terça-feira, 30 de novembro de 2021

Crianças com problemas de audição têm mais dificuldades em aprender a ler

A investigação de Margarida Serrano, professora da Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Instituto Politécnico de Coimbra (ESTeSC-IPC), acompanhou dois grupos de 24 crianças entre a pré-primária e o 2º ano de escolaridade, um constituído por alunos com hipoacusia ligeira (dificuldade auditiva pouco severa) e outro por normo-ouvintes, ou seja, com audição normal.

No estudo, foram avaliados “parâmetros como a memória fonológica, vocabulário, discriminação auditiva, conhecimento das letras, consciência fonológica, descodificação de palavras e de pseudopalavras e compreensão na leitura de frases”, frisa a ESTeSC-IPC, em comunicado enviado à agência Lusa.

“Os resultados indicam que as crianças com hipoacusia ligeira têm pior desempenho, quando comparadas com os seus colegas normo-ouvintes, em tarefas que requerem memorização e repetição de sequências fonémicas sem suporte de informação lexical, revelando maior lentidão na aprendizagem da leitura”, acrescenta a nota.

Citada no comunicado, Margarida Serrano explica que as crianças com hipoacusia ligeira “utilizam recursos cognitivos que implicam um maior esforço para conseguirem os resultados obtidos, especialmente na leitura de pseudopalavras, no 2º ano de escolaridade. Este esforço pode requerer maior atenção e consequentemente uma maior fadiga sentida por estas crianças”.

“Estima-se que 20% das crianças portuguesas em idade pré-escolar tenham hipoacusia ligeira, dificuldade de audição provocada por alterações no ouvido médio, como otites, por exemplo”, adianta o comunicado.

No estudo, intitulado “Impacto da Hipoacusia ligeira na aprendizagem da leitura (estudo longitudinal)” – que é sexta-feira apresentado em livro, pelas 14:30, na ESTeSC-IPC – é enfatizado que a dificuldade auditiva pouco severa “oscila ao longo do ano, mas o problema pode tornar-se permanente se não houver intervenção médica”.

Razão pela qual Margarida Serrano defende que “a avaliação audiológica das crianças no início da aprendizagem da leitura devia ser obrigatória”.

Segundo a investigadora, “cabe aos professores estarem atentos aos sinais de alerta e implementar alterações na sala de aula”, nomeadamente colocando uma criança com suspeita de dificuldade auditiva “num lugar privilegiado na sala de aula, onde possa ver a comunicação global do professor, se necessário”.

A investigação de Margarida Serrano conclui ainda que o desempenho dos dois grupos de crianças “é pior no ruído do que no silêncio, quer na repetição de palavras, quer na repetição de pseudopalavras”.

“O ruído e a reverberação são uma constante nas salas de aula e as condições acústicas interferem na aprendizagem, especialmente nas fases iniciais, em que a criança ainda não tem autonomia de leitura e está dependente de audição”, observa a professora.

“Melhorar as condições acústicas das nossas escolas, através de pavimentos de madeira, paredes com isolamento acústico ou, pelo menos, material que permita diminuir a reverberação é algo imperativo nas nossas escolas, para o bem da qualidade da aprendizagem de todas as crianças”, sustenta.

Fonte: RTP por indicação de Livresco

segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Clarificação dos processos de revisão ou reavaliação do grau de incapacidade

A Lei n.º 80/2021, de 29 de novembro, clarifica os processos de revisão ou reavaliação do grau de incapacidade, alterando o Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de outubro, que estabelece o regime de avaliação de incapacidade das pessoas com deficiência para efeitos de acesso às medidas e benefícios previstos na lei.

Sempre que do processo de revisão ou reavaliação de incapacidade resulte a atribuição de grau de incapacidade inferior ao anteriormente atribuído, e consequentemente a perda de direitos ou de benefícios já reconhecidos, mantém-se em vigor o resultado da avaliação anterior, mais favorável ao avaliado, desde que seja relativo à mesma patologia clínica que determinou a atribuição da incapacidade e que de tal não resulte prejuízo para o avaliado.

domingo, 28 de novembro de 2021

Medidas no âmbito da pandemia da doença COVID-19

O Decreto-Lei n.º 104/2021, de 27 de novembro, altera as medidas no âmbito da pandemia da doença COVID-19.

O decreto-lei procede:
  • À prorrogação da vigência do Decreto-Lei n.º 10-B/2021, de 4 de fevereiro, na sua redação atual, que estabelece medidas excecionais e temporárias na área da educação, no âmbito da pandemia da doença COVID-19, para 2021;
  • À suspensão das atividades letivas, não letivas e formativas em regime presencial;
  • À possibilidade de reforço das equipas de vacinação contra a doença COVID-19.
1 - Entre 2 e 9 de janeiro de 2022 ficam suspensas em regime presencial:
a) As atividades educativas e letivas dos estabelecimentos de ensino públicos, particulares e cooperativos e do setor e solidário, de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário;
b) As atividades de apoio à primeira infância de creches, creche familiar e amas, as atividades de apoio social desenvolvidas em centro de atividades e capacitação para a inclusão, e centro de atividades de tempos livres;
c) As atividades letivas e não letivas presenciais das instituições de ensino superior, sem prejuízo das épocas de avaliação em curso.

Excetuam-se da suspensão, sempre que necessário, os apoios terapêuticos prestados nos estabelecimentos de educação especial, nas escolas e pelos Centros de Recursos para a Inclusão, bem como o acolhimento nas unidades integradas nos Centros de Apoio à Aprendizagem, para os alunos para quem foram mobilizadas medidas adicionais, sendo assegurados, salvaguardando-se as orientações das autoridades de saúde, assim como a realização de provas ou exames de curricula internacionais.

Os agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas da rede pública de ensino e os estabelecimentos particulares, cooperativos e do setor social e solidário com financiamento público adotam as medidas necessárias para a prestação de apoios alimentares a alunos beneficiários da ação social escolar e aos alunos que, não sendo beneficiários dos apoios alimentares no âmbito da ação social escolar, necessitem desse apoio.

Os centros de atividades e capacitação para a inclusão, não obstante encerrarem, devem assegurar apoio alimentar aos seus utentes em situação de carência económica, e, sempre que as instituições reúnam condições logísticas e de recursos humanos, devem prestar acompanhamento ocupacional aos utentes que tenham de permanecer na sua habitação.

As Equipas Locais de Intervenção Precoce devem manter-se a funcionar presencialmente, salvaguardadas todas as medidas de higiene e segurança recomendadas pela Direção-Geral da Saúde, e, excecionalmente, e apenas em casos em que comprovadamente não se comprometa a qualidade e eficácia pedagógica do apoio, poderão prestar apoio com recurso a meios telemáticos.

Estudo mundial realizado em Sintra revela decréscimo de competências ao longo de percurso escolar

O decréscimo da criatividade e da curiosidade dos estudantes ao longo do percurso escolar foi um dos problemas detetados num estudo mundial da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que em Portugal analisou escolas de Sintra.

O estudo foi apresentado esta sexta-feira em Sintra e analisou as competências sociais e emocionais de milhares de alunos, de 10 e 15 anos, em 10 cidades de todo mundo, concretamente de Portugal, Itália, Finlândia, Turquia, Rússia, Coreia do Sul, China, Canadá, Estados Unidos e Colômbia.

Para aferir os resultados e conclusões procurou-se avaliar as respostas dos alunos participantes a um inquérito, dos encarregados de educação e dos professores.

Em Portugal, o estudo incidiu em 79 escolas do concelho de Sintra, no distrito de Lisboa e abrangeu 3.855 alunos de 10 e 15 anos.

Em declarações (...), o presidente da Câmara Municipal de Sintra, Basílio Horta, manifestou-se preocupado com as conclusões deste estudo que, segundo o autarca, deve “merecer uma reflexão nacional por parte das escolas e sobre o modelo de ensino”.

No entender de Basílio Horta, “o problema é que a escola se tornou apenas uma fonte de conhecimento e ignora o talento”.

“Os jovens querem tocar música, querem conhecer cinema, teatro, literatura. Isto em termos nacionais é uma perda completa. Uma perda de talentos”, alertou.

