quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Cinco perguntas, cinco respostas com David Rodrigues

1 – O professor David Rodrigues é, atualmente, uma referência a nível nacional e internacional no mundo da Educação, mais concretamente na Educação Especial. Que vivências o moveram para os importantes contributos que tem dado a esta área?

Deixe-me dizer que não tive nenhuma epifania… O meu interesse pelas pessoas com deficiência – sobretudo as mais jovens – foi-se cimentando ao longo da relação que estabeleci com elas.  Uma questão que me lembro sempre de ter estado presente nas minhas reflexões foi o esforço para me colocar no seu lugar. Como seria a minha vida se não andasse? Se não me fizesse ouvir? Se não visse?  Acho que este pensamento, digamos de empatia, sobre as pessoas com deficiência, levou-me rapidamente à defesa dos seus direitos e daqui à advocacia da sua inclusão.


2 – A área da Educação Especial tem vindo a sofrer evoluções ao longo dos tempos num percurso que se quer e se avizinha cada vez mais inclusivo na nossa sociedade atual. Como encara o modus operandi desta área nas escolas?

Esta evolução para escolas que tenham práticas efetivamente inclusivas é um caminho necessariamente longo e contraditório.  Não podemos esquecer que a escola – aquela instituição a que naturalmente chamamos “escola” – é fruto de uma construção de centenas de anos.  A escola construiu-se para transmitir, para receber o conhecimento ao mesmo tempo e no mesmo ritmo que os outros e também para selecionar os melhores.  Ora hoje as necessidades a que a escola tem de responder são completamente diferentes: a escola quer construir e criar conhecimento, quer personalizar os sistemas de aprendizagem e quer que todos tenham sucesso.  Como se vê é uma viragem de 180º na filosofia da escola.  Assim é natural que seja custosa e demorada. Parafraseando Gil Vicente: “todo o mundo” quer mudança mas “ninguém” quer mudar.  Quer dizer: a vontade de mudar é maior do que a operacionalização destas mudanças.


3 – Foi dado a conhecer recentemente a proposta de alteração ao Decreto-lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro. Um documento que está em discussão pública até 30 de Setembro e que vem recentrar o conceito Inclusão. Quais considera serem os pontos fortes desta nova perspetiva sobre a Educação Especial?

O ponto certamente mais forte tem a ver com o facto do projeto de diploma apontar para uma ideia claramente inclusiva. Deixa de se falar em categorização e em necessidades educativas especiais e considera-se que é responsabilidade de toda a escola educar todos os alunos recrutando os meios necessários para que todos aprendam. De certa forma há um inconformismo neste projeto com o insucesso e com o abandono escolar.  Recentemente num documento produzido pela UNESCO escreve-se “Todos os alunos contam e contam igualmente”.  É certamente essa a parte forte e inovadora deste documento.


4 – O Professor de Educação Especial é uma figura de referência dentro das escolas ainda que, em muitos casos, tenha uma multiplicidade de papéis onde se confundem as suas funções e o seu papel. No seu ponto de vista, qual deve ser o trabalho e principalmente o perfil de um professor de Educação Especial?

Precisamos de continuar a discutir o papel do Professor de Educação Especial numa escola inclusiva.  Será certamente um perfil multifacetado em que ao lado da intervenção direta se veja a consultoria, o apoio à diversificação de métodos, estratégias e avaliação do currículo, apoio às famílias, etc.   O professor de Educação Especial é um elemento fundamental para a promoção da inclusão porque permite articular o trabalho dos diferentes técnicos, dos diferentes professores e das famílias com a escola.  A Pró – Inclusão tem intenção de desenvolver em 2018 um trabalho sobre este assunto do perfil profissional.


5 – Abordando a Educação de uma forma geral e cruzando com estudos recentes que indicam, por exemplo, as grandes dificuldades na área da aprendizagem da leitura e da escrita no 1ºciclo; as famílias que não conseguem apoiar os seus filhos; a falta de recursos apontadas por muitas escolas e professores, que caminho tem a escola ainda que percorrer nas políticas educativas que permitam ultrapassar estas dificuldades?

A escola já andou muito caminho. O desafio de uma escola para todos é ciclópico.  Lembro-lhe que quando eu terminei o meu 4º ano só eu fui, entre todos os meus colegas fui, na altura, para o liceu.  Consistentemente temos tido melhorias no nosso sistema educativo o que é verificado não só pela nossa avaliação mas também por avaliações internacionais. O que nos falta?  Não lhe sei responder categoricamente a esta pergunta. Nuns lugares faltarão umas coisas e noutros outras.  O que sabemos hoje é que a organização e a cultura da escola têm uma enorme importância.  A formação e o apoio aos professores são também fatores determinantes e ainda que o desenvolvimento da sociedade tem efeitos claros na melhoria da escola.  Eu diria aos alunos, aos professores, às direções dos agrupamentos, às famílias, às autarquias que cada um de nós tem de fazer a sua parte. Com brio, com competência, com generosidade e espírito positivo.  As pessoas que só culpam os outros desistiram de se mudar e mudar a realidade em que vivem. Precisamos de contar com pessoas que assumam o risco de mudar e de inovar. A inclusão depende muito disto.


Nota Biográfica: DAVID RODRIGUES é Presidente da Pró-Inclusão / Associação Nacional de Docentes de Educação Especial, diretor da Revista “Educação Inclusiva” e membro do Centro de Investigação do IE/UL. Professor de Educação Especial doutorou-se em 1987 e obteve o título de agregado em 1999. Lecionou na Universidade de Lisboa e noutras universidades portuguesas (Porto, Lisboa, Açores e Coimbra) e estrangeiras (KU Leuven – Bélgica, VSU – EUA e UNICAMP - Brasil). Trabalhou em projetos internacionais para a UNESCO, UNICEF e Handicap Internacional e OCDE. É conferencista convidado em Espanha, Reino Unido, França, Brasil, Estados Unidos, Colômbia, Cabo Verde, México e EAU – Dubai. Publicou 30 livros e dezenas de artigos em revistas da especialidade. Recebeu em 2007 o Prémio de Investigação “União Latina” e em 2017 foi agraciado com o “Distinguished International Leader Award” pelo Council for Exceptional Children – DISES (EUA).É desde junho de 2015 Conselheiro Nacional de Educação.

Por Maria Joana Almeida

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