quinta-feira, 25 de março de 2021

Crianças vulneráveis em “risco extremo” de não voltarem à escola

Em países como Níger, Mali, Chade, Libéria, Guiné, Mauritânia, Iémene, Nigéria, Senegal, Costa do Marfim, Paquistão e Afeganistão, o encerramento das escolas, em resposta à covid-19, coloca crianças e jovens em idade escola em “risco extremo”, alerta a organização não governamental (ONG) Save The Children. “Quanto mais tempo as escolas ficarem fechadas, menor será a probabilidade de as crianças mais vulneráveis voltarem à escola.”

Sem aulas presenciais aumentam os riscos para as crianças mais marginalizadas, oriundas de famílias desfavorecidas, com deficiências, deslocadas internamente e do género feminino. Basta pensar na falta de tecnologias e acesso à Internet, expressa no “fosso digital’. Quatro em cada cinco países em que as escolas fecharam implementaram ao nível nacional o ensino à distância. Desses, 60% dependiam apenas de plataformas online.

Segundo a ONG esta dependência originou “uma exclusão digital impressionante”. Entre os alunos do ensino básico e secundário que só puderam aprender desta forma, 465 milhões – quase 47% do total – não tem acesso à Internet em casa. São várias as disparidades geográficas: 80% dos alunos na África subsariana não têm acesso à Internet em comparação com menos de 15% na Europa Ocidental. Nos países de baixo e médio rendimento, o acesso à Internet móvel é 23% menor para mulheres e raparigas e em contextos frágeis é ainda menos.

No relatório “Save Our Education”, a ONG mostra como “manter vivas as aprendizagens” nestes contextos, significa arranjar alternativas às tecnologias. Incluindo fazer chegar materiais educativos em papel. Exemplo da biblioteca de camelos que desde 2010 funciona na região somali da Etiópia. O programa inclui 21 camelos que levam até 200 livros de histórias para mais de 22.000 crianças em 33 aldeias, o que permite às crianças aprender enquanto as escolas estão fechadas.

Com cerca de 70% da população com menos de 25 anos, Burquina Faso enfrenta desafios na educação, emprego, segurança alimentar e recursos naturais limitados. Em 16 de março de 2020, as escolas fecharam afetando mais de 4 milhões de alunos. Um mês depois, o Ministério da Educação lançava uma plataforma online para apoiar oportunidades de ensino à distância para crianças. Foi introduzido um novo canal de rádio exclusivamente para fins de aprendizagem remota.

O ensino à distância, lembra a ONG, nem sempre é projetado para as crianças com deficiência. Por exemplo, meios interativos de ensino, usando a rádio excluem as crianças com deficiências auditivas. “A combinação de múltiplas plataformas e modalidades de distribuição é necessária para garantir que alcancemos as crianças mais marginalizadas afetadas pelo fechamento de escolas”, alerta a Save The Children num relatório onde faz o retrato das fragilidades em matéria de educação nos países mais vulneráveis.

Proteger as crianças
Violência, abuso e negligência são ameaças que estão a aumentar para as crianças que estão em confinamento, reconhece a ONG. “Para muitos meninos e meninas vulneráveis, a escola oferece um refúgio contra a violência e outras ameaças, bem como acesso a serviços, incluindo assistência social, saúde mental e apoio psicossocial.” No Malawi, como parte do projeto Let Girls Learn, a intervenção REAL Fathers está no terreno a motivar os pais a apoiarem mais a educação das filhas e orientar outros pais a fazer o mesmo.

Outro problema, levantado pela ausência de aulas presenciais diz respeito às refeições e lanches fornecidos nas escolas. “E que são geralmente uma tábua de salvação para as crianças mais vulneráveis, precisam Hollie Warren e Emma Wagner, autoras do relatório. 352 milhões de crianças em todo o mundo (47% delas meninas) perderam as refeições escolares por causa do fecho de escolas, segundo o Programa Mundial de Alimentos. Há 134 países onde não existem dados sobre a alternativa às refeições escolares, 50 países ofereceram refeições para levar para casa.

