fazem e ninguém sabe, só a escola. Por isso, entendo que as famílias têm de ter apoios suficientes e acompanhamento nos centros de saúde para poderem ajudar as suas crianças."

Professores cansados, pais em dificuldades
Cláudia Manata está segura de que muitas crianças não teriam tantos problemas se tivessem mais acompanhamento das famílias, mas entende as dificuldades por que passam muitos pais presos a uma rotina também ela desgastante. "As famílias também passam a vida entre a casa e o trabalho." Ora, no centro de Estocolmo, num dia de sol a partir das 16h00, pais e mães passeiam com os seus filhos nos carrinhos e convivem uns com os outros.

O envelhecimento da classe docente, lembra Cláudia Manata, não pode ser excluído do rol de fatores que enquadram a indisciplina nas escolas. "Com 55 anos não se tem, nem é suposto ter, a mesma paciência e a mesma rapidez de resposta e resolução de problemas que se tem aos 30 anos", atira.

Problemas de indisciplina e violência sempre existiram. É certo, mas muitos professores testemunham um agravamento das situações. Para Cláudia Manata, a justificação implica tanto os pais como os professores. "As famílias não estão bem, têm muitos problemas e dificuldades que fazem com que não tenham muito tempo para os filhos. Nós, professores, estamos mais velhos e também temos menos paciência. E nenhuma destas duas situações ajuda à resolução destes problemas."

Fonte: Educare

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