domingo, 23 de fevereiro de 2020

Autismo: os desafios do brincar e de usar o corpo

A Perturbação do Espetro do Autismo (PEA) é uma perturbação do sistema nervoso central que afeta o desenvolvimento da criança. É clinicamente caracterizada por dificuldades na comunicação e interação social e pela presença de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades. Para além destas características, muitas crianças com PEA experienciam dificuldades nos diferentes aspetos da práxis, associados a outros problemas sensoriais.

E o que é a práxis e para que serve?

A práxis é a capacidade de gerar uma ideia, formar um plano de ação e executar a tarefa motora, de forma a permitir uma interação efetiva e com significado com o meio. Envolve o processamento dos diferentes estímulos sensoriais de forma adequada, principalmente dos estímulos recebidos através do contacto com a pele, dos músculos, das articulações e do movimento. A observação, imitação e exploração com o corpo vão permitir que a criança fique com informações guardadas no cérebro sobre o próprio corpo e as suas possibilidades motoras, mas também sobre o ambiente. Estas informações que resultam da interação com o mundo são necessárias para desenvolver a aprendizagem de novas competências ao longo do desenvolvimento da criança.

A capacidade de conceptualizar e planear uma ação acontece quando o bebé começa a ter vontade de movimentar-se com uma intenção, que poderá ser agarrar a mãe, um brinquedo, descobrir as diferentes potencialidades dos objetos e brincar. Depois de ser criada a ideia, o planeamento das ações requer a noção da sequência das várias etapas, necessária para executar a nova tarefa motora. Nesta fase, a criança tem de saber onde, quando e como pode iniciar e realizar a tarefa, de forma a atingir o seu objetivo, produzindo uma resposta adaptativa. O feedback sensorial que vai tendo na experiência permite os ajustes do corpo e dos movimentos de forma a aprender uma nova sequência de movimentos. Quando existem problemas a este nível, as crianças podem apresentar mais dificuldades em ter novas ideias de brincadeiras/jogos, fazer construções, imitar ações, optando muitas vezes por brincadeiras que não são próprias para a idade ou são restritas e repetitivas.

Estudos mostram a existência de diferenças no funcionamento do cérebro em crianças com PEA. O processo da práxis acontece em várias estruturas cerebrais, tal como acontece na linguagem, podendo justificar as alterações sensoriais e motoras destas crianças. Reforçando esta ideia, a evidência científica sugere que os défices na práxis e nas competências do brincar também podem comprometer a participação nas ocupações diárias e as interações sociais.

Apesar de muitas vezes serem consideradas preguiçosas, distraídas, lentas, desorganizadas, desastradas, na verdade, estas crianças enfrentam verdadeiros desafios para realizar as suas ocupações diárias, tal como lavar as mãos, vestir, comer, utilizar o lápis, jogar em equipa, andar de bicicleta, comunicar. Na interação com o outro, pode observar-se dificuldade em antecipar ações, resolver problemas, adaptar novos comportamentos a situações inesperadas. Necessitam de um esforço acrescido e por vezes ajuda para iniciar e concluir as tarefas.

Crianças com problemas na práxis podem beneficiar do treino, com a repetição das ações, pistas visuais e verbais e de ajuda na execução dos movimentos. O adulto poderá dar nome às ações da criança, descrever a sequência das tarefas que realiza e promover a imaginação, perguntando à criança o que poderá fazer com os objetos.

É através das experiências sensoriais com toque, texturas, pressão, ritmo, movimento que a criança vai conhecendo melhor o seu corpo e novos padrões de movimento e isso permitirá maior sucesso nas interações com os outros e com os objetos.

Nesta era tecnológica, a experiência motora tem vindo a ser desvalorizada e isso terá, com certeza, um impacto no desenvolvimento das crianças.

Por isso, dedique tempo de qualidade e seja criativo nas brincadeiras com o seu filho.

Milene Matos

Fonte: Público

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