sábado, 30 de setembro de 2017

Mais psicólogos, mais sucesso educativo, mais desenvolvimento e coesão social

Não é difícil concluir que só com a suficiência de recursos técnicos colocados atempadamente, os psicólogos poderão contribuir para a eficácia das medidas educativas em curso.

Factos. Em 2016 Portugal regista a taxa de insucesso escolar mais elevada da União Europeia, com início nos primeiros anos da escolaridade básica, e uma das taxas mais elevadas de abandono escolar.

Por isso, não importa que a Agenda 2030 da ONU, no âmbito dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, proponha assegurar uma educação inclusiva, equitativa e de qualidade para todos.

Não importa que o Programa Operacional de Capital Humano (POCH) defina como eixos prioritários a promoção do sucesso educativo, o combate ao insucesso e ao abandono escolar, a garantia de 12 anos de escolaridade ou o reforço da qualificação dos jovens para a empregabilidade.

Não importa que essa mesma proposta para a qualidade e inovação do sistema de educação e formação, sugira ativamente o reforço e desenvolvimento dos Serviços de Psicologia e Orientação, assumindo como meta de resultado 2023, um rácio de 1140 alunos por psicólogo.

Não importa que o contributo dos psicólogos escolares e da educação seja fundamental para a operacionalização destes planos estruturantes e para o cumprimento das metas definidas. Não importa, mesmo sabendo-se que o nosso país tem ainda uma taxa de abandono escolar precoce importante no contexto da União Europeia!

Não importa que no âmbito desse mesmo programa POCH tenha sido aberto concurso e se tenham libertado verbas de alguns 7 milhões de euros para a integração de mais 200 psicólogos nas escolas públicas portuguesas ainda este ano, e mais 100 até ao final de 2018, e nada tenha acontecido! Não parece importar a quem tem responsabilidades políticas…

Não parece importar que a Secretaria de Estado da Educação o tenha feito anunciar publicamente desde novembro de 2016. Não importa, porque hoje o dinheiro parado parece que rende e é moda. Rende no banco da persistência e agravamento de situações de risco de insucesso e abandono escolar e de exclusão psicossocial. Rende na inoperacionalidade das iniciativas destinadas a reverter esse mesmo insucesso. Rende nas taxas de crianças e jovens portugueses com problemas de saúde mental. Rende em resultados de medidas e práticas educativas pouco consistentes, descontinuadas ou ineficazes. Rende na sobrecarga para o escasso número de psicólogos colocados, alguns já com o ano letivo ao rubro, e que desumanamente se desgastam em kms percorridos entre escolas e agrupamentos, serviços e inúmeras solicitações que acabam por colocar em causa a qualidade dos serviços prestados… e que retiram oportunidades e espaço para uma agenda assente na prevenção e promoção, face ao foco quase exclusivo nas situações limite, com custos significativos para a eficácia e eficiência das suas intervenções.

De que estamos à espera? O ano está planificado, os projetos de escola e de turma delineados, as decisões e experiências assentes nas propostas de flexibilidade e autonomia em curso, e com elas o desenho de um currículo universal e acessível a todos.

Mas faltam ao sistema centenas de psicólogos para integrar as equipas multidisciplinares, dos quais 200 já têm financiamento para poder contribuir com a sua especificidade técnica, científica e pedagógica. E esta não é substituível! Há ainda alunos a aguardar uma avaliação cuidada e uma intervenção especializada; há professores e pais a aguardar a mobilização de respostas e de estratégias de intervenção e de educação; há programas e projetos para a promoção do desenvolvimento socioemocional que não podem ser colocados ao serviço de uma escola que pretende ser psicologicamente saudável e combater a indisciplina e a violência. Não é difícil concluir que só com a suficiência de recursos técnicos colocados atempadamente, os psicólogos poderão contribuir para a eficácia das medidas educativas em curso. Com suficiência e com vontade e ação política!

Se há verbas libertas, porque não as colocamos ao serviço de um ano letivo com mais oportunidades, mais sucesso, mais educação, mais desenvolvimento e coesão social?

Sofia Ramalho

Vice-Presidente da Ordem dos Psicólogos Portugueses

Fonte: Observador por indicação de Livresco

Acesso ao ensino superior vai ser mais fácil para os alunos dos cursos profissionais

Os exames nacionais vão deixar de contar para a média final do ensino secundário dos alunos dos cursos profissionais e do ensino artístico especializado. Segundo o Conselho das Escolas (CE), que é o órgão que representa os diretores dos estabelecimentos de ensino, esta é uma das alterações ao modelo de avaliação dos estudantes que estão a ser preparadas pelo Ministério da Educação (ME).

Questionado (...), o ME indicou que “não confirma, nem comenta, por esta ser uma proposta ainda protegida por confidencialidade”.

Mas um projeto do Governo nesse sentido foi submetido a parecer do CE, que se pronunciou sobre ele na quinta-feira. O presidente do CE, José Eduardo Lemos, indicou (...) que nesta proposta se prevê que os alunos do ensino profissional e artístico passem a fazer só o exame que conta como prova de ingresso na faculdade que escolherem e que essa prova não contará para a média final do ensino secundário.

O CE não concorda. Considera que, com esta medida, “estarão criadas condições de manifesta desigualdade de oportunidades no acesso ao ensino superior”. Razão: na fórmula de cálculo para o acesso a uma universidade ou politécnico a média final do secundário tem um peso de 50%. E a contribuição dos exames para esta média é relevante.

Exames baixam médias

“De facto, sem margem para dúvida, diz-nos a observação da realidade, nomeadamente a comparação entre classificações internas [notas dadas pelos professores] em cada disciplina e as respetivas classificações finais (ponderadas as classificações de exame) que estas [últimas] são significativamente inferiores às classificações internas”, observa o CE no seu parecer. Assim, resume José Eduardo Lemos, “os exames fazem baixar a média final do ensino secundário” dos alunos.

Se estas provas deixarem de contar para a média final dos que frequentam cursos profissionais, “cria-se, objetivamente, uma condição de vantagem face aos alunos dos cursos científico-humanísticos”, considera o CE. Isto, porque estes últimos são obrigados a fazer quatro exames nacionais no secundário, contando cada um deles 30% para a nota final de cada disciplina sujeita a avaliação externa.

Atualmente, ao contrário dos alunos dos cursos científico-humanísticos, os do profissional e artístico não precisam de fazer exames para concluir o secundário. Estes só são obrigatórios no caso de pretenderem prosseguir estudos no superior. Neste caso, têm de fazer dois exames: o de Português e outro que funcione como prova de ingresso para o curso que escolherem e que tem de ser selecionada do currículo em vigor para os cursos científico-humanísticos. Estas provas contam 30% para a sua média final.

Assim, na prática, os alunos do ensino profissional e artístico especializado acabam por ter de fazer exames a disciplinas que não constam do seu plano de estudos, já que a única que têm em comum com os cursos científico-humanísticos é a de Português.

Poucos no superior

Esta situação tem sido alvo de críticas por parte de escolas, alunos e pais. E também por parte do grupo de trabalho nomeado pelo ministro da Ciência e do Ensino Superior, Manuel Heitor, para fazer uma proposta de alteração às condições de acesso ao superior. Uma das propostas foi precisamente a de pôr fim aos exames nacionais nos cursos profissionais, criando-se em alternativa um concurso especial de acesso para os alunos desta via.

As alterações não foram por diante porque, segundo Manuel Heitor, não geraram ainda o consenso necessário. Uma das principais vozes críticas foi a do Conselho Nacional de Educação (CNE), que é um órgão consultivo do Parlamento e do Governo. O CNE considerou “prematura” a solução apontada para o ensino profissional.

Na altura, o presidente da Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior, João Guerreiro, considerou que o adiamento das alterações ao acesso vai prejudicar, sobretudo, os alunos do ensino profissional. “Há um fluxo enorme de alunos que sai dos cursos profissionais e que não tem sido bem tratado”, disse.

Os alunos dos cursos profissionais representam cerca de 45% do total de estudantes do ensino secundário, mas são poucos os que chegam ao ensino superior. Numa entrevista recente (...), Manuel Heitor dava conta que em 2015/2016 apenas 15% prosseguiram estudos no superior, enquanto esta percentagem era de 80% nos cursos científico-humanísticos.

