sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Fundamentos históricos do movimento da inclusão

Em alguns dos comentários que foram publicados, verifica-se que os conceitos de "integração" e "inclusão" ainda não se encontram totalmente assimilados. Assim, vou publicar, faseadamene, alguns textos pessoais sobre esta temática.
Fundamentos históricos do movimento da inclusão

Os alunos com necessidades educativas especiais (NEE) têm sido objecto de tratamento social e educativo ao longo da história de acordo com as perspectivas e os pensamentos prevalecentes nos diversos momentos. Desta forma, como referem Correia e Cabral (1999a), esta evolução passou de políticas extremas de exclusão da sociedade das crianças portadoras de deficiência, como acontecia na Antiga Grécia, para um movimento, com início no século XIX, centrado na tentativa de recuperação ou remodelagem física, fisiológica e psíquica da criança diferente, com a finalidade de a ajustar à sociedade pela eliminação de alguns dos seus atributos negativos, reais ou imaginados. Neste século, diversos técnicos de saúde e da ciência centraram-se decididamente no estudo dessas crianças diferentes, isto é, portadoras de deficiância.
No início do século XX, com os contributos da teoria psicanalítica e dos testes de medição da capacidade intelectual, dá-se uma evolução no sentido da criação de escolas especiais com o intuito de separar e isolar as crianças do grupo principal e maioritário da sociedade. Esta necessidade social de resolver o problema destas crianças determina, contudo, a sua rotulagem e segregação, em função da sua deficiência, excluindo-as dos programas de educação pública.
No entanto, quando as escolas públicas começam a aceitar algumas responsabilidades na educação de algumas destas crianças, a prática de segregação e de rotulagem como “deficientes” continua a verificar-se, levando à sua marginalização das turmas regulares pela colocação em classes especiais.
Com as duas grandes guerras e as consequentes sequelas sociais provocadas, as sociedades atingidas obrigaram-se a um novo olhar sobre esta realidade levando à assunção de novas responsabilidades e à procura de respostas possíveis. Esta fase teve o seu apogeu nos anos 60 sob os desígnios da igualdade de oportunidades educativas para crianças com NEE na escola regular. Neste século, a educação especial passa por grandes reformulações “como resultado das enormes convulsões sociais, de uma revisão gradual da teoria educativa e de uma série de decisões legais históricas que assentam num pressuposto simples: a escola está à disposição de todas as crianças em igualdade de condições e é obrigação da comunidade proporcionar-lhes um programa público e gratuito de educação adequado às suas necessidades.” (Correia e Cabral, 1999a, p. 14). Em síntese, as escolas começam a abrir as suas fronteiras e a receber algumas crianças com NEE. Esta integração começou, numa primeira fase, como veremos de seguida, por atender algumas crianças de acordo com as suas características, isto é, as deficiências de que eram portadoras.
Segundo Costa (1999), só a partir dos anos 70 se iniciou, na maior parte dos países, o processo de aproximação dos alunos com NEE às estruturas regulares de ensino, baseado nos conceitos de normalização, integração, igualdade de oportunidades e, finalmente, inclusão. Estes diferentes princípios foram coexistindo simultaneamente embora com progressivo movimento centrípeto em relação à sala de aula e à escola regular.
Em Portugal, foi também na década de 70 que se deu início formal ao movimento da educação integrada que tinha como principais destinatários as crianças portadoras de deficiências sensoriais ou motoras, mas com capacidade para acompanhar os currículos escolares normais. O apoio educativo centrava-se no próprio aluno e a sua presença na turma regular não pressupunha modificações, quer na organização, quer no desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem (Correia e Cabral, 1999b). Nesta perspectiva, a integração restringia-se a algumas crianças com NEE claramente tipificadas e consistia basicamente em proporcionar-lhes as mesmas oportunidades educativas sem quaisquer tipos de adaptações de acordo com as suas características e necessidades. Tratava-se, portanto, de um processo que proporcionava ao aluno com NEE o desenvolvimento de relações interpessoais, com todas as vantagens que daí advinham, mas que, no progresso escolar, poderia fomentar o insucesso e criar problemas ao nível da auto-estima. Poderemos concluir, então, que a escola apenas abria as suas portas e dava oportunidade de ser frequentada por este tipo de alunos.
As políticas educativas foram profunda e globalmente marcadas por um conjunto de acontecimentos ocorridos ao longo das décadas de 80 e 90. Nesta perspectiva, Costa (1999) destaca alguns momentos e acontecimento de âmbito internacional que vieram influenciar todo um conjunto de conceitos, práticas e formulação de legislação que caracterizam as políticas educativas de muitos países.
Em 1981 vive-se o Ano Internacional das Pessoas com Deficiência. Este acontecimento serve de marco fundamental na mudança de conceitos vigentes sobre a forma de encarar as pessoas portadoras de deficiências e, naturalmente, sobre a forma de encarar a educação das crianças e dos jovens com deficiência. Este ano assumiu-se como o ponto de partida pela defesa do princípio da igualdade de oportunidades para todos, com repercussões na produção de medidas legais aos diversos níveis, com vista a tornar a sociedade e os diferentes serviços e recursos acessíveis para todos. Não se pretendia apenas ajudar as pessoas portadoras de deficiência a adaptarem-se às solicitações da sociedade mas alterar as estruturas sociais de modo a que pudessem responder às necessidades das pessoas com problemas específicos.
Em 1989, a Assembleia Geral das Nações Unidas adoptou a Convenção Sobre os Direitos da Criança, ratificada por mais de cento e cinquenta países. Esta convenção serviu para exercer uma considerável pressão sobre os diversos governos para que observassem a situação das crianças à luz dos vários princípios nela consignados. Naturalmente, a convenção contempla a situação das crianças portadoras de deficiência. O artigo 2º determina que todos os direitos devem ser aplicados a todas as crianças sem discriminação. Por outro lado, o artigo 23º refere os direitos da criança com deficiência mental ou física. Resumidamente, deve usufruir de uma vida plena e estimulante em condições que assegurem a dignidade, que promovam a sua auto-confiança e facilitem a sua participação activa na comunidade; deverá ser prestado todo o apoio para que tenha um acesso efectivo à educação e ao treino de modo a permitir que atinja a máxima integração social e o máximo desenvolvimento individual possível.
Passado um ano, em 1990, realizou-se a Conferência Mundial sobre Educação para Todos. Como resultado final da conferência, a Declaração Mundial sobre a Educação para Todos refere o dever de serem tomadas medidas que garantam a igualdade de acesso à educação de todas as categorias de pessoas com deficiência como parte integrante do sistema educativo.
Em 1993, as Nações Unidas adoptaram as Normas sobre Igualdade de Oportunidades para Pessoas com Deficiência. Trata-se do mais importante conjunto de directivas sobre esta matéria. De entre as directivas constam as relativas à educação, afirmando-se que as crianças com deficiência devem beneficiar do apoio de que precisam dentro das estruturas regulares de educação, saúde, emprego e acção social.
Em 1994, a UNESCO, em colaboração com o governo espanhol, promoveu a Conferência Mundial de Salamanca, com a participação de noventa e dois governos, incluindo o de Portugal, e de vinte e cinco organizações internacionais. A conferência sintetiza as suas conclusões na Declaração de Salamanca e tem sido utilizada como base de reflexão, de debate e de referência na reformulação de programas educativos de diversos governos. Esta conferência constituiu um marco fundamental na evolução dos princípios e das práticas em relação às crianças com NEE. Nela foi consignado o conceito de educação inclusiva como forma mais completa e efectiva de aplicação do conceito de escola para todos. Surgem também novas concepções sobre NEE. De acordo com a Declaração, todos os alunos devem aprender juntos, sempre que possível, independentemente das dificuldades e das diferenças que apresentem. As escolas inclusivas devem reconhecer e satisfazer as necessidades dos seus alunos, adaptando-se aos vários estilos e ritmos de aprendizagem, de modo a garantir um bom nível de educação para todos, através de currículos adequados, de uma boa organização escolar, de estratégias pedagógicas, de utilização de recursos e de uma cooperação com as respectivas comunidades. Para tal, é preciso um conjunto de apoios e serviços que satisfaçam a diversidade de necessidades especiais dentro da escola.
O conceito de integração foi, assim, evoluindo e passou-se a uma outra fase mais avançada do processo de inserção destas crianças na escola regular, designado por inclusão. Este novo paradigma entende que a criança com NEE deve estar inserida, sempre que isso seja possível, na turma regular, onde deve receber todos os serviços educativos adequados, contando-se, portanto, com o apoio apropriado às suas características e necessidades.
Verificamos, no entanto, que estes dois conceitos (integração e inclusão) ainda geram algumas dúvidas conceptuais com repercussões na implementação das medidas educativas este tipo de alunos. Constitui nosso objectivo contribuir para a clarificação coerente e pragmática de ambos os conceitos. Para tal, serão alvo de uma abordagem própria posteriormente.

