sexta-feira, 22 de junho de 2018

O que vale a Educação?

Num tempo em que se vive nas escolas o final do ano letivo e se inicia a época de exames, momentos decisivos para muitos alunos (este ano marcados pela contestação dos sindicatos dos professores com greves às avaliações), julgo que vale a pena pensar sobre o lugar da Educação na nossa sociedade. Trata-se de uma breve reflexão sobre um tema que, na minha perspetiva, é, muitas vezes, encarado de forma paradoxal na medida que é valorizado no discurso como um fator decisivo para o desenvolvimento do país, mas é igualmente objeto de uma menor atenção se comparado com outros temas em termos de investimento e da centralidade que assume no espaço público.

É certo que a Educação constitui um esforço de todos (políticos, professores, pais, alunos, investigadores, etc.) pela sua importância decisiva na transformação da sociedade e no desenvolvimento das gerações futuras, mas importa perguntar qual é o verdadeiro valor da Educação? Até que ponto se lhe atribui, na prática, o lugar de destaque que merece (sobretudo se a compararmos com outros temas)? Atentemos, por exemplo, no modo como ela é encarada no espaço mediático onde se assiste, diariamente, a temas recorrentes e discutidos à exaustão, em horas e horas de debates na televisão e páginas e páginas nos jornais (já para não falar das redes sociais). Por outro lado, para além dos assuntos laborais, que são, sem dúvida importantes, que outros aspetos são discutidos no espaço mediático? Que lugar ocupa o trabalho das escolas, dos professores e dos alunos? De que modo se valoriza (ou não) a Educação como fator crucial para o desenvolvimento da sociedade e para a formação de cidadãos ativos? O que se conhece (ou não) sobre o que se tem vindo a fazer na investigação educacional e até que ponto ela é objeto de interesse e discussão? Qual é o lugar da investigação em educação e de que modo ela informa políticas e práticas?

Neste âmbito há uma constatação óbvia a fazer que se verifica em muitos países e também no nosso. É difícil resistir à tentação da mudança no campo da educação; sempre que há um novo governo há uma nova mudança, muitas vezes sem ter existido uma avaliação aprofundada e consequente das políticas desenvolvidas neste setor. A mudança é necessária, mas ela implica tempo, é um processo (e não um acontecimento) e requer o envolvimento dos agentes educativos, nomeadamente dos professores e dos alunos. Quais são os efeitos reais das medidas políticas na vida das escolas e dos professores e fundamentalmente nas aprendizagens e resultados escolares dos alunos?

A estabilidade e avaliação das políticas educativas e curriculares constitui um dos aspetos centrais na análise do sucesso dos sistemas educativos, assim como a valorização dos recursos humanos e as condições de realização do ensino e da aprendizagem nas escolas e nas salas de aula. Num estudo que realizámos, os professores admitiram que aumentou a burocracia (95,4%), que se acentuaram as críticas em relação ao seu trabalho (92,2%) e que aumentaram o controlo sobre o seu trabalho (75,6%) e a exigência de prestação pública de contas (74,6%). Além disso, uma larga maioria de professores refere que a informação veiculada pela comunicação social tem diminuído o prestígio da profissão (90,0%). O mesmo estudo aponta para vários temas que emergiram da análise do trabalho das escolas e dos professores: i) a intensificação e a burocratização do trabalho docente – relacionadas com o forte aumento do volume de trabalho, a diversificação de funções e de tarefas, a pressão dos prazos, a ocupação do tempo e o dispêndio de energia em tarefas burocráticas, que os professores consideram inúteis e ineficazes, desviando a atenção do que constitui a essência da sua profissão: ensinar. Esta asfixia burocrática que reina nas escolas acaba por retirar tempo e espaço aos professores para se dedicarem a tarefas didáticas e pedagógicas e diminuir a capacidade de reflexão em relação ao seu trabalho; ii) a precariedade laboral e o empobrecimento dos professores – associados à instabilidade profissional, à fragilidade dos vínculos contratuais, à ausência de perspetivas de progressão na carreira, entre outros fatores de natureza laboral; iii) a degradação da condição docente e da imagem social dos professores – assente, muitas vezes, em “narrativas” redutoras e simplistas sobre as escolas e os professores disseminadas no espaço mediático; iv) a tensão entre o desânimo e a resignação e a energia e a resiliência dos professores que decorre, por um lado, da intensificação do seu trabalho, da desconfiança e questionamento da imagem social dos professores, de perda de estatuto social e económico, da profusão legislativa e da avalanche de tarefas e responsabilidades com que são obrigados a lidar diariamente e, por outro, dos seus valores profissionais e do trabalho diário com os alunos.

