quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Apenas três sites da administração pública são acessíveis a deficientes

Portugal foi o primeiro Estado-membro a reconhecer a importância, em 1999, da acessibilidade dos sites e a aderir às diretrizes de acessibilidade do World Wide Web Consortium (W3C), mas 20 anos depois, apenas três em 124 sites da administração pública central são totalmente acessíveis a pessoas com deficiência, o que demonstra o muito trabalho que ainda há a fazer por parte das entidades públicas para garantir a todos os cidadãos a “acessibilidade web”. Esta expressão refere-se à criação de sites de forma inclusiva para que possam ser usados de igual maneira por pessoas com e sem deficiência. Vinte anos depois há também em vigor um novo decreto-lei sobre esta matéria, com objetivos e prazos bem definidos.

Em causa estão, por exemplo, as Diretrizes de Acessibilidade de Conteúdo da Web (WCAG, na sigla inglesa) que permitem que os conteúdos fiquem acessíveis a um maior número de pessoas com incapacidades, incluindo cegueira e baixa visão, surdez e perda de audição, incapacidades ao nível de aprendizagem, limitações cognitivas, movimentos limitados, incapacidades ao nível da fala e fotossensibilidade. O cumprimento destas diretrizes também facilita a utilização dos conteúdos da Internet por pessoas mais velhas. 

Para chegar a esta conclusão, o PÚBLICO submeteu no início de dezembro, as homepages na Internet de 124 entidades públicas à ferramenta AccessMonitor – http://www.acessibilidade.gov.pt. Em junho de 2017, o último relatório da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) visava 129 sites, mas entretanto cinco dessas entidades deixaram de ter página na Internet.

O AcessoMonitor verifica os níveis de conformidade de “acessibilidade web” em qualquer página da Internet. Esta ferramenta, muito usada nos estudos relacionados com a administração pública, foi criada pela Unidade Acesso da FCT, agência pública tutelada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

As páginas que surgiram com melhor classificação foram os do Centro de Gestão da Rede Informática do Governo, Instituto Nacional de Emergência Médica e a Direção-Geral do Ensino Superior, com a nota máxima de dez valores. A Direção-Geral do Território, o Instituto Português da Qualidade e a PSP apresentam pior classificação, com valores inferiores a 3,4.

Questionada (...), a secretária de Estado para a Inclusão das Pessoas com Deficiência, Ana Sofia Antunes, estando de “licença parental”, não esteve disponível para prestar declarações. E o Ministério da Presidência e da Modernização Administrativa não respondeu. 

"Não estou surpreendido com esses resultados de acessibilidade e estes trabalhos são muito importantes para dar relevância à necessidade de intervir na ‘acessibilidade web’. Hoje a Unidade Acesso integrou a AMA [Agência para a Modernização Administrativa] e temos em curso um conjunto de medidas para mudar este panorama, que não se vai conseguir alterar de um momento para o outro. Se conseguirmos que os sites de administração pública central subam um ou mais dois valores na avaliação durante os próximos anos, já vai ser bom”, disse o presidente da AMA Pedro Silva Dias.

O mesmo responsável adiantou ainda que passará a existir um “selo de acessibilidade de sites que se candidatam, podendo obter um dos três selos: ouro, prata ou bronze de acordo com boas práticas”. Caso não obtenham o selo “é-lhes fornecido um relatório com soluções para melhoria”.

“Não nos podemos comprometer que conseguimos mudar todos os sites num ano, no entanto com a campanha do selo de usabilidade e acessibilidade acredito que em um ano a média de acessibilidade dos sites vai melhorar", sublinhou Pedro Silva Dias.

Participar de forma mais aiva

Os sites acessíveis podem ajudar os cidadãos com necessidades especiais a participar de uma forma mais ativa na sociedade. No entanto, se as estruturas dos sites não estiverem bem programadas com textos corretos e figuras legendadas, deixam de ser acessíveis. A avaliação automática da “acessibilidade web” é muito importante para auxiliar os criadores do sites a interpretarem e aplicarem com mais facilidade as regras de acessibilidade.

O AccessMonitor realiza 86 testes que têm por base as diretrizes de acessibilidade de WCAG 2.0 (Web Content Acessibility Guidelines). Oito dos testes produzem um relatório qualitativo e 78 produzem um índice que varia de 1 a 10. Estes testes detetam se as imagens possuem legenda alternativa, se existem links que fazem ligação direta ao conteúdo principal, se a página respeita a cadeia hierárquica dos cabeçalhos e outras características que tornam os conteúdos acessíveis. 

