segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

Saber ler para viver melhor

Um quarto dos alunos portugueses a frequentar o quarto ano não têm níveis razoáveis de leitura e 23% dos jovens de 15 anos manifesta grandes dificuldades a ler. Com base nestes dados, do PIRLS de 2021 e do PISA de 2022, e no conhecimento de que uma intervenção precoce é essencial para que as crianças ultrapassem as dificuldades a Iniciativa Educação criou o programa “A a Z - Ler Melhor, Saber Mais”, destinado a apoiar os alunos do primeiro e segundo anos de escolaridade.

Como explicou Nuno Crato, o presidente da Iniciativa Educação, a escolha dos alunos que acabaram de iniciar o seu percurso escolar como alvo do programa baseia-se em estudos que mostram a importância da intervenção precoce para uma eventual recuperação. “O professor João Lopes [professor de psicologia na Universidade do Minho e coordenador nacional do programa A a Z] alertou-nos para o facto de que os jovens que têm dificuldade de leitura logo no primeiro e segundo ano de escolaridade têm possibilidades relativamente rápidas de recuperação e de atingir os níveis médios das turmas”, explicou o presidente da IE. Na verdade, a taxa de recuperação de esquemas de apoio aplicados a alunos de primeiro e segundo ano chega aos 80%. Uma percentagem que cai para metade nos dois anos seguintes e que, chegado ao quinto ano, não ultrapassa os 10%. “O que acontece é que a leitura e a escrita são instrumentos de aprendizagem. Ou seja, se eu não tiver esse instrumento não vou conseguir progredir razoavelmente”, explicou João Lopes.

Preparar o futuro

Este é um programa cujo impacto é prolongado no tempo, como ficou claro no segundo episódio dedicado ao tema, que reuniu Gabriela Velasquez, a coordenadora regional do programa para o distrito do Porto, e Fernando Ferreira, docente no Agrupamento de Escolas nº1 de Gondomar e professor-tutor do programa nos últimos cinco anos, que tem testemunhado em primeira mão os resultados práticos do programa “A a Z”. A participação nas atividades da turma é um dos mais visíveis, refere Fernando Ferreira, que recorda a maior vontade de ler em sala de aula, como uma das principais transformações. “Um aluno com dificuldades na leitura não quer fazer os exercícios de leitura em voz alta”, explica o professor-tutor que deu ainda dois exemplos de sucesso do programa: uma aluna que concluiu o primeiro ciclo no quadro de mérito e uma outra que chegou a participar no Concurso Nacional de Leitura.

O fim das ‘dores de barriga’

Por seu turno, Célia Oliveira, psicóloga, professora na Universidade Lusófona e consultora do programa “A a Z” e Francelina Manso, professora na escola básica Gomes Freire de Andrade e coordenadora regional de Lisboa do programa, dedicaram o terceiro episódio do programa a analisar o impacto no bem-estar físico e mental das crianças. Isto porque, como mostra a investigação científica, as dificuldades de aprendizagem da leitura estão associadas ao aparecimento de problemas de ansiedade, baixa autoestima e dificuldades sociais.

“Um estudo de 2022 mostra claramente que há um aumento da ansiedade e uma diminuição da autoestima nas crianças que apresentam dificuldades na aprendizagem da leitura logo nas fases iniciais dessa aprendizagem. Mas quando estas crianças recebem apoio e começam a evoluir nesta aprendizagem da leitura, os seus níveis de autoestima aproximam-se dos das crianças que não têm dificuldade”, referiu Célia Oliveira, que citou ainda um estudo de acordo com o qual alunos com dificuldades de aprendizagem de leitura no segundo ano de escolaridade têm maiores probabilidades de desenvolver ansiedade social no quinto ano.

A ultrapassagem das dificuldades leva a um novo entusiasmo por parte dos alunos, como relatou Francelina Manso, recordando o caso de Sofia, que passou a ter muito maior disponibilidade para aprender e participar em sala de aula, mas também para ajudar os colegas. Depois de lidar com as suas fragilidades, o aluno aprende a lidar com as suas potencialidades e a partilhar esse conhecimento com os colegas, explica a coordenadora regional de Lisboa. “Há um olhar muito mais atento destas crianças para o colega que tem dificuldades - seja na leitura seja na escrita, seja até noutras áreas curriculares. Aquilo em que noto maior diferença é a confiança que as crianças ganham, não só em sala de aula, mas a confiança para se disponibilizarem para outras atividades”, diz.

Fonte: Dinheiro Vivo por indicação de Livresco

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