Fonte: Público

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Educação Inclusiva e autarquias

Cabe, como ponto prévio, reconhecer o grande esforço que tantas e tantas autarquias do país fazem para apoiar o desenvolvimento de projetos inclusivos. Muitas vezes esses projetos não se vêem a olho nu, não são imediatamente identificados como projetos de Educação Inclusiva. Por exemplo, quando uma autarquia consegue remover as barreiras de acesso a um jardim público, não parece ser uma medida com um impacto direto na Educação Inclusiva, mas é. Quando uma autarquia decide incluir no caderno de encargos dos transportes públicos a obrigatoriedade de um acesso universal, pode não parecer uma medida de Educação Inclusiva, mas é. Daqui se pode entender um aspeto fundamental: o campo de atuação e de abrangência da Educação Inclusiva é muito mais lato do que o que é delimitado pelos muros da escola. Mesmo que tudo fosse acessível dentro da escola (e infelizmente ainda estamos longe de poder celebrar esta acessibilidade para todos dentro do espaço escolar) a exclusão estaria à espera – e agressivamente – à saída da escola a confinar, a restringir a vida acessível ao espaço intramuros da escola. Sempre que uma autarquia torna um espaço acessível está a contribuir para uma Educação Inclusiva.

Mas o alcance das autarquias vai além desta intervenção nos espaços públicos. Temos tido abundantes e positivos esforços feitos por autarquias que conseguem, mesmo no meio de constrangimentos financeiros muito condicionantes, reservar meios e financiamento para apoiar as escolas nos seus projetos de se tornarem mais equitativas e inclusivas. Sabemos o quão duro é este processo, é optar por não fazer algo, para encontrar meios para fazer outra coisa, é pagar mais, é desviar recursos, é alterar escolas de trabalho, etc. Falaremos sobretudo da requalificação dos espaços escolares. Em alguns casos este património foi deixado tão vulnerável ao desgaste que as escolas parecem espaços de passagem, abandonados, impessoais e muitas vezes degradados. Os custos deste abandono são enormes e citaria só dois deles: é conhecido que a utilização de espaços degradados é em si própria encorajadora de atitudes e práticas de desprezo destes espaços. Nada melhor para deseducar os nossos alunos sobre limpeza, cuidado com as instalações, higiene, etc. do que fazê-los frequentar escolas sem manutenção, sem cuidados na qualidade do seu espaço. Um segundo fator é o custo do abandono do espaço dos recreios. Há pouco tempo quando visitei uma escola de 1.º e 2.º ciclo, a diretora da escola mostrou-me, orgulhosa, o recreio. Realçou o seu grande tamanho, que, na verdade era impressionante. Mas… o que era o recreio? Era um enorme espaço de alcatrão com umas árvores medrosas a assomar aqui e ali. O que se espera que as crianças façam num recreio destes? Espera-se que corram, que fujam, que se apanhem, que sentem a um canto com os seus telemóveis. É isso que queremos que sejam os nossos recreios? Lugares áridos, de revestimentos agressivos, sem mostrarem qualquer hospitalidade e recetividade para fazer jogos (materiais?), para brincar (equipamentos?), para fazer alguma atividade motora que não seja andar, sentar ou correr desenfreadamente. Lugares que convidem a procurar écrans e não pessoas?

Quando ouvimos tantas candidaturas autárquicas a acenar com tantos e tantos milhões para investir na recuperação do parque escolar cabe-nos perguntar se o parque escolar precisa só de ser recuperado ou precisa de ser remodelado, de ser (re)concebido em termos de promover a existência de escolas em que os alunos se sintam bem-vindos, em que sintam que os espaços da escola – bonitos e limpos – são seus e foram concebidos para os receber. Recuperar o parque escolar é muito mais do que só pintar paredes e empreender trabalhos de construção civil: é reconfigurar a escola como um espaço para todos e para cada um, enfim, como um espaço inclusivo.

Num tempo em que muitas equipas da direção das autarquias vão mudar ou encontrar um novo fôlego para organizar a vida dos seus munícipes, é um bom tempo para afirmar que, para se consumarem objetivos inclusivos na educação, não basta “mais do mesmo”. É essencial trabalhar com as escolas, ser audacioso e criativo para não termos escolas recuperadas só na sua arquitetura, mas recuperadas na sua conceção, de forma a que possam servir novos e diferentes objetivos daqueles para que foram criadas. Para isso precisamos de arquitetos, precisamos dos professores, precisamos de pessoas que pensem de novo os espaços escolares. Alguém disse que a arquitetura é determinante para a pedagogia. Certamente que é, mas a pedagogia tem que assumir a sua responsabilidade de intervir nos espaços públicos e escolares para melhorar a sua qualidade em termos de inclusão – a sua “inclusividade”.

As autarquias devem continuar a estar ao lado da Educação Inclusiva, apostando em escolas ricas, diversas e acolhedoras e em espaços públicos que sejam convidativos para todos.

David Rodrigues

Presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial. Conselheiro Nacional de Educação

Fonte: Público

Regulamento de Atribuição de Bolsas de Estudo para Frequência do Ensino Superior de Estudantes com incapacidade igual ou superior a 60 %

O Despacho n.º 8584/2017 aprova o regulamento de atribuição de bolsas de estudo para frequência do ensino superior de estudantes com incapacidade igual ou superior a 60 %, com aplicação a partir do ano letivo de 2017-2018, inclusive.

São abrangidos pelo presente regulamento os estudantes matriculados e inscritos em cursos técnicos superiores profissionais ou em ciclos de estudos conducentes aos graus de licenciado, de mestre ou de doutor nas instituições de ensino superior a que se refere o n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro, que demonstrem possuir um grau de incapacidade igual ou superior a 60 %.

A bolsa de estudo é uma prestação pecuniária, atribuída, de uma só vez, aos estudantes avaliados nos termos previstos no regulamento, com valor igual ao definido no n.º 2 do artigo 161.º da Lei n.º 42/2016 de 28 de dezembro

As bolsas de estudo são atribuídas, anualmente, aos estudantes que submetam requerimento para esse efeito no sítio da internet da Direção-Geral do Ensino Superior, e que detenham, cumulativamente, os seguintes requisitos:
a) Estejam matriculados e inscritos em instituição de ensino superior;
b) Comprovem possuir um grau de incapacidade igual ou superior a 60 %;
c) Tenham situação tributária e contributiva regularizada.

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Cinco perguntas, cinco respostas com David Rodrigues

1 – O professor David Rodrigues é, atualmente, uma referência a nível nacional e internacional no mundo da Educação, mais concretamente na Educação Especial. Que vivências o moveram para os importantes contributos que tem dado a esta área?

Deixe-me dizer que não tive nenhuma epifania… O meu interesse pelas pessoas com deficiência – sobretudo as mais jovens – foi-se cimentando ao longo da relação que estabeleci com elas.  Uma questão que me lembro sempre de ter estado presente nas minhas reflexões foi o esforço para me colocar no seu lugar. Como seria a minha vida se não andasse? Se não me fizesse ouvir? Se não visse?  Acho que este pensamento, digamos de empatia, sobre as pessoas com deficiência, levou-me rapidamente à defesa dos seus direitos e daqui à advocacia da sua inclusão.


2 – A área da Educação Especial tem vindo a sofrer evoluções ao longo dos tempos num percurso que se quer e se avizinha cada vez mais inclusivo na nossa sociedade atual. Como encara o modus operandi desta área nas escolas?

Esta evolução para escolas que tenham práticas efetivamente inclusivas é um caminho necessariamente longo e contraditório.  Não podemos esquecer que a escola – aquela instituição a que naturalmente chamamos “escola” – é fruto de uma construção de centenas de anos.  A escola construiu-se para transmitir, para receber o conhecimento ao mesmo tempo e no mesmo ritmo que os outros e também para selecionar os melhores.  Ora hoje as necessidades a que a escola tem de responder são completamente diferentes: a escola quer construir e criar conhecimento, quer personalizar os sistemas de aprendizagem e quer que todos tenham sucesso.  Como se vê é uma viragem de 180º na filosofia da escola.  Assim é natural que seja custosa e demorada. Parafraseando Gil Vicente: “todo o mundo” quer mudança mas “ninguém” quer mudar.  Quer dizer: a vontade de mudar é maior do que a operacionalização destas mudanças.


3 – Foi dado a conhecer recentemente a proposta de alteração ao Decreto-lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro. Um documento que está em discussão pública até 30 de Setembro e que vem recentrar o conceito Inclusão. Quais considera serem os pontos fortes desta nova perspetiva sobre a Educação Especial?

O ponto certamente mais forte tem a ver com o facto do projeto de diploma apontar para uma ideia claramente inclusiva. Deixa de se falar em categorização e em necessidades educativas especiais e considera-se que é responsabilidade de toda a escola educar todos os alunos recrutando os meios necessários para que todos aprendam. De certa forma há um inconformismo neste projeto com o insucesso e com o abandono escolar.  Recentemente num documento produzido pela UNESCO escreve-se “Todos os alunos contam e contam igualmente”.  É certamente essa a parte forte e inovadora deste documento.