Outra conclusão deste estudo que preocupa o autarca de Sintra é o facto de os jovens de 15 anos apresentarem “capacidades sociais e emocionais inferiores aos de 10 anos”, existindo “um decréscimo da criatividade e da curiosidade dos alunos” à medida que vão avançando no seu percurso escolar.

“Em vez de a escola suscitar o interesse diminui-lhes o interesse. Temos de saber porquê!”, sublinhou.

A questão do ‘bullying’ também foi abordada neste estudo da OCDE que, no caso de Sintra, aferiu que 37% dos estudantes com 10 anos e 13% com 15 anos tinham sido alvo de violência durante o período anterior ao inquérito (2019), concluindo que estes jovens apresentam níveis “mais baixos de otimismo, controlo emocional, resistência ao stress e confiança noutras pessoas”.

Em Portugal, o estudo resultou de uma parceria entre o Ministério da Educação, a Fundação Calouste Gulbenkian e a Câmara Municipal de Sintra.

Fonte: Observador por indicação de Livresco

sábado, 27 de novembro de 2021

Sinais de mal-estar psicológico nos jovens

Soubemos nesta semana que têm aumentado os pedidos de apoio psicológico em todas as faixas etárias e, em particular, entre os mais jovens. Uma tendência que já se verificava em 2020 e que continua a crescer.

A pandemia e os confinamentos, a escola em casa, o distanciamento social e as limitações que todos conhecemos têm tido um impacto particularmente significativo no bem-estar psicológico dos adolescentes, para quem a integração social e no grupo de pares se assume como uma tarefa de desenvolvimento especialmente relevante. Acrescem as situações de violência no seio da família, o aumento das separações e divórcios, o desemprego, as dificuldades económicas da família, as mortes... eventos stressores que exigem aos mais jovens um conjunto de recursos, internos e externos, nem sempre disponíveis.

Neste contexto, assistimos a um aumento de quadros depressivos e de ansiedade que, embora possam manifestar-se de formas muito diversas, apresentam alguns sinais de alerta que importa conhecer.

Quais são os sinais de alerta a que os pais ou professores devem estar especialmente atentos?

A nível físico, destacam-se as alterações nos padrões de sono (e.g., insónias, sono agitado, pesadelos) e alimentares (e.g., diminuição ou aumento do apetite), a inibição/lentidão de movimentos, náuseas, alterações gastrointestinais, tensão muscular, tremores, dores no corpo, alterações na forma de respirar, alteração no ritmo cardíaco e tonturas. A nível emocional, surgem frequentemente sentimentos de tristeza, medo, preocupação, culpa, raiva, vergonha e ansiedade. Muitos jovens evidenciam ainda alterações de humor ou ataques de pânico. Do ponto de vista cognitivo, observa-se com elevada frequência uma sensação de desesperança e confusão mental, pensamentos negativos, autocrítica e baixa perceção de controlo e eficácia, a par de dificuldades de atenção e concentração, alterações na memória e dificuldade em tomar decisões. Por fim, a nível comportamental, surgem muitas vezes crises de choro, evitamento de atividades que antes geravam prazer e também de novas atividades, incapacidade em lidar com tarefas diárias, comportamentos de maior passividade ou agressividade, isolamento social e comportamentos autolesivos.

Perante qualquer um destes sinais ou sintomas, é fundamental que o adulto consiga escutar e comunicar de forma empática, criando um clima de confiança que permita ao jovem partilhar aquilo que pensa e sente. Depois, importa pedir ajuda especializada, abrindo caminho para um processo de autoconhecimento e mudança que permita um crescimento mais saudável e harmonioso.

Rute Agulhas

Fonte: DN por indicação de Livresco

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Alunos que chegam tarde ao secundário são os que têm pior desempenho. Retenções “não têm eficácia”

Novos estudos da DGEEC confirmam que a condição socioeconómica continua a ser um factor determinante para conseguir ou falhar a conclusão do ensino secundário no tempo esperado.

Não é por chumbarem que os alunos vão aprender mais e terem assim mais hipóteses de sucesso. Bem pelo contrário, como mostram mais uma vez dados sobre o percurso dos estudantes no ensino secundário, divulgados nesta terça-feira pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC).

Quando se olha para o desempenho dos alunos que ingressaram em 2017/2018 nos cursos científico-humanísticos (CCH) e no ensino profissional, salta à vista que a idade de entrada no secundário é um factor determinante para o que irá acontecer a seguir. Nos CCH, 75% dos alunos que tinham entrado com 15 anos ou menos concluíram o secundário em 2019/2020, ou seja, no tempo normal para o efeito (três anos). Já entre os que tinham 18 anos ou mais à entrada só 20% alcançaram o mesmo feito. E neste grupo etário, 38% já nem estavam matriculados em qualquer oferta do secundário, porque, entretanto, desistiram de estudar.

Mas basta ter reprovado um ano para que tudo redunde para pior: apenas 44% dos alunos que entraram nos CCH com 16 anos concluíram em três anos, quando nos seus colegas mais novos esta proporção foi de 75% como já referido.

A tendência repete-se no ensino profissional: 80% dos que entraram nos cursos profissionais do secundário com 15 anos ou menos concluíram em três anos, enquanto só 37% dos que ingressaram com 18 anos ou mais chegaram ao fim em 2019/2020. E nesta faixa o abandono foi a opção escolhida por 36%. Quanto aos que entraram com 16 anos, a proporção de conclusões foi de 66%, bastante inferior aos 82% dos mais novos, mas signifiticativamente superior ao que foi conseguido nos CCH.

Dados que levaram o Ministério da Educação a alertar de novo para o seguinte: “A retenção e consequente atraso na idade de desenvolvimento dos estudos não revela eficácia comprovada”. Em 2020 a taxa de retenção no secundário estava nos 8,5% contra os quase 40% registados em 2001.

Os estudos divulgados nesta terça-feira pela DGEEC vêm também confirmar que a condição socioeconómica dos agregados familiares dos alunos continua a ter um peso significativo no desempenho, embora possam existir excepções.

Para apurar esta condição, a DGEEC comparou a percentagem de alunos que concluíram o ensino secundário em três anos em função da sua situação face à Acção Social Escolar (ASE), que é concedida a agregados que vivam no máximo com um rendimento mensal igual ao salário mínimo nacional. Existem dois escalões de ASE (A e B), sendo que o primeiro é o das famílias mais carenciadas.

Nos cursos científico-humanísticos, 54% dos alunos no escalão A concluíram o secundário em três anos, um valor que sobe para 66% no escalão B e que chega aos 70% entre os alunos que não precisam destes apoios. Nos cursos profissionais, o padrão é semelhante, mas como uma dissonância: a percentagem dos estudantes do escalão B que concluíram em três anos (66%) é superior à dos alunos que não têm estes apoios (61%). O que pode remeter para o facto de estes estudantes escolherem o ensino profissional sobretudo por terem maus desempenhos. Voltando à ASE, refira-se que no escalão A só 55% conseguiram concluir em três anos.

Como em Portugal continua a existir uma forte ligação entre as reprovações e as condições socioeconómicas dos estudantes, estes últimos dados vêm também apontar para o facto de os alunos carenciados terem um forte peso entre aqueles que chegam ao secundário em idades mais avançadas e acabam por ser penalizados por isso. 

(Continuação da notícias aqui)

Fonte: Público

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Dia Nacional das Acessibilidades: 20 de outubro

A Assembleia da República, pela Resolução da Assembleia da República n.º 297/2021, resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, consagrar o dia 20 de outubro como Dia Nacional das Acessibilidades.

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

“Os surdos podem fazer tudo o que os ouvintes fazem”

Quem entra na Fundação Nuno Silveira, em Gondomar, dá logo com Carlos Alberto Silva. Está na secretaria, com o nariz enfiado no computador, a fazer encomendas, a verificar pagamentos, a processar salários.

É o mais antigo funcionário da organização. Quando foi contratado, faz agora 25 anos, ainda se chamava Associação de Apoio ao Deficiente Nuno Silveira e ainda não dispunha das actuais instalações. Um complexo com lar residencial para pessoas com deficiência, centro de actividades ocupacionais, serviço de apoio domiciliário, empresas de inserção e cursos de formação profissional.

Não nasceu surdo, há 47 anos. “Estava na incubadora quando fiquei constipado e foi assim que começou a surdez. A minha mãe só deu conta aos nove meses.” Chamava por ele e pelo irmão gémeo e só o irmão virava a cabeça na sua direcção.