Num outro estudo mais recente, quando se perguntou aos professores “se pudessem, abandonariam o ensino?”, 41,0% responderam não, mas 27,0% admitiram que sim e 32,0% optaram pelo talvez. As razões são várias e já conhecidas (que outras investigações também revelaram) mas são recorrentes as referências ao cansaço, à desmotivação, à tristeza, à desilusão e ao desgaste. São notas preocupantes que se prendem com a condição docente e com os fatores a que anteriormente aludimos: a burocracia asfixiante que condiciona o trabalho das escolas e dos professores, o “tsunami” legislativo que invade as escolas, a falta de reconhecimento do seu trabalho, a ineficácia das mudanças políticas na prática, mas também aspetos ligados à cultura e às lideranças escolares. Os professores que se dizem motivados e enérgicos referem-se sobretudo ao seu trabalho com os alunos na sala de aula e à essência da sua profissão e, nalguns casos, ao bom ambiente e às relações profissionais positivas com os colegas. A sala de aula emerge como espaço de autonomia e realização profissional por excelência, apesar de todos os constrangimentos e dificuldades, pois, para muitos professores, é aí que podem exercer o seu profissionalismo e envolver-se na criação de um clima positivo capaz de contribuir para o desenvolvimento de aprendizagens de qualidade com os alunos e de fomentar relações afetivas construtivas.

Num ano em que se comemora o 50º aniversário de uma obra que marcou, de forma indelével, os estudos educacionais, intitulada “A vida nas aulas” (Life in Classrooms), do norte-americano Philip W. Jackson, vale a pena recentrar e valorizar o trabalho diário dos professores. Jackson decidiu entrar na sala de aula e estudá-la a partir de uma nova perspetiva e para além do óbvio. Entre outros aspetos, na sua obra, publicada em 1968, destacam-se as ideias de “currículo oculto”, “afã quotidiano do ensino”, “as consequências não intencionais”, “os processos mentais” e “as conceções implícitas” dos professores chamando a atenção para a complexidade, multidimensionalidade e simultaneidade do ensino e para a necessidade de encontrar “o extraordinário no ordinário”. Ele acreditava que “as crianças têm a capacidade de ver o extraordinário no ordinário” e que as salas de aula eram “lugares especiais”. Jacskon também notou que os alunos gastavam parte do seu tempo à espera que algo acontecesse: à espera que o professor lhes desse os materiais, à espera que os alunos que necessitavam de mais tempo para responder às questões o fizessem; à espera que a campainha tocasse, etc. E hoje? Hoje, na era digital, os desafios são outros e as dificuldades são diversas, mas também existem outras possibilidades. Talvez os alunos ainda continuem à espera que algo aconteça…

Há, sem dúvida, aspetos que melhoraram, de forma significativa, na Educação em Portugal nas últimas décadas, mas há ainda temas que merecem atenção, que não são consensuais mas que são importantes, e eu até diria urgentes. Para além das condições de realização do ensino e da aprendizagem nas escolas e nas salas de aula, onde é necessária “mais pedagogia e menos burocracia” (como referem reiteradamente os professores nos estudos referidos anteriormente), é fundamental questionar e repensar modos de recrutamento e seleção de professores, mas também refletir sobre a sua formação, inicial e contínua, e já agora sobre a sua avaliação, de modo consistente, participado e consequente. É essencial investir na Educação de modo a que ela assuma a centralidade que lhe é atribuída no discurso, o que passa, entre outras vertentes, por uma maior atenção e visibilidade no espaço público.

Assunção Flores

Professora na Universidade do Minho, Investigadora no Centro de Investigação em Estudos da Criança (CIEC) e presidente da International Study Association on Teachers and Teaching (ISATT)

Fonte: Observador

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