Entre os riscos que ameaçam o regresso à escola, contam-se o do trabalho infantil. “As famílias mais pobres com adultos desempregados provavelmente vão sofrer uma diminuição nos seus rendimentos, em resultado das restrições da covid-19. Isso aumenta o risco de as crianças serem forçadas a trabalhar para contribuir para o orçamento familiar, o que as impede de prosseguir os estudos durante a crise.”

O relatório da Save The Children recorda o que aconteceu na Serra Leoa, após o surto de Ébola, que encerrou as escolas. Os meninos trabalharam nas minas e em pequenos comércios de pequenos valores, e as meninas estiveram envolvidas na coleta de lenha para venda. Quando as escolas reabriram, as crianças que encontraram trabalho raramente eram incentivadas pelos pais a voltar à escola. Mas uma hora diária de aula para raparigas adolescentes, lecionada em locais seguros nas aldeias, e para um total de 4.700 alunas, fez com que as taxas de matrícula caíssem apenas 8% nas áreas onde as aulas ocorreram, em comparação com 16% nas aldeias que não receberam a intervenção.

O aumento da pressão sobre os orçamentos familiares, aliado ao encerramento de escolas, pode ainda levar os pais a decidir casar as suas filhas. Na África Ocidental e Central, onde 42% das mulheres se casam antes dos 18 anos, 70% das meninas inscrevem-se no ensino primário, mas apenas 36% concluem o ensino básico.

Apoiar os pais e os professores
Mesmo em famílias mais pobres e com alfabetização limitada, é possível aumentar o sucesso dos alunos dando aos pais dicas, garante a ONG. Um trabalho de capacitação parental que se faz no Vietname, através da plataforma de mensagens online Zalo. Os pais recebem mensagens - de voz para os que não sabem ler e de texto - com propostas de atividades para realizar com seus filhos.

A ONG lembra que também os professores precisam de apoio: “Não estão imunes ao impacto da covid-19 e ao encerramento das escolas.” “A crise não deve servir de pretexto para marginalizar os direitos laborais.” A Save The Children recomenda apoio extra aos professores que têm filhos afetados pelo encerramento das escolas. Sobretudo no caso de serem mulheres “que são mais propensas a assumir responsabilidades de cuidar”. “É fundamental manter as professoras como modelos para os alunos e exemplos de mulheres em papéis de liderança para as comunidades e de como a educação pode empoderar as meninas.”

Regresso seguro à escola
Em maio de 2020, eram 100 os países que ainda não tinham data marcada para reabrir as escolas, 65 tinham planos para reabertura parcial ou total, enquanto 32 encerravam o ano letivo em regime de ensino à distância. A motivação para voltar às aulas presenciais pode ser muito menor em crianças e jovens vulneráveis ou com dificuldades.

Tornar as escolas lugares seguros pode implicar variadas medidas. No Iémen, as escolas foram reaproveitadas como locais de quarentena e centros de isolamento em todo o país. Assim, antes de reabrirem devem passar por uma desinfeção adequada, exemplifica a ONG. Mas muitas escolas não têm sequer instalações sanitárias suficientes, alertam os autores do estudo. Em 2016, segundo dados da UNICEF, apenas 53% das escolas ao nível mundial tinham serviços básicos de higiene, definidos como instalações para lavar as mãos com água e sabão.

Nos países europeus, o cenário é bem diferente. Na Dinamarca, onde as escolas do pré-escolar e do 1.º ciclo abriram em abril de 2020, o regresso “em segurança” foi conseguido através do distanciamento físico. Foram criadas salas extras, usando tendas, para dividir as crianças em grupos menores, o tempo de aulas foi encurtado, para permitir dois turnos por dia. Nas escolas primárias europeias, um professor tem em média 13 alunos. Mas nos países de baixo rendimento, cada professor é responsável por 40 crianças e, em alguns contextos de refugiados, as turmas podem chegar a 120 crianças, lembra a ONG.

Tornar as escolas lugares seguros pode ser a primeira medida a tomar pelos Governos, prioriza a Save The Children. Segurança implica coisas tão diferentes, como dotar as escolas de instalações sanitárias nos países de baixo rendimento. Para garantir que as crianças vulneráveis continuem a aprender vai ser preciso mais.

Fonte: Educare

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