As portas da sua mente eram os olhos. A família inventou um código linguístico para comunicar com ele. Entrando no Centro António Cândido, no Porto, que então funcionava como uma escola exclusiva para crianças surdas, aprendeu língua gestual portuguesa.

As escolas públicas tinham começado a integrar alunos surdos. Desde 1978, nalgumas havia Núcleos de Apoio a Crianças Deficientes Auditivas. Ficavam à parte, juntando-se às ouvintes nalgumas disciplinas práticas. Carlos teve essa experiência na Escola Básica Eugénio de Andrade.

No 10.º, quando passou para a Escola Infante D. Henrique, foi integrado numa turma de ouvintes. Tinha aprendido leitura de fala, isto é, leitura labial, mas “foi complicado”. “Exigia um grande esforço e muito estudo. Tinha de estar sempre focado nos lábios do professor.” Alguns colegas ajudavam-no, emprestando-lhe os apontamentos.

Não havia intérprete na sala de aula

Foi no ensino secundário que conheceu Alexandra Perry, dois anos mais velha. Ela perdera a audição aos nove meses com uma doença viral, o sarampo. Tinham uma língua comum e uma forma semelhante de apreender o mundo e num instante ficaram encantados um com o outro.

Para ela, frequentar o secundário também era “uma luta muito grande”. “Não havia os apoios escolares de hoje. Não tínhamos intérprete na sala de aula. A primeira vez que tive intérprete foi quando entrei na Escola Superior de Educação de Coimbra. Foi um descanso.”

Um parêntesis: esta conversa está a acontecer na sala da família, em Águas Santas, Maia; o portátil está ligado e, através de videochamada, uma intérprete ajuda-nos a perceber o que Carlos e Alexandra vão dizendo.

Alexandra esclarece que, concluído o secundário, não foi logo para o ensino superior. Só havia os cursos da Associação Portuguesa de Surdos e da Associação de Surdos do Porto. “As pessoas tornavam-se formadoras de Língua Gestual Portuguesa e ensinavam nas escolas.”

Seguiram ambos por esse caminho profissional. “Sentíamos-mos inferiores aos professores”, admite ela. Todos os anos, assinavam um novo contrato com a categoria de técnicos especializados. Invariavelmente, começavam o ano lectivo com atraso. Preparavam aulas, davam-nas, faziam avaliações, mas ganhavam menos do que qualquer professor.

Havia algum debate, mas os estudiosos da área linguística já tinham provado que a língua gestual tem estrutura, gramática, precisão, flexibilidade, subtileza, como qualquer língua. E em 1997 a Língua Gestual Portuguesa foi reconhecida como instrumento de acesso à educação. Nessa altura, ganhou estatuto de disciplina. Nasceram as Unidades de Apoio Educativo aos Alunos Surdos. Mas o grande momento de viragem, na opinião de Alexandra, ocorreu em 2008, quando foram criadas escolas de referência para a educação bilingue de alunos surdos, que ensinam Língua Gestual Portuguesa como primeira língua e a Língua Portuguesa, na forma escrita e falada, como segunda.

Já se tinham casado e já tinham tido o primeiro filho quando, aos 26 anos, Alexandra decidiu ingressar no ensino superior. Nos seus tempos de presidente da Afomos, a associação dos profissionais de língua gestual, liderou a luta pela sua dignificação. Há três anos, o Ministério da Educação criou um código de recrutamento para professores de Língua Gestual Portuguesa. “Agora sinto que somos vistos como os outros professores.”

Dá aulas no Agrupamento de Escolas Eugénio de Andrade, no Porto. A sua antiga escola é hoje uma escola de referência para alunos surdos. “Adoro trabalhar ali. Adoro trabalhar com alunos surdos. Os alunos surdos também têm de pensar no seu futuro profissional. Sou lutadora e sinto que lhes sirvo de exemplo. Sou um modelo que eles podem seguir. Os surdos podem fazer tudo o que os ouvintes fazem menos ouvir.”

Carlos gaba-lhe a paciência. Não hesitou quando, ainda solteiro, um amigo lhe disse que estavam à procura de uma pessoa com o 12.º ano, residente em Gondomar, com alguma deficiência. O anúncio tinha três requisitos e ele preenchia os três. “Era a pessoa certa para aquele lugar.”

Não basta aceder ao emprego, é preciso segurá-lo. E ele tornou-se parte da casa. “Sinto-me muito bem no meu trabalho”, garante. Embora Alexandra já ali tenha ido dar uma formação de língua gestual para funcionários, poucos a sabem usar. Nem por isso Carlos se atrapalha. “Tenho os meus códigos. Sei utilizar a voz. Faço leitura de fala.”

Admite que a pandemia de covid-19 dificulta a comunicação dos surdos. As máscaras escondem os lábios. Para falar com ele, os colegas afastam-se um pouco e baixam a máscara. “Eles têm essa sensibilidade. É fácil comunicar com toda a gente. Não me posso queixar.”

Paula Aguiar, coordenadora das respostas sociais, só tem elogios a fazer-lhe, percebemos ao visitá-lo no trabalho no dia seguinte. “O Carlos faz trabalho administrativo e colabora e apoia-nos também nas áreas técnicas.” Aponta, em jeito de exemplo, o cartaz sobre a exposição de Natal. “Ele é muito curioso, muito interessado. Quando não sabe ajudar trata de saber. Faz a sua pesquisa e aparece com a solução.”

Atar fios aos pés dos bebés

A sociedade, nota Alexandra, está mais sensibilizada. Ainda assim há muita gente surda com o 12.º ano ou o ensino superior fora do mercado de trabalho. “Quem não tem experiência com surdos tem dificuldade em concebê-la”, achega Carlos. “Como é que eu vou comunicar com aquela pessoa?”

Não é só uma questão de sensibilidade. Reconhecem o muito que o mundo mudou desde a sua infância e mesmo desde a infância dos filhos, agora com 25 e 16 anos. A evolução tecnológica facilita a vida das pessoas surdas.

Carlos dá o exemplo dos sensores que tem num candeeiro do quarto. Havendo um grito dentro de casa, a luz acende e apaga, acende e apaga. Se ele e Alexandra estiverem a dormir, acordam com aquele piscar.

Quando eram crianças, nada daquilo existia. Quando os filhos nasceram, tão-pouco. Pelo menos que eles tivessem conhecimento. Incapazes de ouvir o choro do bebé, tinham de engendrar soluções mais ou menos criativas.

Conta Alexandra que, na maternidade, mantinha uma mão no berço para sentir o movimento do bebé. E conta Carlos que, já em casa, atavam uma ponta de um fio ao pé do bebé e outra ponta a um braço. Se o bebé se mexesse, o puxão acordava o adulto responsável. E tantas vezes acordava para nada.

Ao que diz Alexandra, cuidar do primeiro filho foi bem mais complexo. Quando o segundo chegou, já tinham todas as estratégias testadas. Se fosse agora, que há sensores e outras tecnologias, mais fácil seria.

Os filhos são bilingues. Em casa, aprenderam língua gestual portuguesa. Na creche e no infantário aprenderam língua portuguesa. Na escola, continuaram a aprendê-la nas formas oral e escrita. A língua gestual não se revelou um obstáculo à aprendizagem da língua verbal.

Há uma parte da comunidade surda que se assume como uma minoria linguística e cultural, afastando-se da ideia de deficiência. O reconhecimento da língua gestual e o ensino bilingue fazem parte dessa concepção, que se desliga da visão médica e que adopta a visão das ciências sociais. Nesse sentido, os filhos pertencem à maioria ouvinte, mas também à minoria surda. Cresceram a frequentar a Associação de Surdos do Porto. Os pais fizeram-nos sócios quando ainda eram pequeninos. Nas actividades e nos convívios com a comunidade surda forjaram parte da sua identidade.

Carlos integrou há muitos anos a equipa de futsal da associação. Perdeu a conta aos jogos em que vestiu a camisola contra os jogadores das associações de surdos de Braga, de Coimbra ou de Lisboa. A certa altura, tornou-se treinador. “Vou sair. Estou cansado. Estou a ficar velho.”