4 – O Professor de Educação Especial é uma figura de referência dentro das escolas ainda que, em muitos casos, tenha uma multiplicidade de papéis onde se confundem as suas funções e o seu papel. No seu ponto de vista, qual deve ser o trabalho e principalmente o perfil de um professor de Educação Especial?

Precisamos de continuar a discutir o papel do Professor de Educação Especial numa escola inclusiva.  Será certamente um perfil multifacetado em que ao lado da intervenção direta se veja a consultoria, o apoio à diversificação de métodos, estratégias e avaliação do currículo, apoio às famílias, etc.   O professor de Educação Especial é um elemento fundamental para a promoção da inclusão porque permite articular o trabalho dos diferentes técnicos, dos diferentes professores e das famílias com a escola.  A Pró – Inclusão tem intenção de desenvolver em 2018 um trabalho sobre este assunto do perfil profissional.


5 – Abordando a Educação de uma forma geral e cruzando com estudos recentes que indicam, por exemplo, as grandes dificuldades na área da aprendizagem da leitura e da escrita no 1ºciclo; as famílias que não conseguem apoiar os seus filhos; a falta de recursos apontadas por muitas escolas e professores, que caminho tem a escola ainda que percorrer nas políticas educativas que permitam ultrapassar estas dificuldades?

A escola já andou muito caminho. O desafio de uma escola para todos é ciclópico.  Lembro-lhe que quando eu terminei o meu 4º ano só eu fui, entre todos os meus colegas fui, na altura, para o liceu.  Consistentemente temos tido melhorias no nosso sistema educativo o que é verificado não só pela nossa avaliação mas também por avaliações internacionais. O que nos falta?  Não lhe sei responder categoricamente a esta pergunta. Nuns lugares faltarão umas coisas e noutros outras.  O que sabemos hoje é que a organização e a cultura da escola têm uma enorme importância.  A formação e o apoio aos professores são também fatores determinantes e ainda que o desenvolvimento da sociedade tem efeitos claros na melhoria da escola.  Eu diria aos alunos, aos professores, às direções dos agrupamentos, às famílias, às autarquias que cada um de nós tem de fazer a sua parte. Com brio, com competência, com generosidade e espírito positivo.  As pessoas que só culpam os outros desistiram de se mudar e mudar a realidade em que vivem. Precisamos de contar com pessoas que assumam o risco de mudar e de inovar. A inclusão depende muito disto.


Nota Biográfica: DAVID RODRIGUES é Presidente da Pró-Inclusão / Associação Nacional de Docentes de Educação Especial, diretor da Revista “Educação Inclusiva” e membro do Centro de Investigação do IE/UL. Professor de Educação Especial doutorou-se em 1987 e obteve o título de agregado em 1999. Lecionou na Universidade de Lisboa e noutras universidades portuguesas (Porto, Lisboa, Açores e Coimbra) e estrangeiras (KU Leuven – Bélgica, VSU – EUA e UNICAMP - Brasil). Trabalhou em projetos internacionais para a UNESCO, UNICEF e Handicap Internacional e OCDE. É conferencista convidado em Espanha, Reino Unido, França, Brasil, Estados Unidos, Colômbia, Cabo Verde, México e EAU – Dubai. Publicou 30 livros e dezenas de artigos em revistas da especialidade. Recebeu em 2007 o Prémio de Investigação “União Latina” e em 2017 foi agraciado com o “Distinguished International Leader Award” pelo Council for Exceptional Children – DISES (EUA).É desde junho de 2015 Conselheiro Nacional de Educação.

Por Maria Joana Almeida

Medidas de inclusão de cidadãos com necessidades especiais na sociedade de informação

A Portaria n.º 286/2017 define os modelos oficiais e exclusivos do cartão de cidadão, os elementos de segurança física que o compõem, os requisitos técnicos e de segurança a observar na captação da imagem facial e das impressões digitais do titular do pedido e ainda as medidas concretas de inclusão de cidadãos com necessidades especiais na sociedade de informação, a observar na disponibilização do serviço de apoio ao cidadão.

Os serviços de receção dos pedidos do cartão de cidadão devem funcionar em condições que favoreçam o respeito pela legislação relativa à inclusão de cidadãos com necessidades especiais na sociedade de informação.

A educação do futuro já começou

O futuro da educação está nas novas tecnologias? Está numa maneira diferente de ensinar? Estão os professores preparados para o fazer?

Já todos vimos fotografias de uma sala de aula do século XIX e como não faz grande diferença de uma do século XXI. O quadro negro foi substituído por um quadro interativo; as velhas carteiras de madeira pesada por mesas e cadeiras feitas de materiais mais leves e ergonómicos; o estrado desapareceu e o professor percorre agora os intervalos que separam as mesas. Conseguimos imaginar que daqui a meio século uma sala de aula possa ser muito diferente? E, por consequência, a forma de ensinar também?
Atualmente existe um projeto promovido pela European School Net (ESN) que nos ajuda a antever como será uma sala de aula do futuro – e que é já uma sala de aula do presente, uma vez que algumas escolas, mais de três dezenas em todo o país, estão a por esta ideia em prática.
Trata-se de uma sala onde além das mesas e cadeiras também podem existir sofás ou poufs porque os alunos não estão todos a fazer o mesmo, ao mesmo tempo. O desafio para professores e alunos é diferente, em vez do ensino transmissivo, procura-se ensinar com espaços de interação, de projeto, de investigação, explica Ana Pedro, professora universitária a trabalhar no projeto Future Teacher E-ducation Lab, do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, coordenado pelo professor João Filipe Matos, e responsável pela formação de futuros e atuais professores.
Na Universidade de Lisboa este espaço surgiu há três anos, em colaboração com a ESN, para formação inicial e contínua dos professores. A ideia é desenvolver novas metodologias recorrendo não só às novas tecnologias como a novos espaços educativos.
Além da formação, o projeto – “é o único em contexto europeu”, garante Ana Pedro – procura ainda fazer a articulação com parceiros empresariais e tecnológicos, da área do mobiliário e equipamentos à das novas tecnologias com o intuito de pensar sobre novas formas de ensinar. Os formandos saem dali com ferramentas que podem aplicar no seu dia-a-dia, numa escola que se quer mais próxima dos alunos e que não se limita a transmitir conhecimentos.
Para Filipe Oliveira, professor no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) da Universidade de Lisboa e coordenador do programa de metas curriculares de Matemática do ministério de Nuno Crato, não conhece “em profundidade” o projeto mas tem, à partida, uma “opinião muito negativa do argumentário que [o] acompanha”. A inovação não é uma novidade na educação, defende, lembrando que se procurou, desde sempre, do aparecimento da imprensa, passando pela invenção do cinema, rádio e televisão, levar todas essas novidades para a escola. “Vivemos apenas mais uma iteração deste tipo de fenómeno com o aparecimento da tecnologia moderna e da Internet”, acrescenta.

Portugal é o país com mais salas de aula inovadoras

A primeira sala de aula do futuro – Ana Pedro prefere chamar-lhe “ambientes educativos inovadores” porque é disso que se trata, afirma – nasceu em Setúbal, na Escola Secundária D. Manuel Martins, em 2014, e Carlos Cunha é o responsável pela mesma.
O professor de Física e Química explica que esta é exatamente igual à primeira, criada em Bruxelas – trata-se de uma sala com cinco espaços para criar, investigar, apresentar, partilhar e desenvolver.
Estas áreas permitem que os alunos aprendam num ambiente mais dinâmico, onde se estimula a interdisciplinaridade e a articulação curricular entre as diferentes matérias das diversas disciplinas. E onde, acrescenta o professor, se convida o aluno a trazer os seus equipamentos e a usá-los em sala – bring your own device.
Para Filipe Oliveira a tecnologia deve ser introduzida “com cautela”. “Desde sempre que as aulas tiveram momentos expositórios e momentos em que os alunos têm autonomia para resolver problemas, não estando todos necessariamente a fazer o mesmo”, ressalva. “Pensar que isso apenas acontece se se colocarem poufs para os alunos se sentarem com os seus tablets chega quase a tocar, na minha opinião, o ridículo. Para obter sucesso, há um trabalho sério e irredutível que o aluno deve desenvolver”, acrescenta.
Neste momento existem em Portugal 34 salas, em 30 agrupamentos, em escolas, escolas profissionais, colégios, centros de formação e uma no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa.
Em termos de alunos serão aproximadamente 25.000 os envolvidos, informa o Ministério da Educação (ME). “Naturalmente que a ocupação varia consoante a planificação anual de cada escola/agrupamento”, explica ainda fonte da tutela. Ou seja, a mais-valia deste projeto, e também o seu sucesso em Portugal – em resposta por email, o ESN refere que este é o país onde há mais salas – é que cada agrupamento adapta-o às características dos seus alunos. Na prática, estas salas abrangem quase 2% dos mais de 1,4 milhões de alunos do ensino básico e secundário no país