Bibliografia:
CORREIA, L. M. e CABRAL, M. C. M. (1999a) – Práticas Tradicionais da Colocação do Aluno com NEE. In L. M. Correia (dir) Alunos com Necessidades Educativas Especiais nas Classes Regulares. Porto: Porto Editora, pp. 11-16.
CORREIA, L. M. e CABRAL, M. C. M. (1999b) – Uma nova política em educação. In L. M. Correia (dir) Alunos com Necessidades Educativas Especiais nas Classes Regulares. Porto: Porto Editora, pp. 17-44.
COSTA, Ana Maria Bénard (1999). Uma Educação Inclusiva a partir da escola que temos. In Uma Educação Inclusiva a partir da escola que temos. Lisboa: Conselho nacional de Educação, pp. 25-36.

2 comentários:

Atena disse...

Muito importante postagem... faz de forma simples e resumida o percurso histórico de um caminho que interessa a todos os pais de crianças com NEE. Tenho lido muito acerca destes temas, mas nada deste género, tão organizado e completo. Ficareí atentamente à espera de mais. De facto, os dois conceitos não estão totalmente clarificados, embora para mim o que está subjacente aos conceitos é o mais importante, mas há que clarificar as coisas para não existirem mal entendidos ou más interpretações daquilo que se pretende da educação das crianças com NEE's na escola pública, e que é um direito.
Parabéns, porque pelo que entendi este texto faz parte de um trabalho de pesquisa de sua autoria.
Um abraço e até breve.
Cristina

João Adelino Santos disse...

Os textos que vou publicar fazem parte do trabalho de investigação aquando da especialização. Procuro que sejam simles e claros, embora nem sempre se consiga. Publico-os faseadamente porque, no todo,ocupariam muito espaço e desmotivariam para a sua leitura.
Abraço
João