terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Ser professor hoje não é fácil

A falta de professores nas escolas de Lisboa foi notícia, mas não é um facto, nem recente, nem restrito àquela região; não sendo novo, tem propensão para piorar e é transversal a todo o país. Entre as reivindicações apresentadas, a greve de professores no dia 11 de Dezembro também visava chamar a atenção para este problema.

Com o 25 de Abril, deu-se uma inestimável expansão do ensino, que se democratizou, perdendo o carácter elitista que o caracterizava. As escolas proliferaram por todo o país para facilitar o acesso de todos à educação, mas a consequente necessidade de contratar professores redefiniu os critérios de admissão para o exercício da docência, baixando o grau de exigência. Na consolidação do processo nos anos seguintes, tornou-se imperioso transferir o foco da questão de mais acesso para o da mais qualidade.

Convergente com a ideia de que o primeiro requisito para ensinar bem é saber bem o que se ensina – o que supõe, não só o conhecimento dos conteúdos, mas também dos seus aspectos metodológicos –, seguiu-se um período em que houve um inegável esforço por parte da tutela na formação dos professores. A partir do final da década de setenta do século passado, as habilitações académicas e as qualificações profissionais do corpo docente vieram progressivamente a melhorar, ao mesmo tempo que se verificou, até 2005/2006, um crescimento do número de professores em todos os níveis de ensino.

Acompanhando estas mudanças, a classe foi também envelhecendo. De acordo com o Relatório Técnico sobre a Condição Docente do Conselho Nacional de Educação, a média de idades do corpo docente, em 2015, situava-se nos 45 anos e, em 2019, segundo a PORDATA, no 2º e 3º ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário, por cada 100 professores com menos de 35 anos, havia 1595 com mais de 50.

Esta considerável tendência de envelhecimento pode ser vista como um indicador de estabilidade e de experiência profissional, mas não deixa de ser preocupante, sobretudo, se pensarmos no elevado número de professores que atingirão, nos próximos anos, a idade da reforma. Mais preocupante se torna quando constatamos que, dos jovens que pretendem completar o ensino superior, de acordo com o estudo da OCDE, Effective Teacher Policies, apenas 1,3% planeia tornar-se professor e, na sua maioria, são os alunos com um aproveitamento escolar abaixo da média.

Ser professor não é, portanto, uma carreira aliciante.

E o mesmo estudo identifica algumas das causas que a tornam pouca atractiva e sugere alternativas para as corrigir, sublinhando que os professores são a peça chave para o sucesso dos alunos e que é preciso criar condições para que consigam fazer o seu trabalho.

O ensino sempre foi uma actividade complexa, mas, à medida que a escola foi assumindo uma maior responsabilidade social, o papel do professor tornou-se cada vez mais exigente e difícil, sem que daí lhe advenham as correspondentes contrapartidas. Verifica-se, pelo contrário, um declínio do reconhecimento e da imagem social dos docentes. A incerteza de colocação, que não contribui para que os professores criem um sentimento de pertença em relação às escolas por onde passam, as constantes mudanças e ajustamentos curriculares, a burocracia que extravasa o horário (na maioria das vezes, sem proveito) não tornam a docência propriamente muito apelativa.

No estudo acima referido, uma importante estratégia sugerida para a valorização da profissão passa pelo processo de recrutamento que avalia as competências profissionais dos candidatos e mecanismos de avaliação dos professores. Avaliar e compensar os professores poderá ser uma maneira para atrair os melhores alunos, para ter bons professores.

A apregoada autonomia das escolas deveria permitir seleccionar aqueles docentes cujas competências, características e experiência melhor se ajustassem ao seu projeto educativo; ou estabelecer uma discriminação positiva para quem aceitar o desafio de leccionar nas escolas mais problemáticas.

Apesar das renovadas juras de amor pela Educação em 2017, Portugal acabaria por registar, em 2018, o rácio despesa pública em educação/PIB mais reduzido desde que há registos oficiais, passando a ocupar o 20º lugar da União Europeia, enquanto era 3º, no início do século.

Numa sociedade em que o desenvolvimento económico, social e humano assenta cada vez mais no conhecimento, o progresso do país cada vez mais depende da Educação e o futuro da Educação passa pela existência de bons professores. Ao Governo compete uma reflexão sobre este tema ou então sacudir a água do capote como fez o actual Secretário de Estado da Educação, João Costa, em relação aos resultados dos alunos do 4º ano em Matemática, na avaliação internacional Trends in International Mathematics and Science Study (TIMSS 2019).

As coisas não correm bem? Não olhem para mim que a responsabilidade não é minha. Os culpados? Os do costume. Os que foram Governo e estão agora na oposição.

Vera de Melo Gouveia

Fonte: Jornal Económico por indicação de Livresco

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