Romper com os hábitos dos professores

Mas este não é o único programa implementado com o objetivo de mudar a forma como se ensina e como se aprende. Também a Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) apoia alguns agrupamentos que, com a ajuda das novas tecnologias, trabalham com os alunos para que melhorem os seus resultados académicos.
Carmelo Rosa, responsável pela pasta da Educação na FCG refere um programa que está a ser aplicado nas escolas alentejanas da Vidigueira, Vendas Novas e Ponte de Sor onde os professores, sem descurar as disciplinas tradicionais, como o Português ou a Matemática, introduzem novas componentes de educação artística ou de novas tecnologias, além de fazerem a transversalidade das várias cadeiras.
“A flexibilização do currículo que o ministério agora implementou, nós já a estávamos a promover”, resume o responsável.
Recorde-se que este ano, o ME permitiu a flexibilidade curricular em 231 escolas e agrupamentos, cerca de um quinto das escolas públicas, desafiando-as a definirem 25% da carga horária letiva.
Algumas destas escolas não avançaram porque os professores foram resistentes à ideia. Se Ana Pedro elogia os docentes, lembrando que estes são reconhecidos como inovadores em projetos e programas europeus, Carlos Cunha defende que o ensino poderia estar muito mais desenvolvido se os docentes não pusessem tantos entraves à mudança.
Para Carla Carriço, da direção do agrupamento de escolas de Atouguia da Baleia, que também tem uma sala de aula do futuro, inicialmente criada para que os alunos melhorassem os resultados a Matemática, a “parte mais difícil” desta iniciativa “são as pessoas”.
“Passinho a passinho, muito devagarinho, vamos conseguindo alterar comportamentos”, acrescenta. Para isso é preciso conquistar os docentes, dar-lhes formação, mas a verdade é que “os professores continuam muito agarrados aos programas, têm de os cumprir para preparar os alunos para os exames pois os resultados destes são a imagem da escola”, justifica ainda a professora de Inglês que, sempre que pode, utiliza a sala de aula onde pode por os alunos a fazer um trabalho mais ativo e participativo.
“É preciso romper com aquilo a que o professor está habituado. Costumo dizer que entre as 8h30 e as 13h30, um professor dá três palestras, por vezes dá uma ficha, depois faz um teste e passa à frente. Esta sala é um espaço exigente porque o professor tem de se preparar, propor, assistir ao projeto e avaliar o produto final”, enumera Carlos Cunha, da secundária de Setúbal.

“Um movimento de baixo para cima”

Por isso é preciso formação. Além do espaço do Instituto de Educação existem propostas para os docentes nos Centros de Formação das Associações de Escolas, existe ainda um grupo de oito professores que são “embaixadores dos Laboratórios de Aprendizagem” que é uma iniciativa ligada a esta das salas de aula do futuro, informa o ME. Por exemplo, Carlos Cunha recebe a um ritmo quase mensal grupos de professores de outros países europeus que visitam a sala da escola setubalense e têm muitas das dúvidas que têm os colegas portugueses.
Ana Pedro lembra o sucesso dos chamados “ambientes educativos inovadores” se deve às escolas porque são eles que, por iniciativa própria e a partir da identificação das suas necessidades criam as salas. “É um movimento ‘de baixo para cima’”, diz a investigadora. “Uma das características desta iniciativa é ser, precisamente, de baixo para cima, ou seja, é sempre iniciativa das escolas e agrupamentos”, confirma o ministério.
“Um do aspetos mais marcantes e positivos do caso português, que é já um case study na Europa, é o facto de as salas de aula, serem todas diferentes umas das outras, pois tentam responder às preocupações de cada agrupamento, ainda que haja cinco ou seis itens comuns, que estiveram na génese de cada uma”, continua a tutela, acrescentando que são as escolas que “apostam mais numa ou noutra área, de acordo com aquilo a que as direões, os conselhos pedagógicos e a comunidade educativa acham por bem responder”.
E as direções procuram junto de parceiros nacionais ou locais forma de abrir uma sala de aula do futuro numa ou mais escolas do seu agrupamento. Por exemplo, a segunda sala abriu na Atouguia da Baleia graças ao apoio da junta de freguesia de Ferrel, a primeira nasceu com o apoio da FCG. A sala de Setúbal tem equipamento tecnológico que pertence a uma empresa tecnológica, tal como as financiadas pela Gulbenkian.
Contudo o ministério apoia através da Direção-Geral da Educação (DGE) no âmbito da parte pedagógica, “quer promovendo formação quando solicitada, quer no apoio ao ‘desenho’, aspeto e formato da sala, aconselhando sempre, dentro da área pedagógica”. Além disso, a tutela criou uma comunidade na plataforma Moodle.
E se ainda há professores reticentes quanto a esta nova forma de trabalhar – porque não são só as salas que são diferentes, mas as metodologias – também existem estudantes que torcem o nariz, sobretudo os mais aplicados, revela Carlos Cunha. “Os mais avessos são os alunos com melhores notas porque estão habituados à previsibilidade”. Por vezes, estes estudantes não conseguem acompanhar este novo método – que lhes pede para que procurem informação, que a selecionem, que aprendam com ela – como aqueles que têm piores notas mas, assim que percebem o que lhes é pedido, adaptam-se e voltam outra vez a ser melhores e essa evolução faz com que os outros, “mais fracos”, sintam que têm de os acompanhar, explica o professor de Setúbal.

Avaliação positiva

Ainda não há dados sobre o impacto destas mudanças nas notas dos alunos. Em Portugal, a Gulbelkian espera apresentar um estudo no próximo ano e o Instituto de Educação está também a preparar uma avaliação. Apesar disso, os sinais são animadores.
Carlos Cunha fez um estudo “ad-hoc” com duas turmas, na sua disciplina, uma ia todas as semanas à sala do futuro e outra ia uma vez por mês, e a primeira teve melhores resultados a Física e Química.
Carla Carriço também está convencida que os alunos têm níveis de sucesso mais elevados e Carmelo Rosa informa que todos os meninos das turmas que fizeram parte do programa da Gulbenkian transitaram do 1.º para o 2.º ciclo, sem exceção. “O que não é fácil porque o Alentejo tem das taxas de insucesso mais altas [do país] e as turmas tinham crianças com Necessidades Educativas Especiais e ciganas, mas as condições foram boas porque as escolas foram sempre acompanhadas por uma equipa da Universidade de Évora”, informa o diretor da FCG.
Sobre a avaliação às salas de aula do futuro diz fonte do ME: “As primeiras indicações dão nota de melhorias na motivação dos alunos, e de uma redução do insucesso escolar. Contudo, é necessário esperar o final do relatório para a conclusões serem bem suportadas. Deve, no entanto, relembrar-se que os resultados destas salas não são imediatos, até porque o grande crescimento ocorreu no ano letivo de 2016/2017.” Até ao ano passado eram pouco mais de uma dezena.
Faz sentido alargar esta iniciativa a todas as escolas do país? Para os diretores das escolas que já têm estas salas, a resposta é “sim”, diz a tutela com base num encontro promovido pela DGE e pelo Instituto de Educação no início do ano.
“Estas salas, quando vistas como uma alavanca para a melhoria do sucesso escolar, uma alavanca para mudanças metodológicas em sala de aula e ainda como alavanca para a mudança do espaço na sala de aula, podem ser na realidade uma mais-valia”, responde o ME.
Carlos Cunha fala de uma outra alternativa, o “espaço interagir” que a sua escola inaugurou no final do ano letivo passado. Trata-se de uma sala de aula tradicional com três “paredes de ensino” – “a quarta é onde estão as janelas porque é uma sala, não é um bunker”, brinca o professor.
A primeira parede tem o tradicional quadro negro, a segunda o quadro interativo e a terceira está pintada de branco e permite aos alunos fazer brainstorming, colar post its, etc, esta tem ainda um projetor que pode ser ligado a um tablet do aluno, por hipótese.
Em vez de as carteiras estarem todas viradas para o quadro negro, há cadeiras e os alunos estão divididos por grupos. “A dinâmica desta sala de aula é diferente, exige ao professor ‘sair da caixa’ e os alunos têm de estar mais ativos”, resume o docente.

Os alunos estão diferentes?