“O validador automático AccessMonitor tem uma lógica das boas práticas. Não só diz os erros, mas também o que tem de bom”, explica Jorge Fernandes da Unidade Acesso e criador do AccessMonitor. “Também quando mostra o erro fornece solução e a informação contextualizada. É pedagógica. No entanto é uma ferramenta automática e tem as suas limitações”, acrescenta.

Apesar de ser sempre recomendada também uma avaliação manual, o AccessMonitor foi criado essencialmente para auxiliar os criadores do sites a interpretarem e aplicarem com mais facilidade as regras de acessibilidade. “Estas ferramentas são muito fáceis de usar e frequentemente as pessoas recorriam a ela para fazer o exame de acessibilidade. Também foi muito importante quando se pretendeu verificar se os sites dos diferentes organismos portugueses seguiam os requisitos e se estavam a adaptar-se de forma a que os seus conteúdos fossem acessíveis”, refere Luís Magalhães, antigo presidente da extinta UMIC – Agência para a Sociedade do Conhecimento.

Portugal adotou as Diretrizes de Acessibilidade de Conteúdo da Web versão 1.0 a 26 de agosto de 1999. A Resolução de Conselho de Ministros n.º 97 de 1999, além de referir que os sites tinham de satisfazer os requisitos de acessibilidade, também recomendava o uso de um símbolo que reconhece a acessibilidade. Nesta altura, os principais alvos da legislação portuguesa foram os sites da administração pública central. A nível mundial Portugal foi o quarto país, logo após do Canadá, os Estados Unidos da América e a Austrália.

Novo decreto de lei em vigor

Na terça-feira, entrou em vigor o decreto-lei 83/2018 sobre “acessibilidade web” e aplicações móveis. A nova legislação abrange a administração pública, Instituições de ensino superior, estabelecimentos de educação pré-escolar e de educação escolar públicos e privados com financiamento público e organizações não-governamentais que prestam serviços essenciais ao público ou a pessoas com necessidades especiais. A nova legislação também introduz prazos: os sites publicados a partir de setembro de 2018 têm de cumprir as novas regras de acessibilidade em setembro de 2019 e os sites publicados antes têm até 2020 para o fazer. Para as aplicações móveis o decreto-lei produz efeitos a partir de 23 de junho de 2021. 

O decreto-lei define que as entidades devem cumprir os requisitos de acessibilidade das diretrizes de percetibilidade, operabilidade, compreensibilidade e robustez. As entidades devem ainda proceder a uma monitorização através de uma validador automático ou semiautomático e os resultados devem ser tornados públicos.

Também refere que as pessoas com deficiência podem apresentar queixa por falta de acessibilidade à Secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, ao Instituto Nacional para a Reabilitação, à Comissão de Políticas de Inclusão das Pessoas com Deficiência do Conselho Nacional para as Políticas de Solidariedade e Segurança Social e às entidades competentes para a instrução do processo de contra-ordenação. “Atualmente há mais reclamações sobre questões de acessibilidade física. É necessário mais sensibilização e informação em relação à ‘acessibilidade web’, incluindo as responsabilidades das entidades", refere Paula Pinto coordenadora do Observatório de Deficiência e dos Direitos Humanos. “Em geral as reclamações são referentes a sites não acessíveis, mas que possuem o símbolo de acessibilidade”. 

A Agência para a Modernização Administrativa (AMA) é a entidade competente para o desenvolvimento das ações de acompanhamento necessárias ao cumprimento do decreto-lei, sendo também responsável por criar um observatório português que avalie e forneça os dados de acessibilidade. “Estamos a tentar retomar o observatório e que não fira suscetibilidades. Em 2015, quando foi lançado, houve queixas para desligarmos essa ferramenta de avaliação”, refere Jorge Fernandes. 

A Unidade Acesso que atualmente pertence à Sociedade de Informação da FCT é composta há mais de dez anos por apenas por duas pessoas. Com o novo decreto-lei a Unidade Acesso passará para a AMA. “Estamos com boas expectativas. Podemos novamente ter um momento interessante semelhante ao de 2008. O facto de juntar a equipas dá mais massa crítica para tal acontecer”, refere Jorge Fernandes.

“Portugal está muito bem em termos de serviços online públicos, mas estamos muito mal na utilização dos mesmos. Há uma quantidade gigante de portugueses que não utilizam esses serviços. É necessário aumentar as competências digitais dos portugueses, mas também é preciso baixar a exigência das competências digitais que são necessárias para utilizar esses serviços”, refere também. “Há um caminho grande a fazer do ponto de vista da acessibilidade e de usabilidade.”

Fonte: Público

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