Nesta fase da vida, está mais interessado nos passeios de BTT. Quem visita as suas redes sociais encontra abundante prova desta nova paixão. Quando se lhe fala do risco de não ouvir os carros, desvaloriza: “Os condutores dos carros têm de ter respeito pelos ciclistas. Têm carta. Sabem que devem manter distância de segurança.”

Alexandra acompanha-o nas caminhadas que vão fazendo, mas não é de praticar desporto. Prefere dedicar os tempos livres às actividades culturais, onde inclui o teatro para surdos, e de animação, onde coloca os concursos de miss e mister surdo e as festas de carnaval.

O filho mais velho afastou-se um pouco, mas o mais novo “adora” ir com os pais até à associação, onde encontra rapazes da sua idade, que também crescem em famílias silenciosas, que comunicam com as mãos.

Naquele final de dia, o mais novo desapareceu, envergonhado, numa divisão da casa. O mais velho ainda não tinha chegado. Quando tiverem relações amorosas sérias, Alexandra incentivará quem com eles partilhar os dias a aprender língua gestual. “Vou espicaçá-las. Tenho esperança que continuemos a ser uma família unida.”

O casal lembra que a inclusão de qualquer grupo minoritário exige um esforço dos próprios, mas também dos outros. Alexandra gostava de ver mais ouvintes a aprender língua gestual. Carlos reivindica mais acessibilidade nos serviços públicos.

Até há dois anos, se tivesse um acidente na estrada nem podia chamar a emergência médica. O Governo criou a aplicação MAI112, que permite comunicar com o operador através de mensagem escrita ou de videochamada com intérprete de língua gestual portuguesa. Também previu um serviço de atendimento a pessoas surdas com intérprete, à distância ou presencial, no Instituto de Registos e Notariado, na Segurança Social, nos centros de emprego. Carlos e Alexandra queriam acessibilidade em todos os serviços públicos.

Fonte: Público

terça-feira, 23 de novembro de 2021

Exclusão dos ciganos da escola deve "envergonhar-nos" a todos

José Vítor Pedroso, diretor-geral da Educação, admite sentir-se "envergonhado" face aos números da não inclusão da comunidade cigana no meio escolar apresentados num ciclo de conferências sobre a inclusão destas comunidades na escola. "Estes números envergonham qualquer português", afirmou.

O diretor-geral da Educação, José Vítor Pedroso, lamenta a realidade que os números mostram, mas afirmou que o caso de Torres Vedras - que tem vindo a fazer vários esforços para a inclusão da comunidade cigana no meio escolar - deve ser partilhado.

Apesar dos vários planos, projetos e programas que existem , os vários participantes no encontro "Comunidades ciganas - Sucesso Educativo: Recuperar para Avançar", realizado na passada terça-feira, continua a existir um desfasamento educativo severo da comunidade cigana no geral, segundo os vários alertas deixados na conferência que teve lugar em Torres Vedras - cidade com uma forte presença da comunidade cigana.

Expectativas baixas

"O principal problema são as expectativas baixas", alertaram dois Investigadores da Universidade de Barcelona. Fernando Macias-Aranda, de origem cigana, e María Vieites Casado, apontaram que nalgumas escolas de territorios desfavorecidos existe uma redução do conteúdo curricular devido ao "mito" de que as crianças e jovens ciganos têm de ser motivados para ir à escola adaptando os currículos.

Para além disso, denunciam que em alguns locais há uma segregação da comunidade cigana em salas de aula consideradas de baixa produtividade. No entanto, o principal problema, afirmam os investigadores, é o facto de existirem expectativas baixas em relação a esta comunidade.

Mas há coisas positivas a acontecer: estão a ser feitas ações em mais de 9 mil escolas em vários pontos do mundo, contaram. Contornar a exclusão da comunidade cigana da escola passa, segundo estes investigadores, por integrar os ciganos dentro da sala de aula, promovendo a heterogeneidade e as diferenças culturais com expectativas iguais para cada aluno. Em paralelo, deverá haver uma aposta na formação dos familiares de modo a acompanharem os seus filhos.

No agrupamento de escolas do Padrão da Légua em Leça do Balio (Matosinhos), esta prática já existe. Os métodos adaptados na escola com as crianças de diversas culturas passam pela constituição de turmas culturalmente diversas, em que se fazem atividades de grupo, por exemplo, em que os alunos explicam elementos da sua cultura (como a bandeira e a história). Nesta escola não há alteração do currículo nacional escolar e o grau de exigência é o mesmo para todos os alunos, independentemente da sua origem, garantiram duas professoras do agrupamento presentes no encontro. Há também um envolvimento dos pais, através de reuniões na escola.

"É necessário quebrar o ciclo"

Emanuel Fernandes, membro da comunidade cigana e pertencente à Associação Sendas e Pontes, - associação intercultural e para inclusão das comunidades ciganas em Torres Vedras - sublinha que "é necessário quebrar o ciclo, porque uma vez que há um cigano formado, este vai garantir que os seus filhos se formem também".

Segundo dados de 2015, citados por Ana Umbelino, vice-presidente da câmara municipal de Torres Vedras, a tendência é para que as meninas ciganadas não passem do 1.º ciclo - 83.3% dos ciganos que têm apenas o primeiro ciclo são mulheres.

De acordo com as estatísticas publicadas pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, no "Perfil escolar das comunidades ciganas", no ano letivo de 2018/2019, dos 25 140 alunos ciganos matriculados, 76,4% dos alunos tiveram aproveitamento escolar, um aumento face ao último ano com dados. No ano letivo de 2016/2017, esta percentagem situou-se nos 56.2%.

Fonte: JN

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Sem castigos, palmadas ou gritos. As mudanças na educação

Educar não é tarefa fácil. Não existe um curso de parentalidade e as ações dos pais são, muitas vezes, reflexo do que eles mesmos vivenciaram. No entanto, com a importância cada vez maior dada à saúde mental e com a preocupação em perceber que mensagens são passadas de pais para filhos, métodos de parentalidade considerados comuns são agora questionados.

“Quando gritamos viramos um Rottweiler.” Nas crianças que ouvem os pais gritar, o mecanismo de sobrevivência é ligado, com a lógica funcional a deixar de estar ativa. Quem explica os efeitos imediatos do grito como forma de disciplinar é Clementina Almeida, psicóloga clínica. “Esse estado liberta substâncias, como o cortisol, que destroem neurónios, ainda em desenvolvimento durante os primeiros cinco anos de vida.” A fundadora da clínica ForBabiesBrain acrescenta que esta reação pode ficar permanentemente ligada e que os impactos dos gritos podem ser tanto a curto como a longo prazo, com consequências negativas para a cognição e emoções.

O grito, lembra Inês Oliveira, é o recurso mais difícil de retirar e o primeiro a ser utilizado em caso de desregulação. “É o método mais instável porque é difícil de controlar.” Mas a psicóloga clínica do centro de parentalidade Up2Kids sublinha que “a violência verbal tem um efeito aproximado à violência física e pode ter o mesmo impacto que as palmadas”. Utilizar este método está mais relacionado com a condição psicológica do adulto do que da criança. “Sou eu que estou com muito poucos recursos e não estou a conseguir lidar”, exemplifica a especialista.

Mas a agressividade verbal não é o único método criticado por especialistas. O castigo, ou também apelidado de “cantinho do pensamento”, é visto pelas profissionais da psicologia como um mecanismo desadequado e ineficaz. “É uma tentativa de corrigir algum comportamento, mas a criança é privada de quem mais confia para resolver algo.” Clementina Almeida exemplifica: “É como se chegasse a casa com algum problema e o meu marido dissesse para ir para o quarto acalmar-me sozinha antes de falarmos. É impensável”. Inês Oliveira ressalva ainda que a punição provoca na criança a sensação de não ser amado. “Enquanto adultos racionalizamos – dizemos ‘apanhei e não morri’ – mas, no momento, sentimos algo negativo, que deixa marcas na autoestima.”

Além da carga emocional negativa, a mensagem é também importante e “o que está por trás da palmada é o ‘amo-te'”, acrescenta a especialista em parentalidade Inês Oliveira. “Transmitimos o mesmo conceito que está por trás da violência doméstica e que irá repercutir-se ao longo da vida.”