Estas mudanças surgem porque os alunos estão diferentes? O que é diferente é o acesso à informação e já há estudos que mostram que o cérebro funciona de forma diferente por causa das pesquisas, nota Ana Pedro do Instituto de Educação.
Dulce Gonçalves, professora e investigadora da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, lembra problemas como o défice de atenção e a hiperatividade e, por isso, a necessidade de a escola encontrar outras respostas que não seja o ensino expositivo. Ensino “tradicional” esse que não aposta em áreas como a criatividade ou a autonomia do aluno, acrescenta Rita Alves, diretora da Escola Superior de Educação Jean Piaget, em Almada, que refere que os alunos chegam à universidade sem essas competências e se sentem perdidos porque não têm um manual para seguir e precisam de fazer pesquisa, trabalho de campo ou outros.
Ariana Cosme, da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, lembra o movimento da Escola Moderna que, há 50 anos, procura que os alunos estejam num ambiente de ensino simultâneo, enquanto uns fazem uma coisa, outros fazem outras, apostando na autonomia dos estudantes, desde pequenos, incutindo-lhes responsabilidade, autonomia e “práticas cooperativas de trabalho”.
“A sala de aula do futuro é já passado, sobretudo para os que pensam numa escola diferente há muito tempo”, exclama a professora.
“É isso que a Finlândia faz”, diz Rita Alves referindo-se ao país que a Educação descobriu quando há quase 20 décadas se posicionou no topo dos estados da OCDE com melhores resultados nos estudos que avaliam a literacia dos alunos.
Sobre a Finlândia, Ariana Cosme lembra que os professores e os alunos trabalham em ambientes diferenciados e, no mesmo espaço físico existe um grupo heterogéneo de alunos. “É mais vantajoso porque os mais adiantados apoiam os menos autónomos”, explica.
E aprendem? A dúvida justifica-se quando os professores que precisam de “dar matéria” e de ensinar, os pais estão preocupados com os resultados dos exames, e se ouvem críticas à flexibilidade curricular. Nas últimas semanas, ouvimos os protestos do CDS, perguntando no Parlamento se as famílias sabem o que vai ser ensinado aos filhos, e as de Jorge Buescu, presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática, que considera que este modelo é “destrutivo do nosso tecido educativo”.
A resposta de quem está a aplicar a iniciativa das salas de aula do futuro é que “sim” porque compreendem. O pôr em prática permite aos alunos compreender aquilo que estão a aprender e também para que serve essa aprendizagem, explica Carlos Cunha. “Não é acabar com as aulas expositivas, mas estas deixam de ser o único veículo de aprendizagem”, acrescenta Ariana Cosme.
Portanto, já vimos que a proposta não é para encher o espaço tradicional da sala de aula de tablets, smartphones e outros gadgets.
Ainda assim, as escolas estão fisicamente preparadas para ter estas salas de aula do futuro? O Ministério da Educação responde que estas salas exigem uma área, no mínimo, de uma sala e meia para poderem funcionar. No entanto, no caso das 34 salas que já funcionam neste modelo, 31 em escolas e as restantes três em Centros de formação e Universidade, “todas as direções conseguiram a sala desejada. Por outras palavras, cada agrupamento ou escola é um caso, quer para a implementação quer para o tipo de sala que vai ser implementada”.
Para Carla Carriço, do Agrupamento de Atouguia da Baleia, não há dúvidas de que este é o caminho: “Gostava de ter uma escola do futuro e não apenas uma sala de aula do futuro”.

Bárbara Wong, jornalista do Público

Fonte: Fronteiras XXI

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

REMODELAÇÃO DO DECRETO-LEI N.º 3/2008, DE 7 DE JANEIRO

Este ponto em análise refere-se ao capítulo III (Artigos 11.º a 19-º) do “Regime Legal para a Inclusão Escolar” que diz respeito à Alteração ao Decreto-lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, agora em discussão pública. As situações que irei analisar dizem respeito essencialmente a três parâmetros: Recursos humanos específicosEscolas de referência para a educação bilingue; e Centros de recursos para a inclusão.
Recursos humanos
Na escola, os recursos humanos consubstanciam-se nas figuras dos educadores e professores do ensino regular e da educação especial, do corpo diretivo e dos demais profissionais (especializados ou não) que a ela estão alocados. No que se refere aos serviços especializados, o eixo central diz respeito aos docentes de educação especial, embora seja de realçar que os serviços especializados não se restringem ao docente de educação especial, uma vez que, na maioria dos casos de alunos com necessidades educativas especiais significativas (NEES), o recurso a outros especialistas é uma constante (quadro I).

