quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Alunos portugueses têm das mais pesadas cargas horárias no 1.º ciclo

Os alunos portugueses têm, atualmente, mais ou menos tempo de aulas do que há uns anos? Esta foi uma das questões que levaram quatro investigadoras a analisar a evolução da carga horária em Portugal. A conclusão é a de que há “uma tendência para uma certa diminuição desde 1989 até ao presente”. Ainda assim, Portugal continua a ser um dos países que têm mais carga horária no 1.º ciclo, diz a investigadora Maria Isabel Festas. Nos primeiros quatro anos, os alunos somam 3744 horas de aulas.

O estudo, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, chama-se Os tempos na escola - Estudo comparativo da carga horária em Portugal e noutros países e, além de Maria Isabel Festas, as autoras são Ana Maria Seixas, Armanda Matos, Patrícia Fernandes. As investigadoras destacam o facto de que a diminuição da carga horária que se tem registado ao longo dos tempos não ter incidido nos quatro primeiros anos de escolaridade, “período grandemente responsável pelo maior número de horas que Portugal apresenta” relativamente a outros países.

As autoras analisaram as cargas horárias semanais, totais e de Português e de Matemática, dos 1.º, 2.º e 3.º ciclos do ensino básico. Para tal, debruçaram-se sobre os tempos letivos legalmente definidos em 1989, 2001, 2002, 2012 e 2013. No 1.º ciclo, em 1989, a carga era de 25 horas semanais. Em 2013 varia entre as 22 horas e 30 minutos e as mesmas 25 horas, o que leva as investigadoras a considerar que o 1.º ciclo foi “o único que manteve o mesmo número de horas ao longo do período analisado, apesar de, a partir de 2013, as escolas terem a possibilidade de reduzir um pouco a carga horária”. Em 1989, do 5.º ao 9.º ano, a carga oscilava entre 30 a 31 horas. Em 2013, entre 22 horas e 30 minutos e 25 horas e 30 minutos.

Primeiros quatro anos somam 3744 horas

Não é neste capítulo em particular – Evolução dos tempos lectivos em Portugal – que as autoras estabelecem comparações, mas nos restantes. O universo de países abrangidos neste estudo inclui os da União Europeia e ainda Noruega, Turquia, Coreia e Singapura. Os dados reportam-se a 2012/2013 e o estudo centra-se na escolaridade obrigatória – do 1.º ciclo ao ensino secundário.

Portugal é um dos países com maior carga horária global, no que toca à totalidade das disciplinas, na escolaridade obrigatória: 11.049 horas. À frente, só a Holanda. “Estes resultados têm, no entanto, de ser relativizados, uma vez que Portugal, assim como a Holanda, faz parte dos países com maior duração de escolaridade obrigatória”, lê-se no estudo.

Mas é sobretudo nos primeiros quatro anos de escolaridade que Portugal tem um número de horas “superior” aos outros países, com exceção do Luxemburgo e de Singapura, lê-se no estudo. De acordo com o documento, Portugal, Irlanda, Luxemburgo e Singapura são mesmo “os únicos dos países estudados em que os primeiros anos de escolaridade têm uma carga horária com mais de 900 horas” por ano. Portugal soma 936 horas por ano, com um total 3744 horas no 1.º ciclo.

Nos 1.º e 2.º ciclos, “há uma superioridade de tempos letivos em Portugal, em relação aos outros países” – 5663 horas. Só o Luxemburgo (6048) está à frente e, mesmo a Irlanda (5496) e a Noruega (5234), com mais anos nestes níveis de ensino, têm menor carga do que Portugal. Mesmo retirando o tempo de Educação Moral e Religiosa, uma vez que não é de frequência obrigatória, o 1.º e 2.º ciclos em Portugal continuam a somar 5465 horas, mas neste caso, para além do Luxemburgo, também a Irlanda passa a ter mais horas.
Segundo as autoras, a maior carga horária semanal nos primeiros anos parece ser uma “tendência” dos países do sul (Itália, França e Espanha), aos quais se junta a Irlanda e Singapura; já os países do norte da Europa, e também a Coreia do Sul, “tendem a apresentar uma menor carga" semanal.

Maria Isabel Festas destaca ainda que, nos outros países, os alunos começam com menos horas de aulas e vão aumentando a carga ao longo da escolaridade, enquanto que em Portugal há uma certa estabilidade.

Menos peso da língua materna

O trabalho revela também que, em Portugal, a língua materna ocupa uma percentagem menor no currículo nos quatro primeiros anos do que a generalidade dos países. Apesar de, na última revisão curricular, de 2012, a redução dos tempos letivos se ter feito acompanhar do reforço das chamadas “áreas fundamentais”, Portugal continua a dedicar “uma percentagem de tempo ao Português (literacia) inferior à de grande parte dos outros países”. “Não temos menos horas de literacia, português, do que a generalidade dos outros países. O que acontece é que cá o Português tem menor percentagem no conjunto do currículo, sobretudo nos quatro primeiros anos”, frisa Maria Isabel Festas.

Portugal dedica 2073 horas de literacia (corresponde a Português) na escolaridade obrigatória. Nos quatro primeiros anos, apesar de em 23 países, em termos absolutos, só haver quatro com mais tempo desta disciplina do que Portugal, em termos percentuais (em relação ao total de tempo letivo), há 14 que o ultrapassam.

Muita Matemática

Outras das conclusões indica que, no conjunto de países e no 1.º, 2.º e 3.º ciclos, Portugal ocupa o primeiro lugar no tempo dedicado à Matemática, quer em termos absolutos (1729 horas), quer na percentagem (20,4%) que ocupa nos currículos. Nos quatro primeiros anos, em 21 países, Portugal está em primeiro lugar no número de horas (1008) e, na percentagem que ocupa no currículo, só é ultrapassado pela Noruega (34,4% contra 26,9%).

Quando se compara as duas disciplinas – Português e Matemática -, verifica-se que, sobretudo nos primeiros quatro anos de escolaridade, ambas têm os mesmos tempos letivos, “contrariando o que se verifica em praticamente todos os países, em que a língua materna aparece com maior peso”.

O estudo nota ainda, no que respeita às línguas estrangeiras, que “Portugal faz parte do conjunto de países que menos percentagem lhes dedica no total da carga horária da escolaridade obrigatória”. Em relação às Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), “Portugal inclui-se no grupo daqueles que lhes dão um estatuto de disciplina autónoma, apesar de ser um dos que menos tempo lhes concedem”. “Mas nem todos os países têm as TIC como disciplina autónoma”, ressalva a investigadora.
 
In: Público por indicação de Livresco

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