Para modificar práticas parentais desadequadas, Clementina Almeida lembra que o primeiro passo “é alterar a noção de disciplina”, ainda assente no controlo e punição. Ao invés, devem estar associados sentimentos de guia, ajuda e mentoria. Alterar o modo de educar pode parecer difícil, pois “a primeira tendência é recorrer ao que nos foi ensinado”, salienta a responsável da ForBabiesBrain e autora de livros sobre parentalidade.

Já Inês Oliveira refere a necessidade de autoanálise. É importante “perceber quais os comportamentos dos filhos que funcionam como gatilhos”. Grande parte das práticas parentais são assentes em aprendizagens e vivências próprias, repercutindo padrões que foram, durante toda a vida, incutidos como normais. “A parentalidade é sobre o que vimos fazer e não sobre o que gostamos de fazer. É essencial pensar que pais gostaríamos de ser”, remata a psicóloga. “Quando há um bebé, é preparada toda a chegada material, mas não se reflete sobre o que queremos transmitir.”

Clementina Almeida procura dar estratégias práticas aos pais, explicar “o que está a acontecer no cérebro”. “As crianças não vieram ao mundo para nos fazer a vida negra, não são manipuladoras. Precisam de nós para se guiarem e para se regularem emocionalmente e nós temos de estar regulados emocionalmente para conseguir ajudar.”

Apesar da existência de artigos científicos com mais de 20 anos acerca da parentalidade positiva, o assunto tornou-se, nos últimos anos, mais falado e escrutinado. Clementina Almeida explica que “as neurociências não eram desenvolvidas e as crianças eram vistas como seres menores que não mereciam o mesmo respeito. A maior parte dos pais foram educados desta forma, mas há agora uma mudança de mentalidade”.

Inês Oliveira aponta que a “maior procura [por ajuda] ocorre entre os dois e os três anos e meio de idade, quando as crianças começam a demonstrar identidade e percebem que são seres autónomos com gostos e conhecimento”. Com o projeto ForBabiesBrain, suportado por diversos materiais digitais disponíveis para aquisição e as partilhas nas redes sociais, Clementina Almeida afirma que a missão é dar ferramentas práticas aos pais. “Queremos chegar a todos, especialmente aos que mais precisam.”

Sara Sofia Gonçalves

Fonte: Notícias Magazine por indicaão de Livresco

domingo, 21 de novembro de 2021

Linguagem, leitura e escrita: que relação?

A linguagem é a forma que permite ao ser humano receber e transmitir informação, ou seja, comunicar (desejos, necessidades, pensamentos) e envolve três grandes componentes:

– a forma (como se diz) – fonologia, morfologia e sintaxe;

– o conteúdo (o que se diz) – semântica/léxico;

– o uso (onde se diz) – pragmática.

É a combinação, manipulação e integração destes três componentes que permite desenvolver a capacidade de compreender e expressar.

A linguagem tem uma importância extrema no desenvolvimento da criança, uma vez que promove todas as suas aprendizagens e aquisições, sendo que uma estimulação precoce da linguagem pode prevenir dificuldades de aprendizagem, já que aprender a ler e a escrever se inicia desde o momento em que a criança desenvolve a fala e a linguagem e é um pré-requisito essencial.

Há uma relação entre a linguagem oral e escrita, sendo que a linguagem, a leitura e a escrita se desenvolvem ao mesmo tempo, encontrando-se interligadas, mas independentes entre si.

A linguagem oral surge de forma espontânea, enquanto a escrita é aprendida e a criança terá de conhecer e dominar um sistema de letras (grafemas) que serão responsáveis por codificar os sons da fala (fonemas).

É muito importante que as crianças entendam que a escrita representa os sons da fala, contudo, para umas é mais difícil porque nem sempre há uma relação unívoca, ou seja, nem sempre todos os grafemas representam apenas um único fonema.


É fundamental, por isso, que as crianças aprendam a ortografia para perceberem que a escrita não representa os sons da língua, de forma biunívoca, mas que os sons da fala pertencem à oralidade, enquanto as letras pertencem à escrita.

É preciso dar tempo à criança e ajudá-la a fazer esta relação da oralidade com a escrita, ainda antes de entrar para a escola e é essencial que levem a criança a perceber que os sons da fala se podem escrever com letras.
Foto É muito importante que as crianças entendam que a escrita representa os sons da fala, contudo, para umas é mais difícil porque nem sempre há uma relação unívoca Getty Images

A escrita corresponde a uma representação da linguagem oral, mas não é “desenhar” os sons em forma de letras e fazer uma mera associação entre letras e sons. É essencial que a criança perceba que, apesar de existir uma relação entre falar e escrever, quando escrevemos, organizamos o discurso de outra forma e que a escrita possui características próprias.

Quando existem dificuldades ao nível da compreensão e/ou da expressão da linguagem, que pode envolver a forma, o conteúdo e/ou o uso da linguagem, estamos perante uma perturbação de linguagem (PL).

A PL é a fragilidade de desenvolvimento mais comum durante a infância e diversos estudos demonstram que crianças com dificuldades na linguagem, nos primeiros anos de escolaridade, têm maior probabilidade de apresentar PL nos anos de escolaridade subsequentes, ou seja, é indubitável a relação que existe entre a PL, as dificuldades de aprendizagem e, consequentemente, o sucesso escolar, uma vez que as crianças são condicionadas no acesso à informação.

As dificuldades associadas à PL podem repercutir-se ao nível do desempenho do aluno no processo de ensino-aprendizagem tendo como co-morbilidade uma perturbação específica da aprendizagem (dislexia e/ou disortografia). Nem todas as dificuldades de leitura e escrita são consideradas dislexia e disortografia e não é por uma criança trocar dois ou três sons na escrita e fazer alguns erros ortográficos que terá necessariamente alguma dessas perturbações específicas da aprendizagem. A dislexia é uma perturbação específica da aprendizagem caracterizada por dificuldades na precisão e ritmo da leitura de palavras e por baixa competência leitora e ortográfica, resultando num défice fonológico. A maior parte das crianças que têm dislexia também apresentam disortografia, no entanto, a disortografia pode ocorrer de forma isolada.

Em suma, a linguagem oral, constitui uma base fundamental para o desenvolvimento da aprendizagem da leitura e da escrita. Por isso, se a criança tiver desenvolvido a sua linguagem harmoniosamente, muito provavelmente irá ter mais facilidade na aprendizagem da leitura e escrita.

Filipa Mendão

Fonte: Público

sábado, 20 de novembro de 2021

Uma Educação para os amigos?

Sucedem-se notícias que nos informam sobre o que se sabia há muitos anos estar para acontecer. Situações previsíveis, sobre as quais foram feitos avisos, descartados como alarmistas ou ditados por interesses “corporativos” por gente com responsabilidades executivas que agora disfarça, finge que nada teve a ver com os assuntos e ainda tem a falta de decoro de aparecer em painéis de debate sobre as soluções para os problemas que criaram.

Porque faltam professores? Por todo um conjunto de políticas desastrosas ao longo de, pelo menos, 15 anos na área da gestão dos recursos humanos na Educação. Porque se precarizou e proletarizou a docência em nome de uma “eficácia financeira” que, no essencial, acabou com prejuízo directo dos alunos e não dos “interesses dos professores”. Foi este o resultado da vitória dos preconceitos sobre uma adequada análise do que estava em causa.

A OCDE vem afirmar que a “Escola a Tempo Inteiro” foi uma política que em nada ajudou os alunos nas aprendizagens, limitando-se a ser uma estratégia de suporte assistencial para que os adultos possam deixar as crianças em segurança algures, enquanto vão trabalhar em horários completamente desregulados? Mas não se anteviu isso logo no início, quando era mais do que perceptível que a política em causa tinha tudo em vista menos a Educação ou qualquer vantagem para os alunos? Que sentido existia em criticar o excesso de tempo de escola para os alunos e depois aumentá-lo? Criticar a fragmentação curricular e depois criar novas disciplinas? Em 2007 ou 2008 isso era claro, mas só em 2021 vem a conclusão com a chancela da OCDE a admiti-lo, quando os responsáveis já estão longe e, se inquiridos a esse respeito, declararão que a culpa não foi das suas ideias mas do modo como foram implementadas no terreno.