                                                          QUADRO I
                                                       Recursos humanos 
Liderança – cujo papel é o de providenciar os meios necessários para a implementação de uma filosofia inclusiva numa escola e/ou agrupamento de escolas.
Educador/Professor de turma – deve providenciar no sentido de promover uma educação apropriada para todos os alunos, incluindo os alunos com NEE.
Professor de apoio – deve ser responsável pela consecução dos objetivos considerados nas programações educativas para os alunos com NEE, levando-os a adquirir as respetivas competências numa área determinada (por exemplo, língua portuguesa, matemática, etc.) sob a orientação do docente de educação especial.
Auxiliar/Assistente de ação educativa – deve ser responsável pelo apoio ao aluno com NEE (de acordo com o estipulado pelo educador/professor de turma e/ou pelo docente de educação especial), bem como pelo apoio aos outros alunos da sala de aula.
Docente de educação especial – deve ser responsável pela coordenação e pela elaboração e execução de programas educacionais adequados às características capacidades e necessidades dos alunos com NEE, em colaboração com os outros elementos de uma equipa multidisciplinar.
Técnicos especializados (estão debaixo desta designação os psicólogos, terapeutas, técnicos de serviço social, médicos e enfermeiros) – devem ser responsáveis pela avaliação e elaboração de intervenções adequadas para alunos com NEE nas suas áreas de especialidade.
Pares dos alunos com NEE – podem desempenhar um papel preponderante no processo de educação do aluno com NEE através de tutórias e/ou colaboração regular orientada pelo educador/professor de turma e/ou de educação especial.
Pais – são elementos chave no que diz respeito à elaboração de programações educacionais para alunos com NEE, providenciando informação respeitante ao desenvolvimento e crescimento do aluno e identificando, conjuntamente com os outros elementos de uma equipa multidisciplinar, objetivos pertinentes que permitam ao aluno adquirir competências em áreas determinadas.
Como vimos acima, o eixo central no que se refere aos serviços especializados, tendo em conta que o RLIE pretende implementar um modelo de tipologia multinível para responder particularmente às necessidades dos alunos com necessidades especiais, diz respeito aos docentes de educação especial. Assim, esperava-se que o documento clarificasse, pelo menos, as funções e responsabilidades desses docentes, coisa que não faz. A meu ver, hoje em dia, tendo em conta os princípios que o movimento da inclusão prescreve, o docente de educação especial deve prestar um apoio muito mais indirecto (de consultoria a professores e pais, de cooperação no ensino…) do que directo (embora este em muitos casos seja imprescindível), quando se trata de responder com eficácia às necessidades dos alunos com NEE.
Assim, no que respeita às funções e responsabilidades, o docente de educação especial deve saber:
  • propor adequações (ex.: acomodações, adaptações) ao currículo comum para facilitar a aprendizagem da criança com NEE;
  • propor ajuda suplementar e serviços de que o aluno necessite para ter sucesso na sala de aula e fora dela;
  • propor alterações às avaliações para que o aluno possa vir a mostrar o que aprendeu;
  • estar ao corrente de outros aspectos do ensino, designadamente do ensino direto e individualizado, que possam responder às necessidades do aluno.
Ainda, quanto ao seu desempenho profissional (trabalho com professores, alunos ou outros profissionais e pais), o professor de educação especial deve:
  • colaborar com o professor de turma (ex.: ensino em cooperação);
  • efectuar trabalho de consultoria (a professores, pais, outros profissionais de educação);
  • efectuar planificações em conjunto com professores de turma;
  • coordenar a equipa multidisciplinar
  • trabalhar directamente com o aluno com NEE (na sala de aula ou no centro de apoio à aprendizagem a tempo parcial, se determinado na programação educacional elaborada para o aluno).
Tendo por base o que atrás ficou dito,  parece-me evidente que o ministério da Educação se deve preocupar com a formação do seu pessoal, de acordo com os objetivos educacionais por ele traçados. Uma vez que o movimento da inclusão pede a inserção de alunos com NEE significativas no seu seio, esta formação torna-se praticamente obrigatória, sob pena de assistirmos a prestações educacionais inadequadas para tais alunos. Deste modo, pelo menos os educadores e os professores necessitam de formação específica, seja ela dentro do quadro da formação inicial, da formação especializada, ou da formação contínua.
Mas, há que ir mais longe, preparando todos os agentes educativos da zona de influência da escola, designadamente os psicólogos, a ficarem aptos a responder às necessidades dos alunos com NEE. É preciso que todos estejamos preparados para que, dentro da nossa esfera de saber e de influência, possamos prestar os apoios adequados a todos os alunos e respetivas famílias, para que seja possível otimizar as oportunidades de aprendizagem desses alunos. Assim sendo, no que respeita à implementação de uma educação de qualidade para os alunos com NEE (educação inclusiva), muitos profissionais têm de adquirir e/ou aperfeiçoar as suas competências, sendo para isso necessário valorizar a oferta de oportunidades de formação e de desenvolvimento profissional.
Contudo, no nosso País, quer a legislação em vigor, quer a formação oferecida pelas instituições de ensino superior e outras entidades acreditadas para o efeito, no que respeita a uma preparação inicial (formação pré-graduada/inicial), a uma formação específica (especializada), ou a uma formação continuada (contínua/em contexto), não parecem refletir os pressupostos fundamentais para o sucesso dos alunos com NEE dentro dos princípios que regem o movimento da inclusão. Assim, sou da opinião que os planos de estudos da formação inicial, das especializações e o formato da formação contínua devem ser repensados. Sou ainda da opinião que a maioria dos cursos de especialização em educação especial devem ser avaliados (por quem esteja apto a fazê-lo e não por um qualquer conjunto de indivíduos sem preparação nesta matéria como por vezes é o caso), extinguindo muitos deles e convertendo os restantes consoante as prevalências de alunos com NEE que temos nas nossas escolas, obrigando, tal facto, a reconsiderar os domínios de especialização em educação especial.  O mesmo deve aplicar-se aos cursos de psicologia.
Escolas de referência para a educação bilingue
O artigo 15.º do RLIE, referente às Escolas de referência para a educação bilingue, começa por referir no seu ponto primeiro que “As escolas de referência para a educação e ensino bilingue constituem uma resposta educativa especializada com o objetivo de implementar o modelo de educação bilingue, enquanto garante do acesso ao currículo nacional comum …”. Contudo, depois de analisarmos todos os pontos do referido artigo somos levados a concluir que ele se refere apenas a um grupo de alunos específico, os que se inserem na área da surdez. Ora, de duas, uma. Ou estes alunos se enquadram no espectro dos alunos com NEE, recetores de serviços de educação especial, mobilizando recursos humanos e materiais (Pontos 2 e 3 do artigo 15.º) ou, pelo contrário, fazem parte de uma comunidade, com língua e cultura próprias, que deve beneficiar de uma educação bilingue. Sem pretender tomar partido quanto às posições adotadas pelos indivíduos surdos, a educação bilingue de alunos surdos, descrita no artigo 15.º do RLIE, deveria ser objeto de legislação à parte, uma vez que os paradigmas que dizem respeito à educação de alunos com NEE nada têm a ver com os que prescrevem a educação bilingue/bicultural. Mais, fala-se em implementar “o modelo de educação bilingue” o que não é totalmente correto, dado que a designada educação bilingue considera pelo menos três modelos: de transiçãobidirecional; e de imersão. Tal quer dizer que a educação bilingue envolve o ensino de conteúdos académicos em duas línguas (nativa e segunda língua), variando o uso de cada uma delas de acordo com os critérios subjacentes a cada um dos modelos.
Finalmente, mesmo que não se altere o preceituado no artigo 15.º, e tendo por base o espírito que norteia a educação bilingue, então todos os alunos pertencentes a grupos minoritários cuja língua nativa não seja o português têm direito ao mesmo tratamento, aliás como refere o ponto 4 do referido artigo, “… em conformidade com os princípios da equidade educativa e da inclusão escolar e social”.
Centros de recursos para a inclusão
A presente situação, em que os recursos especializados estão divididos entre os que se encontram adstritos a agrupamentos e escolas e os que pertencem aos Centros de Recursos Integrados (CRI), não parece estar a surtir o efeito desejado, deixando muitos alunos com NEE sem os serviços a que têm direito. Assim, talvez fosse mais adequado que se considerasse a criação de redes de recursos humanos que integrassem especialistas de vária ordem (ex., psicólogos, terapeutas, técnicos de serviço social), abrangendo uma área geográfica determinada. Estas redes, com caráter supra agrupamento/escola, e com autonomia para gerir com isenção todas as solicitações de que fossem alvo, poderiam ficar sedeadas, em termos meramente físicos, em locais que oferecessem espaços compatíveis com as exigências de locação e gestão como, por exemplo, locais disponíveis em agrupamentos ou escolas inseridos numa determinada área geográfica, devendo a área geográfica constituir o seu raio de ação.
Luís de Miranda Correia
Fonte: Flora Editora

Crianças com necessidades educativas especiais ganham novo espaço na Batalha

Numa nota de imprensa, a autarquia informa que deliberou autorizar o início do processo para a cedência do edifício municipal onde funcionou a Escola Primária António Cândido da Encarnação, em Vila Facaia, à Associação Casa do Mimo, que apoia crianças com necessidades educativas especiais.

"Trata-se de um processo já iniciado há alguns meses e que agora conhece uma decisão por parte do Município da Batalha e que visa dotar o concelho com um espaço dedicado a crianças com necessidades educativas especiais e que requerem cuidados adequados às suas diferenças", refere.

A Associação Casa do Mimo apoia crianças com necessidades educativas especiais, "com diversas finalidades de solidariedade social, entre as quais se destaca o apoio a crianças e jovens com deficiência e incapacidade, assim como a promoção da sua integração social e comunitária".

Este novo espaço permitirá à associação alargar as suas atividades terapêuticas e ocupacionais, bem como aumentar o número de alunos beneficiários.

Com uma área total de 1.056 metros quadrados, incluído o espaço envolvente, o edifício da antiga escola primária serve atualmente de depósito de apoio ao Museu Municipal, que será reconduzido para outro espaço municipal, "melhorando também as condições de acondicionamento, conservação e registo de algumas das peças afetas aquele espaço museológico", refere a autarquia.

Segundo o Município, a Associação "já desenvolve um relevante trabalho enquanto centro de atividades lúdico-pedagógicas para crianças e jovens com necessidades educativas especiais, na Batalha, com valências em vários domínios como o apoio ao estudo, fisioterapia, terapia da fala, educação especial, musicoterapia, psicomotricidade, terapia ocupacional, entre outras".

Citado na nota de imprensa, o presidente do Município da Batalha, Paulo Batista Santos, afirma que se "cumpre mais um importante objetivo no apoio à inclusão social de crianças e jovens especiais e que por esta via irão dispor de um espaço amplo e melhorado para as suas atividades".

"Trata-se de uma decisão que mereceu um amplo consenso na vereação e que reconhece o trabalho extraordinário da Associação Casa do Mimo no apoio e formação de crianças com necessidades educativas especiais", acrescentou.

Fonte: DN por indicação de Livresco

Mais de metade dos cidadãos deficientes sem problema reconhecido

Mais de metade dos cidadãos com limitações físicas questionados pela DECO não tem o problema oficialmente reconhecido, um em cada quatro tem dificuldade em aceder ao local de trabalho e a muitos falta dinheiro para adaptar a casa.

Segundo um inquérito da Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (DECO), hoje divulgado, muitos destes cidadãos não conseguem ter uma vida plena porque o dinheiro é pouco para suprir as dificuldades, há pouca ajuda e as barreiras arquitetónicas na via pública e nos transportes ainda são uma realidade.

Mais de um quarto (27%) dos inquiridos com deficiência sente dificuldade em aceder ao local de trabalho, a mesma percentagem dos que já sentiram na pele a discriminação no trabalho.

Entre fevereiro e março últimos, a DECO enviou a uma parte da população um questionário obre o tema. Com a ajuda de associações do setor, fez chegar o questionário a cidadãos com deficiência motora e sensorial (visual e auditiva). No total, obteve 2.854 respostas válidas.

Em resposta à DECO, a presidente da direção nacional da Associação Portuguesa de Deficientes (APD) diz que "a dificuldade de acesso ao mercado de trabalho continua a ser uma realidade", que "não existe sensibilização da entidade patronal para olhar para as pessoas com deficiência como trabalhadores iguais a quaisquer outros" e que "as empresas e os postos de trabalho não estão adaptados".

Mas é necessário também uma via pública e transportes coletivos adaptados, porque senão chegar ao trabalho torna-se um desígnio impossível: "Parece uma questão irreal, mas não é. Quem consegue aceder ao mercado de trabalho e ter uma vida económica minimamente independente terá de adquirir uma viatura própria, porque depender dos transportes públicos é impensável", recorda Ana Luísa Sezudo.

