segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Avaliar competências. É mesmo assim?

No passado dia 26 de outubro o Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) publicou o enquadramento geral que vai presidir à conceção das provas de avaliação externa das aprendizagens dos alunos dos ensinos básicos e secundário para o presente ano letivo. Refere o referido enquadramento que a avaliação externa implementada por provas e exames tem em consideração a necessidade de avaliar a capacidade de mobilização e de integração dos saberes disciplinares. E apresenta como documentos de referência para a conceção das provas de avaliação e exames o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória e as Aprendizagens Essenciais.

O perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória foi publicado em julho de 2017 e é um documento bem construído e bem estruturado, que define uma proposta concreta de referencial de aprendizagens, construído com base em áreas de competências e respetivos descritores. Podemos discutir se é o perfil adequado, mas não se pode colocar em causa a qualidade técnica do trabalho que o suporta.

As Aprendizagens Essenciais foram homologadas em agosto de 2018 e são uma forma inovadora de apresentar os programas curriculares e as metas de aprendizagem, procurando que tenham uma ligação às áreas de competências do perfil dos alunos à saída da escolaridade obrigatória.

Mas os exames, por muito que se escreva no seu documento enquadrador as palavras “competências”, “itens de avaliação” ou “capacidade de mobilização e de integração dos saberes disciplinares”, não são instrumentos que avaliem competências no que se refere à mobilização de conhecimentos, aptidões ou capacidades para a abordagem de situações e resolução de problemas. Querendo que o seja apenas por que se diz que o é trata-se de camuflar o que realmente é.

Os exames não avaliam competências. Os exames não avaliam capacidades. Os exames não avaliam atitudes. Estas dimensões dos resultados de aprendizagem dos alunos existem e estão implícitas nos modos e formas como os alunos abordam e ultrapassam este “Adamastor” que lhes aparece à frente no caminho ambicionado do prosseguimento de estudos. Mas não são avaliadas pelos exames. Os exames avaliam essencialmente conhecimentos. Os exames são instrumentos de avaliação paradigmáticos de um ensino centrado na transmissão de conhecimentos e no papel do professor como detentor do conhecimento. Onde o aluno tem pouquíssima margem de manobra para apresentar as competências que desenvolveu ao longo do seu processo de aprendizagem. E, na melhor das hipóteses, permite avaliar a resiliência dos alunos para resistir a toda a carga da pressão social que acompanha a realização dos exames quando estamos a falar de exames decisórios para a frequência do Ensino Superior.

Prova de que os exames são meros medidores de conhecimentos transmitidos pelo professor foi a gestão efetuada durante a pandemia de COVID19. Com receio que os resultados dos exames espelhassem a insuficiência das aprendizagens dos conteúdos curriculares, o IAVE emanou a orientação de que nos exames de 2020, 2021 e, agora, de 2022, devia existir a possibilidade de os alunos escolherem conteúdos preferenciais. O que se fez nos exames, e se continua a fazer no presente ano letivo, é simplesmente baixar o referencial de medição de conteúdos para que os resultados não reflitam de forma evidente a ausência de transmissão de conteúdos curriculares aos alunos que terminaram a escolaridade obrigatória em 2020, 2021 ou 2022. Na prática, adultera-se a “balança” para que a mesma não reflita o “excesso de peso”.

Fala-se de competências à saída da escolaridade obrigatória, mas ninguém referiu a necessidade de identificar quais foram as competências que os alunos deixaram de desenvolver devido ao contexto pandémico ou quais foram as que tiveram de desenvolver por terem de se adaptar tão rapidamente a uma realidade completamente nova e inesperada.

Se queremos ser coerentes com os tais documentos orientadores da organização do ensino secundário temos de implementar processos de avaliação que permitam medir de forma efetiva resultados de aprendizagem na plenitude das suas representações: capacidades, atitudes e conhecimentos. Mas para isso é necessário repensar todo o modelo de avaliação externa das aprendizagens que não pode, apenas, estar assente de forma cómoda na simplicidade de aplicação de provas escritas e exames. E é definitivamente necessário mudar o paradigma do acesso ao ensino superior. Enquanto não o fizermos, este modelo de exames será sempre um “peso” demasiado pesado sobre os “ombros” dos professores e alunos e um constrangimento demasiado limitador das aprendizagens dos alunos e da flexibilidade e diversidade de respostas que o ensino secundário ambiciona oferecer aos jovens alunos portugueses.

Gonçalo Xufre

Fonte: Observador

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