Do mesmo modo, daqui por uma década, teremos estudos que demonstrarão que boa parte das medidas colocadas em prática nos últimos anos em termos de organização e “flexibilização” curricular, de transformação das “aprendizagens essenciais” em programas disciplinares, de redefinição das prioridades na formação contínua dos professores, de permanente revisão das metodologias de avaliação dos alunos ou mesmo de planos de “recuperação das aprendizagens”, mais não foram do que pretextos para o desenvolvimento de uma agenda de “engenharia do sucesso” e para a mistificação da opinião pública quanto a uma alegada “Educação para o século XXI”.

Em reunião recente com os responsáveis pelos Centros de Formação Contínua foram apresentadas prioridades que correspondem ao afunilamento das opções tidas como prioritárias (logo, passíveis de financiamento), a um empobrecimento claro da componente mais académica dessas opções no sentido de as restringir às promovidas por uma clique restrita de apoiantes dos governantes da área. Ler que é necessário ter formação para ensinar de acordo com as “aprendizagens essenciais” é o equivalente a dizer a engenheiros informáticos que precisam de formação para a identificação dos componentes fundamentais de um computador; já quanto à capacitação digital dos docentes, havendo coisas boas a funcionar, o que se constata é que em muitos casos ou a formação é de qualidade baixa ou nem sequer existe. Porque se nem há professores de T.I.C. suficientes nas escolas, como haverá formadores na área do digital para todos os professores das restantes disciplinas?

Para além disso, temos a centralidade da formação num projecto cuja aplicação prática contraria de forma evidente o documento que se diz ser o principal referencial para a avaliação dos alunos (o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória). Quando se defende uma avaliação humanista, integral, diferenciada e holística dos alunos como indivíduos no seu todo, como se pode forçar uma avaliação por rubricas e sub-rubricas, com escalas quantitativas e qualitativas, desdobradas em múltiplos níveis e desempenho, com alongadas sínteses descritivas para cada um desses níveis? Afirma-se que é para enriquecer o feedback dado a alunos e famílias acerca do desempenho escolar daqueles, mas a sua tradução prática é um retrocesso para metodologias de há três décadas quando se tornou obsessão a produção de grelhas para tudo registar e “monitorizar”, de forma a controlar mais o trabalho dos professores do que o dos alunos.

Quanto ao currículo, em nome de uma modernidade que transpira bafio, desvalorizaram-se áreas consideradas “tradicionais”, em especial no campo das Humanidades, para se integrarem “inovações” que se limitam a traduzir gostos pessoais de uma tertúlia de amigos que se entrincheirou no Ministério da Educação. A Filosofia quase desapareceu do currículo, mas temos direito a “filosofias” variadas, colhidas aqui e ali, que se afirma terem dados “bons resultados”, sem que se perceba exactamente onde e quais. Apenas que já conseguiram espaço e contratos em mercados municipais da Educação (quase sempre de um mesmo partido). A História passou a ser ensinada na lógica do “essencial” com dois ou três tópicos que passam a Antiguidade Clássica por alto em voo rápido, mas sobram “estórias” para contar em “projectos” que transformam partes significativas do património comum da Humanidade em apresentações digitais de detalhes anedóticos.

Pretende-se que a população acredite nas conquistas da Ciência, mas nas escolas não existem condições para qualquer ensino experimental de qualidade; claro que depois, em visitas inspectivas, se classificam como insuficientes práticas impossíveis de desenvolver com as condições existentes. Declara-se que se entrou na era da Escola Digital, mas no quotidiano escolar, tirando umas salas “do futuro”, em escolas seleccionadas com base na confiança pessoal de governantes e director@s, muito promovidas na comunicação social, os professores continuam a trabalhar com equipamentos mais do que ultrapassados ou da gama mais baixa possível (como os que chegaram tarde e a más horas durante a pandemia), com a curiosidade dos computadores fornecidos aos docentes terem o mesmo tipo de filtragem de conteúdo do que os facultados aos alunos, impedindo que, por exemplo, se possa assistir a uma sessão em streaming no Youtube.

Este é o balanço do trabalho da equipa que governou a Educação nos últimos seis anos e tudo é mau? Não, é o balanço de 15 anos em que – fora este ou aquele epifenómeno dos tempos da troika – o sentido da acção política tem sido no mesmo sentido: o do erosão dos padrões de rigor em nome da “inclusão” mistificadora; de empobrecimento das aprendizagens, como resultado do corte em conteúdos e tempo para os leccionar, em nome de “inovações” onde se pode aprender empreendedorismo ou a andar de bicicleta, quando as ditas chegarem; de multiplicação de exigências burocráticas em torno da avaliação e da promoção de projectos que só retiram tempo aos docentes para trabalharem com os seus alunos em boas condições; de manutenção de um modelo de gestão escolar em que a autonomia significa subserviência à hierarquia É tudo mau? Não, porque há ainda quem consiga desligar de um sistema criado e mantido para alimentar clientelas que detectam “problemas” ou “insuficiências” na formação dos professores para que possam apresentar as suas “soluções”, monopolizando a formação contínua com financiamento garantido.

Os alunos ganham alguma coisa com tudo isto? Talvez um “sucesso” construído em bases muito frágeis que não resiste à realidade exterior aos portões das escolas.

Paulo Guinote

Fonte: Público por indicação de Livresco

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Estudo de diagnóstico de necessidades docentes de 2021 a 2030

 

Introdução
Neste relatório final sobre o estudo de diagnóstico das necessidades de docentes de curto e médio prazo (5 a 10 anos), que tem em conta as mudanças em curso e as tendências da evolução na estrutura etária da sociedade e, em particular, o envelhecimento da classe docente, sistematizam-se os resultados das várias atividades que foram desenvolvidas: 
• Estado da arte de modelos de projeção de necessidades docentes, em Portugal e a nível internacional. 
• Construção de um modelo de projeção das necessidades de docentes em Portugal Continental, no ensino público, por grupo de recrutamento e por unidade orgânica, ao longo dos próximos 10 anos. 
• Projeções das necessidades de recrutamento de novos docentes. 
• Discussão dos resultados. 
Estes pontos são apresentados nas seguintes secções: na secção 3 é apresentada uma sistematização da revisão bibliográfica e o estado da arte dos modelos de projeção de necessidades docentes. O modelo de projeção de necessidades docentes do sistema público de ensino em Portugal Continental utilizado neste estudo é descrito na secção 4. Na secção 5 analisam-se os dados relativos aos alunos e docentes e na secção 6 descrevem-se os resultados das projeções. Na secção 7 é apresentada uma discussão dos resultados e, finalmente, as principais conclusões são apresentadas na secção 8. Em anexo a este relatório encontram-se as fórmulas dos parâmetros usados no modelo. É também incluída uma tabela com as necessidades de recrutamento cumulativas de novos docentes por região (NUTS III), para cada ano letivo.


quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Apoio ao desenvolvimento e implementação de políticas de educação inclusiva


Esta é a quarta publicação da série de Princípios Chave. O primeiro relatório da série de Princípios Chave (Princípios Chave na Educação para Necessidades Educativas Especiais - Recomendações para os Formuladores de Políticas) foi baseado no trabalho da Agência publicado até 2003. Uma outra revisão do trabalho da Agência foi publicada em 2009 (Princípios Chave para a Promoção da Qualidade no Ensino Inclusivo - Recomendações para os Decisores Políticos). O terceiro relatório, publicado em 2011 (Princípios Chave para a Promoção da Qualidade no Ensino Inclusivo - Recomendações para a Prática), centrou-se nos princípios chave para a prática que apoiam a qualidade no ensino inclusivo.

Este quarto relatório centra-se no desenvolvimento e implementação de políticas em linha com uma visão mais ampla da inclusão nos sistemas educativos e oportunidades educativas. Alinha-se com a missão da Agência de informar o desenvolvimento de políticas e a implementação bem sucedida de políticas a diferentes níveis do sistema, mais importante ainda a nível escolar.

Destacando questões fundamentais para os sistemas educativos, a série de Princípios Fundamentais reflecte a mudança gradual no trabalho da Agência ao longo dos últimos 25 anos: uma mudança de um enfoque estreito nas necessidades educativas especiais dos alunos e na educação especial como disposição específica, para alargar e melhorar a qualidade do apoio à aprendizagem que está geralmente disponível a todos os alunos. Este enfoque reflecte a ênfase crescente da Agência em ser um agente activo na mudança de políticas no campo da educação inclusiva.