A maioria das pessoas questionadas pela DECO lembram que o caminho para a eliminação das barreiras arquitetónicas tem sido lento e que as dificuldades começam, desde logo, no prédio onde se habita.

"Mais de 40% dos inquiridos com deficiência grave relatam a dificuldade, ou mesmo impossibilidade, em vencer sucessivas barreiras arquitetónicas", segundo a Defesa do Consumidor.

Cerca de um terço revela sentir a necessidade de equipamentos ou de infraestruturas específicas para auxiliar a mobilidade. Banheira e casa de banho adaptadas, elevador ou mecanismos de elevação, corrimões e rampas são as infraestruturas mais urgentes e, nalguns casos, um sistema de chamada de emergência.

"A falta de dinheiro é a principal razão apontada para uma habitação pouco cómoda para alguém com limitações motoras. As características arquitetónicas da própria casa e o espaço diminuto são outros motivos apontados", sublinha o estudo.

"Cerca de 45% asseguram ser difícil suportar as despesas diárias relacionadas com a sua condição. Apenas três em dez portugueses nesta situação declaram não enfrentar dificuldades", afirma a DECO, que destaca igualmente a resposta da responsável da APD sobre esta matéria: "Recebemos cartas e telefonemas completamente desesperados. Existem pessoas a viver com 200 euros".

As deslocações e a mobilidade no interior de hospitais, de edifícios públicos de supermercados e de centros comerciais podem tornar-se verdadeiros calvários ou revelar-se mesmo impraticáveis.

"Um terço indica as paragens de autocarro e o próprio interior dos veículos como inacessíveis. As estações de comboio e de metropolitano apresentam a mesma lacuna, de acordo com 25% destes cidadãos", refere a Defesa do Consumidor, recordando que, na verdade, os transportes públicos não estão incluídos na legislação das barreiras arquitetónicas.

A norma comunitária existente defende que a frota de transportes tem de se ir adaptando gradualmente.

O respeito e a sensibilidade perante a fragilidade de um deficiente motor são atitudes nem sempre cultivadas em Portugal.

"Os vizinhos são mais sensíveis à situação de quem tem mais dificuldade em deslocar-se, e disponibilizam-se mais vezes para ajudar. Mas, mesmo assim, mais de um terço dos inquiridos com deficiência sente que essa ajuda não é constante", refere o estudo.

A maioria dos deficientes motores não possui cartão identificativo para poder estacionar nos lugares reservados e, para mais de um terço dos inquiridos com limitações, é muito frequente o lugar estar ocupado.

Outro problema identificado por um quarto dos que responderam ao estudo é a falta de adaptação das casas de banho em edifícios públicos, mas também em restaurantes e em lojas.

Desenvolver e manter uma atividade profissional é muito difícil, ou mesmo impossível, para cerca de 45% dos inquiridos. Existe uma percentagem considerável com deficiência grave que não consegue realizar, sem precisar de ajuda, tarefas tão básicas como tomar banho ou preparar uma refeição.

O estudo da DECO aponta ainda uma incongruência entre a deficiência declarada e a reconhecida oficialmente.

"Entre os inquiridos que consideram ter alguma limitação motora, apenas metade são oficialmente reconhecidos como pessoas com deficiência. Esta proporção sobe para dois terços entre os portadores de deficiência grave", refere o documento.

A presidente da APD não tem dúvidas: "Existe um grande desconhecimento, não só da sociedade, mas muitas vezes da própria população com deficiência. Com muita frequência, as pessoas tentam fazer as diligências necessárias, mas a desinformação é muito grande nos serviços da Segurança Social e das Finanças e nos centros de saúde".

Fonte: Porto Canal por indicação de Livresco

terça-feira, 26 de setembro de 2017

IMPLEMENTAÇÃO DO DECRETO-LEI nº 3/2008: PERSPETIVAS DOS DOCENTES DE EDUCAÇÃO ESPECIAL

Artigo publicado na Revista Revista UiIPS – Unidade de Investigação do Instituto Politécnico de Santarém,, v. 5, n. 1 (2017)

Resumo

O presente artigo tem por objetivo abordar as perspetivas dos docentes de Educação Especial sobre a implementação do Decreto-Lei nº 3/2008. Com esse intuito, realizou-se um estudo exploratório, de caráter descritivo, que foi dirigido a uma amostra de docentes de Educação Especial, de Agrupamentos de Escolas do distrito de Santarém. Aplicou-se um inquérito por questionário, com o intuito de conhecer as perspetivas dos docentes face à legislação que rege as suas práticas educativas. Os docentes inquiridos partilham da importância da implementação do Decreto-Lei nº 3/2008 como verdadeiro promotor da Escola Inclusiva, no entanto consideram que recursos materiais e humanos são insuficientes para a sua eficaz concretização e apontam a medida e) Currículo Específico Individual, prevista no Programa Educativo Individual, como pouco fácil de planear e implementar e sugerem que devia ser clarificada pela tutela.

REMODELAÇÃO DO DECRETO-LEI N.º 3/2008, DE 7 DE JANEIRO

4.º PONTO EM ANÁLISE: MEDIDADAS DE SUPORTE À APRENDIZAGEM E À INCLUSÃO
Sobre este ponto vou realçar, essencialmente, dois parâmetros que me parecem essenciais. O primeiro parâmetro prende-se com o facto de me fazer alguma confusão considerarem-se medidas que são, simultaneamente, de suporte à “aprendizagem” e à “inclusão”. Na minha ótica, dever-se-iam ter considerado separadamente. De certo modo, o Regime Legal para a Inclusão Escolar (RLIE) faz essa separação ao inserir um artigo (Artigo 5.º – Linhas de atuação para a inclusão) em que são explicitadas medidas que façam com que as escolas se preocupem com “a criação de uma cultura de escola onde todos encontrem oportunidades para aprender…”. É também importante que se anote que os conceitos de inclusão e de aprendizagem são bastante díspares. O primeiro diz respeito a um movimento que pediu a inserção das crianças e adolescentes com necessidades educativas especiais significativas (NEES) nas escolas das suas residências e, sempre que possível, nas classes regulares dessas mesmas escolas. O segundo, afirma-se como um conceito que, embora tenha sido definido por vários investigadores ligados à psicologia educacional de formas diversas e com significados divergentes, do ponto de vista humanístico deve focalizar-se na resolução pragmática de problemas com base nas experiências anteriores de um indivíduo, tendo em conta as características, capacidades e necessidades desse indivíduo.
O segundo parâmetro diz respeito ao Capítulo II do RLIE (Artigos 6.º a 10.º) onde se consideram, no que concerne às “Medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão”, “Objetivos”, “Níveis” e “Medidas” propriamente ditas. Este Capítulo pretende, a meu ver, estabelecer, como é dito no preâmbulo do documento, “uma tipologia de intervenção multinível”. Se realmente for esse o caso, então o preceituado nos artigos mencionados acima parece-me algo palavroso, repetitivo, pouco esclarecedor e até confuso. Dou apenas um exemplo que diz respeito ao designado “Relatório técnico pedagógico”(RTP). Considero que o uso do termo pode eventualmente levar a confusões, dado que no DL 3/2008, de 7 de janeiro, que este documento pretende alterar, no seu Artigo 6.º (Processo de avaliação) o RTP era elaborado depois da referenciação do aluno e dele deviam constar “os resultados decorrentes da avaliação, obtidos por diferentes instrumentos de acordo com o contexto da sua aplicação, tendo por referência a Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, da Organização Mundial de Saúde, servindo de base à elaboração do programa educativo individual.” Ora, O RLIE, a meu ver, com o pedido de elaboração do RTP não pretende nem uma coisa nem outra. Realmente, o que ele pretende é o que está estipulado no Artigo 21.º. Ainda sobre o RTP, não me parece de todo curial, caso as medidas universais, seletivas e adicionais correspondam respetivamente aos níveis I, II e III, que se considere a sua implementação em dois níveis diferentes (níveis II e III) fazendo apelo, em ambos os níveis, aos serviços de uma equipa multidisciplinar.
Explicando-me melhor. O nível I (Medidas universais) corresponde, grosso modo, ao preconizado pela investigação, ou seja, os apoios consubstanciam-se nos recursos e estratégias disponíveis para todos os alunos que deles necessitem. O nível II (Medidas seletivas), já mais individualizado, resume-se aos apoios que não estão disponíveis para todos os alunos, mas sim, são orientados para os alunos que apresentem problemas acentuados de teor académico ou comportamental (socioemocional). Neste nível, os apoios prestados por técnicos (psicólogos, terapeutas, etc.), para além dos prestados pelos professores (de turma e de educação especial), devem ser de consultadoria, o que não corresponde ao preceituado no artigo 9.º, ponto 4, em que se diz que, “A monitorização da implementação das medidas seletivas é realizada pela equipa multidisciplinar de acordo com o definido no relatório técnico pedagógico”. No nível III (Medidas adicionais), considerado o mais intensivo, os apoios devem incidir nos alunos com problemas severos que geralmente requerem uma diversidade de serviços de caráter mais intensivo (serviços de educação especial) existentes na escola ou nos centros de recursos que lhe estão adstritos. É neste nível que deve ser elaborado um programa educativo individual (PEI), se for caso disso.
Chegado aqui, sou da opinião que nos níveis que incorporam as medidas consideradas no RLIE, tendo por base os apoios referidos acima, seria mais adequado, no caso de um aluno ter de transitar do nível menos intensivo para o mais intensivo, que, no final de cada nível, se elaborasse um relatório que eu designaria de Relatório Educacional para todos os níveis, embora lhe acrescentasse “Inicial” para o Nível I, “Intermédio” para o Nível II e “Final” para o nível III. Do Relatório Educacional Final derivaria o PEI, quando fosse necessária a sua elaboração.
Para finalizar, vou tecer ainda mais uma consideração que se prende com o conceito de Relatório versus o de Programa. Um Relatório é um documento que descreve o resultado de determinado trabalho (no caso presente, da narração escrita e mais ou menos circunstanciada dos factos ocorridos e/ou dos dados recolhidos) adaptado ao contexto de uma determinada situação (de sala de aula e/ou fora dela), cuja estrutura, embora possa ser variável, deve conter, para além do cabeçalho (Ex.: Relatório Educacional Inicial), uma introdução onde se descreve o que se vai relatar, um corpo central em que são descritos os procedimentos, os resultados e feita uma análise, em termos académicos e comportamentais, dos aspetos que influenciaram a aprendizagem de um aluno, tendo em conta as suas capacidades e necessidades. O relatório deve conter ainda uma componente dedicada à síntese dos procedimentos e resultados, bem como eventuais recomendações, comummente designada por conclusão. Assim, nos dois primeiros níveis, os relatórios (Inicial e Intermédio) deveriam servir de transição para o nível seguinte, se for caso disso, informando os agentes educativos envolvidos na educação do (s) aluno (s) sobre o que já foi feito e, deste modo, dando-lhes pistas para a elaboração de novas intervenções. No caso do nível III (Relatório educacional final), as conclusões do relatório, caso necessário, devem dar lugar à elaboração de um PEI.
Por seu turno, um Programa pode, a meu ver, ser descrito como um plano de ação com o fim de atingir um determinado objetivo ou objetivos, devendo conter informação detalhada sobre o que deve ser feito, quando, por quem e que tipo de meios e/ou recursos são necessários para atingir esse objetivo ou objetivos. No caso do PEI, e tendo como referência o conceito acima, ele deve incluir um conjunto de objetivos educacionais específicos de forma a responder aos problemas de aprendizagem significativos que o aluno apresenta.
De certa forma, a interpretação que aqui é dada corresponde à filosofia contida no Modelo de Atendimento à Diversidade/MAD (Correia, 1997), um modelo de tipologia multinível. O MAD tem sido alvo desde final dos anos 90 de um caudal de investigação considerável, tendo sido os resultados dessa investigação muito favoráveis à sua aplicação em contextos escolares.
Luís e Miranda Correia