Traduzido com a versão gratuita do tradutor - www.DeepL.com/Translator

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Medidas urgentes para ultrapassar as dificuldades na formação dirigida a pessoas com deficiência e incapacidade

Pela Resolução da Assembleia da República n.º 292/2021, recomenda-se ao Governo medidas urgentes para ultrapassar as dificuldades na formação dirigida a pessoas com deficiência e incapacidade, no âmbito do Programa Operacional Inclusão Social e Emprego.

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomendar ao Governo que:

1 - Abra de imediato novas candidaturas de formação dirigida a pessoas com deficiência e incapacidade, mesmo num regime de transição entre Quadros Comunitários de Apoio.

2 - Realize iniciativas de esclarecimento da Deliberação n.º 27/2021, de 23 de agosto, da Comissão Interministerial de Coordenação do Portugal 2020 - Criação de Mecanismo Extraordinário de Antecipação do Portugal 2030 -, garantindo informação clara sobre os prazos e as calendarizações previstas para a abertura de novas candidaturas.

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Fixação do montante das verbas destinadas ao financiamento dos produtos de apoio

O Despacho n.º 11227/2021, publicado em 16 de novembro, procede à fixação do montante das verbas destinadas ao financiamento dos produtos de apoio.

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Abertura da apresentação de candidaturas para integração de Grupo de Peritos na Plataforma da Deficiência

A Estratégia Europeia para os Direitos das Pessoas com Deficiência 2021-2030 prevê a criação de uma plataforma da Deficiência, para facilitar a cooperação entre a Comissão e os Estados-Membros na implementação da Estratégia para os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Esta Plataforma da Deficiência irá também integrar um grupo de peritos onde constam Organizações Não Governamentais pelo que, desta forma, a Comissão Europeia lançou a abertura da apresentação de candidaturas com vista à seleção de membros do grupo e que não sejam autoridades governamentais dos Estados-Membros.

As Organizações interessadas poderão apresentar a sua candidatura à Comissão Europeia, Direção-Geral do Emprego, Assuntos Sociais e Inclusão até 26 de novembro de 2021.

Para mais informações poderá consultar a página dos Grupos de Peritos da Comissão e apresentar a sua candidatura neste link.

Fonte: INR

domingo, 14 de novembro de 2021

A escola como uma gigantesca perda de tempo

Pode ser Eva. Fez um teste de Geografia e foi a única da turma a ter negativa. Dos seus olhos formosos e inexpressivos, num rosto negro como o touro do Herberto Helder, ruíram-lhe duas lágrimas. Mas daquelas que represam tanta água - tanta mágoa - que deixam cicatrizes aquosas. 43%.

Não estava a chorar, quando a encontrei. Fui eu que a fiz chorar, quando depois da aula, num corredor, me aproximei, interrompendo aquele presídio íntimo onde ela se confinara e quis recordar-lhe que nada está perdido e que havemos de dar a volta à coisa. Que ainda agora estamos no início e que, no ano passado, aconteceu o mesmo e conseguimos, e que este ano também havemos de conseguir. Em completo silêncio, abanou-me que sim com a cabeça, empurrando outra lágrima para longe. Nem eu, nem ela acreditámos em nenhuma das verdades que ali arenguei.

"A ESCOLA, QUALQUER ESCOLA, NÃO LHE SERVE PARA NADA"

O facto é que a escola não lhe serve para nada. E não é “esta” escola, como que pressupondo a ideia pela qual, se mexêssemos aqui e ali em algumas coisas, tudo iria ao sítio, com tempo e paciência. Nada disso. Mexa-se e faça-se o que se quiser, a escola é, para a Eva, pouco mais do que um pecado original. A escola, qualquer escola, não lhe serve para nada. É um lugar sem espírito. Um claustro de desalento.

Imigrante de um país lusófono chamado desgosto, a Eva é o pesadelo de qualquer professor. Uma alma viva, encerrada, errante. Que erra. 43%. A tristeza que lhe causou esta prova, concebida e executada com recurso às mais avançadas e modernas tecnologias educativas, não se cura com a melhor retórica motivacional. E não, a miúda não é depressiva por natureza, nem tem sequer uma visão negativa dos outros e muito menos da escola. A escola é-lhe, apenas, inteiramente indiferente. Nada contesta nela. Nada a indigna nela. Por mais que a escola se esforce, nada a surpreende. Nada a interessa. Não é uma amiga. É uma conhecida.

Na realidade, a escola representa somente um pedacinho mínimo daquilo que cada pessoa é. E é assim que deve ser. Excedemo-nos muitas vezes quanto à importância da escola. De nada serve a escola se não servir para que se sinta aventura, hospitalidade, risco, contrariedade e provocação. Nenhuma aprendizagem acontece sem estes elementos. Tudo o mais é patranha. E estas gentes, estas Evas, sentem-no com uma sensibilidade e uma realidade ainda mais imediatas.

EXEMPLOS COMO A EVA, SÃO PRECIOSOS PARA UM PROFESSOR

Pessoas e exemplos como a Eva, são preciosos para um professor. Em mim, devolvem-me sempre ao lugar da minha insuficiência. Ao mais recôndito e carrancudo dos lugarejos. Não ser, notoriamente, capaz de ajudar uma aluna. Como lhe chego? Para que lhe sirvo? Como posso ser-lhe útil?

Enquanto muitos se referem à escola como o lugar de práticas ancestrais e enquadramento institucional ultrapassado, que não prepara ninguém, tendo em conta as escolhas pessoais de carreira. Uma escola que vive exclusivamente de preferências curriculares e metodológicas inabaláveis, que de nada adianta importunar.

Enquanto outros acham que os seus filhos devem ser educados em casa, onde educadores minuciosos conhecem bem as suas necessidades e ritmos e que o Estado deve sustentar essa opção, tal como sustenta o aluno do sistema público, porventura com poupanças substanciais.

Enquanto outros referem que o número de horas passadas dentro de salas é excessivo e que a criatividade, o pensamento crítico, o trabalho de equipa, a empatia e a disciplina de grupo devem constituir premências educativas que a escola teima em não privilegiar. Reclamam um regresso à Natureza e aos elementos, à brincadeira e à exposição ao risco e à adversidade, como mecanismos poderosos para a resolução de desafios significantes, materiais e intelectuais, do mundo real.

Enquanto outros ainda defendem com unhas e dentes o autodidactismo – Educação on demand ou Uber learning – emulando a educação de adultos, como forma de garantir as oportunidades educacionais que o Estado deve acolher, celebrar e creditar – como se fez já em Portugal e que, por todo o mundo, vão fazendo o seu caminho.

Enquanto outros se indignam com a ausência de respeito pelos ritmos e modos de aprendizagem de cada pessoa e da indiferença que a escola continua a reservar a esta dissemelhança elementar, mais do que documentada cientificamente, terraplenando métodos e práticas didácticas e docimológicas, reduzindo tudo a um ou dois ou três métodos que são aplicados de forma indiferenciada.

Enquanto outros ainda sentem que a educação online pode constituir uma saída airosa para os problemas de sociabilização, na individualização modular de currículos customizados. E é indesmentível que, ao contrário do que muitos se apressam em defender, a aprendizagem a distância durante a pandemia Covid19 permitiu que muitos alunos que não se destacavam em contexto de sala de aula, o fizessem no contexto telemático, com enorme sucesso e impacto pessoal.

Enquanto outros tudo apostam nos sistemas experimentados do ensino de formato vocacional e pré-profissional, numa ligação intensa, concretizadora, com empresas e segmentos laborais da função pública.

E por aí fora.

Enquanto o mundo hesita entre escolas de pensamento e pensamentos de escola, nós vamos tendo miúdos como o Adão. O Adão tem fobia da escola. Odeia-a. Bem sei o que estão a pensar. Todos tivemos “fobia” de escola. Especialmente às Segundas de manhã ou Sextas à tarde. Não é nada disso. Gozaram tanto com o Adão quando era miúdo por ele ser como é, que agora, só de pensar em ir à escola, fica fisicamente prostrado, com acessos de febre, cefaleias fortes e diarreias. Intelectualmente vazio e muscularmente estafado, não sai do quarto e, há uns dias, chegou mesmo a empurrar a mãe. A polícia foi lá e ele morreu de medo que o mandassem para uma família de acolhimento, como ameaçaram. Voltou à escola para uns dias de absoluto pânico e não aguentou. Adoeceu e voltou para casa. A escola não sabe como lidar com isto. Exige um atestado médico que justifique as suas faltas. A pedopsiquiatria não o recomenda. Isso eterniza o problema. A escola e a psicologia amuam.