Deficientes sem problemas reconhecidos e com falta de dinheiro para adaptar a casa

Mais de metade dos cidadãos com limitações físicas questionados pela DECO não tem o problema oficialmente reconhecido, um em cada quatro tem dificuldade em aceder ao local de trabalho e a muitos dizem ter falta dinheiro para adaptar a casa.

Segundo um inquérito da Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (DECO), divulgado esta terça-feira, muitos destes cidadãos não conseguem ter uma vida plena porque o dinheiro é pouco para suprir as dificuldades, há pouca ajuda e as barreiras arquitetónicas na via pública e nos transportes ainda são uma realidade.

Mais de um quarto (27%) dos inquiridos com deficiência sente dificuldade em aceder ao local de trabalho, a mesma percentagem dos que já sentiram na pele a discriminação no trabalho.

Entre fevereiro e março últimos, a DECO enviou a uma parte da população um questionário sobre o tema. Com a ajuda de associações do setor, fez chegar o questionário a cidadãos com deficiência motora e sensorial (visual e auditiva). No total, obteve 2.854 respostas válidas.

Em resposta à DECO, a presidente da direção nacional da Associação Portuguesa de Deficientes (APD) diz que “a dificuldade de acesso ao mercado de trabalho continua a ser uma realidade”, que “não existe sensibilização da entidade patronal para olhar para as pessoas com deficiência como trabalhadores iguais a quaisquer outros” e que “as empresas e os postos de trabalho não estão adaptados”.

Mas é necessário também uma via pública e transportes coletivos adaptados, porque senão chegar ao trabalho torna-se um desígnio impossível: “Parece uma questão irreal, mas não é. Quem consegue aceder ao mercado de trabalho e ter uma vida económica minimamente independente terá de adquirir uma viatura própria, porque depender dos transportes públicos é impensável”, recorda Ana Luísa Sezudo.

A maioria das pessoas questionadas pela DECO lembram que o caminho para a eliminação das barreiras arquitetónicas tem sido lento e que as dificuldades começam, desde logo, no prédio onde se habita.


Mais de 40% dos inquiridos com deficiência grave relatam a dificuldade, ou mesmo impossibilidade, em vencer sucessivas barreiras arquitetónicas”, segundo a Defesa do Consumidor.

Cerca de um terço revela sentir a necessidade de equipamentos ou de infraestruturas específicas para auxiliar a mobilidade. Banheira e casa de banho adaptadas, elevador ou mecanismos de elevação, corrimões e rampas são as infraestruturas mais urgentes e, nalguns casos, um sistema de chamada de emergência.


A falta de dinheiro é a principal razão apontada para uma habitação pouco cómoda para alguém com limitações motoras. As características arquitetónicas da própria casa e o espaço diminuto são outros motivos apontados”, sublinha o estudo.

“Cerca de 45% asseguram ser difícil suportar as despesas diárias relacionadas com a sua condição. Apenas três em dez portugueses nesta situação declaram não enfrentar dificuldades”, afirma a DECO, que destaca igualmente a resposta da responsável da APD sobre esta matéria: “Recebemos cartas e telefonemas completamente desesperados. Existem pessoas a viver com 200 euros”.

As deslocações e a mobilidade no interior de hospitais, de edifícios públicos de supermercados e de centros comerciais podem tornar-se verdadeiros calvários ou revelar-se mesmo impraticáveis.

“Um terço indica as paragens de autocarro e o próprio interior dos veículos como inacessíveis. As estações de comboio e de metropolitano apresentam a mesma lacuna, de acordo com 25% destes cidadãos”, refere a Defesa do Consumidor, recordando que, na verdade, os transportes públicos não estão incluídos na legislação das barreiras arquitetónicas.

A norma comunitária existente defende que a frota de transportes tem de se ir adaptando gradualmente.

O respeito e a sensibilidade perante a fragilidade de um deficiente motor são atitudes nem sempre cultivadas em Portugal.

“Os vizinhos são mais sensíveis à situação de quem tem mais dificuldade em deslocar-se, e disponibilizam-se mais vezes para ajudar. Mas, mesmo assim, mais de um terço dos inquiridos com deficiência sente que essa ajuda não é constante”, refere o estudo.

A maioria dos deficientes motores não possui cartão identificativo para poder estacionar nos lugares reservados e, para mais de um terço dos inquiridos com limitações, é muito frequente o lugar estar ocupado.

Outro problema identificado por um quarto dos que responderam ao estudo é a falta de adaptação das casas de banho em edifícios públicos, mas também em restaurantes e em lojas.

Desenvolver e manter uma atividade profissional é muito difícil, ou mesmo impossível, para cerca de 45% dos inquiridos. Existe uma percentagem considerável com deficiência grave que não consegue realizar, sem precisar de ajuda, tarefas tão básicas como tomar banho ou preparar uma refeição.

O estudo da DECO aponta ainda uma incongruência entre a deficiência declarada e a reconhecida oficialmente.

“Entre os inquiridos que consideram ter alguma limitação motora, apenas metade são oficialmente reconhecidos como pessoas com deficiência. Esta proporção sobe para dois terços entre os portadores de deficiência grave”, refere o documento.

A presidente da APD não tem dúvidas: “Existe um grande desconhecimento, não só da sociedade, mas muitas vezes da própria população com deficiência. Com muita frequência, as pessoas tentam fazer as diligências necessárias, mas a desinformação é muito grande nos serviços da Segurança Social e das Finanças e nos centros de saúde”.

Fonte: Observador