O PROFESSOR CONVERTIDO NUMA ESPÉCIE DE COSTUREIRO DE FUTUROS À MEDIDA

“A escola é conforto, alegria e esperança no futuro. Estes alunos são excepções”. É inegável. Mas, qual é o aluno que não é uma excepção? E de que modo é que a estatística dá aqui uma ajuda ao Adão? O rapaz diz que sim a tudo, desde que todos se calem e que não saia do quarto. Para ele, a escola não passa de um martírio inútil. Aprendeu isto: a escola não serve para nada de bom. E quem estiver a pensar que a escola não tem “culpa” – palavra inútil em educação – porque, no fundo, foram os “recreios” que lhe fizeram isto e não “a escola”, recordemos que “a escola” é o “recreio” também. Existe muita vida para além das salas de aula. Portanto, sim, é da inutilidade da escola que falamos. No seu melhor, a escola serve apenas como um cobertor de infelicidades caladas.

As oportunidades que a educação proporciona não são devidamente percebidas por muitos dos nossos miúdos. Não realmente. Chegar aos dezoito anos sem perspectivas de carreira converteu-se numa pandemia do nosso tempo. A precariedade laboral ajuda muito. Seria talvez melhor começar a pensar que a escola pode e ainda não sabe gerar os estímulos cruciais que auxiliam os nossos miúdos a tomar decisões pequenas e a imaginar objectivos grandes. Desenhar currículos apertadamente conciliados com os interesses pessoais de cada rapaz ou rapariga. A escola como uma alfaiataria educativa. O professor convertido numa espécie de costureiro de futuros à medida. Um sistema corajoso que escutasse mais do que fala. Que pedisse mais perguntas do que as que faz.

ESTAS EVAS E ADÕES MORDEM TODOS OS DIAS UMA MAÇÃ ENVENENADA

Estas Evas e Adões mordem todos os dias uma maçã envenenada. Chama-se solidão infantil. Existe, nas suas vidas, um divórcio assanhado entre a casa e a escola. Estes seres, nascidos num Paraíso original, crescem no segredo, na mudez. Não contam nada aos seus professores, aos seus amigos, porque têm vergonha do seu inferno familiar. Habitam um exílio, um purgatório postiço, feito de distância e de humilhação. Aquilo que os envergonha é que as suas vidas existam como existem. Um pai ébrio e violento é uma menina rebaixada e ofendida, de olhos postos na sua colega que todos os dias saltita para a escola, de mão dada com o pai. Como me desabafou um dia, outra destas Evas, “Eu nunca fui uma pessoa triste. Tenho é tanta vergonha da minha vida, que não quero que a minha vida exista”. Como pode a escola servir para alguma coisa, quando a vida existe assim?

Rui Correia

Fonte: SIC Notícias por indicação de Livresco

sábado, 13 de novembro de 2021

Abandono escolar precoce cai para 5,2% no terceiro trimestre 2021

A taxa de abandono escolar precoce fixou-se nos 5,2% no terceiro trimestre de 2021, segundo um balanço divulgado esta sexta-feira pelo Ministério da Educação, que sublinha que o número está abaixo do mínimo histórico alcançado no ano passado.

Em 2020, Portugal tinha superado a meta europeia de 10% para esse ano, ao registar uma taxa de abandono escolar precoce de 8,9%, na altura um mínimo histórico.

Esse “recorde” já tinha sido quebrado no primeiro trimestre deste ano, quando se registou uma taxa de 6,5% e voltou agora a cair, desta vez para os 5,2%, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística, divulgados pelo Ministério.

“Portugal situa-se, assim, claramente como o país europeu com a melhor evolução deste indicador, nas últimas duas décadas”, sublinha o Ministério da Educação em comunicado, sublinhando a diferença entre o número registado em 2015 e 2020.

Nesse período, a taxa de abandono escolar precoce apresentou um decréscimo de 35% em Portugal, enquanto a média europeia do decréscimo foi de 8%.

“Os dados destes primeiros nove meses apontam também para um valor anual de 2021 na ordem dos 6%, sendo que apenas seis países da UE registaram taxas de abandono abaixo desse valor, em 2020”, acrescenta a tutela.

No mesmo comunicado, o Ministério da Educação saúda as comunidades educativas pelo resultado e reitera a necessidade de manter a tendência decrescente, aprofundando para isso as iniciativas que contribuíram para o combate ao abandono.

“Estes são resultados que traduzem a eficácia de programas e medidas que convergem num esforço continuado para garantir sucesso educativo e melhores aprendizagens”, sublinha, referindo como exemplo o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar, o Apoio Tutorial Específico, o Plano Nacional de Leitura e a Rede de Bibliotecas Escolares.

A abordagem integrada à Educação Inclusiva, a aposta na diversificação de ofertas com destaque para o Ensino Profissional e a Autonomia e Flexibilidade Curricular são outras das medidas destacadas.

“O esforço conjunto das escolas e do Ministério da Educação para que nenhum aluno ficasse para trás, em particular no contexto pandémico, têm expressão significativa neste compromisso com a educação de qualidade para todos”, conclui a tutela.

Fonte: Público

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Da palmada educativa à criminalização dos castigos corporais

Aquele que poupa a vara, corrompe a criança" constitui uma menção bíblica (Provérbios,13:24) que exalta o valor do castigo físico na educação da criança. Não surpreende, por isso, que desde tempos imemoriais se tenha recorrido ao castigo físico como método educativo prevalente.

Entre nós, o Código Civil de 1966 ainda previa um poder de moderada correção dos pais sobre os filhos. Com a Constituição de 1976 e a subsequente reforma de 1977 do Código Civil, passou a consagrar-se o dever de os filhos obedecerem aos pais e o poder/dever dos pais, de no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento e dirigir a sua educação. O Código Penal de 1982 criminalizou, pela primeira vez, os maus-tratos a menores, mas fez depender o preenchimento do tipo legal da verificação de malvadez ou egoísmo, como motivação para a inflição dos maus-tratos, requisito que caiu com a revisão de 1995. A esta mudança não terá sido indiferente a ratificação pelo Estado Português da Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, que consagrou a obrigação do Estado adotar todas as medidas adequadas à proteção da criança contra todas as formas de violência física ou mental.

A criminalização dos castigos corporais só se concretizou em 2007. No ano seguinte, o legislador passou a denominar o, até então, poder paternal, como responsabilidades parentais, colocando a tónica nos deveres dos pais para com os filhos e já não nos poderes, vinculados ao superior interesse da criança.

Serão, ainda hoje, admissíveis os castigos corporais, no nosso ordenamento jurídico?

A resposta é complexa. Os modelos educativos modificaram-se, privilegiando o recurso à palavra, ao exemplo e ao reforço positivo, recusando toda a violência como forma de educar. Não temos dúvidas de que o progenitor que recorra, regularmente, aos castigos corporais, ainda que leves, cometerá o crime de violência doméstica, mas hesitamos quanto ao enquadramento jurídico a dar à aplicação de uma singular palmada educativa. Ou, pelo menos, duvidamos da razoabilidade da prossecução de um processo penal contra este progenitor e da eficácia de uma eventual condenação em pena de prisão, ainda que suspensa na sua execução, como modo de prevenir a reincidência.

A nossa Constituição impõe ao Estado uma obrigação de proteção da criança contra o exercício abusivo da autoridade na família, mas reconhece-a, também, como célula fundamental da sociedade, instando o Estado à colaboração com os pais, na educação dos filhos. A intervenção deve, por isso, ser indispensável e proporcional. A esta luz, quer-nos parecer que a dissuasão da palmada educativa singular não deverá passar pela prossecução penal, mas antes, pela intervenção da CPCJ, que proporcionará o apoio necessário ao progenitor no sentido da não reincidência. É ainda essencial o incentivo da cultura de não violência nas escolas, desde tenra idade, para que possamos esperar que a palmada educativa tenha os dias contados.

Elisabete Ferreira

Fonte: DN