Para já, e antes de avançar para essa regulamentação, o executivo terá de fazer uma avaliação de fundo ao Projeto Piloto de Inovação Pedagógica, as chamadas escolas PPIP, através do qual sete estabelecimentos de ensino já funcionam com autonomia total. O objetivo principal é perceber se é possível em Portugal haver escolas sem retenção de alunos. Só quando o projeto estiver avaliado e consolidado se generalizará a hipótese de autonomia a 100%.
Outro projeto em fase piloto e cuja avaliação poderá verter novidades para a legislação e para o próximo ano letivo é a hipótese de as escolas básicas e secundárias organizarem o calendário escolar em semestres em vez de em três períodos letivos. A experiência está a ser feita em todas as escolas do concelho de Odivelas, para além das escolas PPIP.
A hipótese de os estabelecimentos de ensino reduzirem, consoante as suas necessidades, o número de alunos por turma é outra realidade que o secretário de Estado espera ver mais aproveitada no próximo ano letivo. Apesar de já estar inscrita no decreto-lei da flexibilidade (DL 55/2018), João Costa pensa que esta possibilidade passou despercebida a muitos diretores de agrupamentos.
Autonomia total sim, mas se for para acabar com os chumbos
Uma escola sem reprovações é possível? Foi para testar essa ideia que nasceu o Projeto Piloto de Inovação Pedagógica (PPIP) que, conta João Costa, teve a sua semente embrionária numa conversa entre amigos. As escolas que aderiram não tiveram recursos adicionais, créditos horários ou contratações especiais de professores. Tiveram, isso sim, autonomia total para reorganizar turmas, horários, matriz curricular, programas e calendário escolar. O objetivo era pensar em soluções fora da caixa, que melhorassem a qualidade das aprendizagens feitas por alunos e que levassem à taxa de retenção zero.
“O pressuposto do PPIP é a existência de uma escola sem alunos retidos. Numa conversa com um amigo, que sabe que não acredito na eficácia dos chumbos, ele colocou-me a situação como se fosse uma questão de fé. Mas não é. Nós vemos nos dados estatísticos que, enquanto medida pedagógica a retenção é muito pouco eficaz, o aluno que reprova é aquele que tendencialmente volta a reprovar. E ele, a brincar, disse-me: ‘Agora que estás no Governo, proíbe.’ A minha resposta é que a proibição é um ato administrativo e não é esse o caminho que queremos, mas fiquei a pensar naquilo, até porque há países que já o fazem, que não têm retenções nas escolas. E decidimos experimentar, perceber se é possível em Portugal ter uma escola onde os alunos aprendam e não precisem de reprovar”, explica o secretário de Estado.
A incentivar esta decisão está também o perfil do aluno que chumba e que João Costa diz ser sempre o mesmo — os estudantes que vêm de meios socioeconómicos mais baixos.
No final de novembro, a presidente do Conselho Nacional de Educação,
defendia no prefácio do “Estado da Educação”, um dos mais importantes relatórios para perceber como vão as escolas e os alunos em Portugal, o fim das retenções. Em entrevista (...), Maria Emília Brederode dizia estar na altura de acabar com a cultura do chumbo, cabendo às escolas a responsabilidade de encontrar novas formas de os alunos aprenderem.
A posição do secretário de Estado é semelhante. Recusa a ideia de passagens administrativas como alternativa às reprovações, embora admita que, por vezes, as escolas sentem que não têm outra solução. “Não me canso de repetir o mesmo: a alternativa a reprovar é aprender. Quando se fala no fim das reprovações, há sempre alguém que vem com a conversa do facilitismo. Fácil, fácil é ser professor daqueles que aprendem por múltiplas vias. Difícil é conseguir que estes miúdos com mais dificuldades também aprendam. No discurso público passa-se muito a ideia de que a alternativa a chumbar é passar, e isso leva a atos administrativos”, argumenta o governante.
Os psicólogos, diz, reportam sempre o mesmo ao Ministério da Educação: a reprovação é uma violência para os estudantes. “Para alguns deles, a reprovação acontece logo no 2.º ano e estamos logo ali a dizer-lhes que já não vão seguir caminho com o seu grupo. Ter um miúdo de 15 anos num grupo de alunos de 12, também não é solução. Está condenado a correr mal. O que nós ouvimos nestes encontros regionais com diretores é eles a pedirem-nos liberdade para desenvolverem as estratégias que sabem ser as mais adequadas para estes alunos específicos. A partir daí, nasceu esta autonomia de 100%. Embora nem todas as escolas usem tudo o que têm disponível, deixamos que sejam elas a apresentar soluções.”
As escolas do PPIP começaram em 2017 e são sete agrupamentos no total: Freixo (Ponte de Lima), Cristelo (Paredes), Marinha Grande Poente (Leiria), Fernando Casimiro Pereira da Silva (Rio Maior), Vila Nova da Barquinha (Santarém), Boa Água (Sesimbra), Silves Sul (armação de Pêra, Silves). Para participar, não bastou querer. Foi preciso apresentar um projeto pedagógico, trabalhado depois em conjunto com as equipas da Direção-Geral de Educação, para minimizar os riscos para os alunos.
“A essência do PPIP é ver se é possível haver uma escola onde não se chumbe. Em troca, as escolas têm autonomia total para encontrarem a maneira mais adequada para cumprirem esses desígnios. Mas atenção: é uma experiência que não pode correr mal para os alunos. Não podemos correr o risco de ao fim de quatro anos dizermos que afinal os estudantes não aprenderam nada. É por isso que é uma experiência muito acompanhada. As sete escolas reúnem-se muito regularmente para se monitorizarem umas às outras.”
Por esta altura, o PPIP já atravessou dois anos letivos e no final do atual será feita uma avaliação de fundo, explica o secretário de Estado da Educação. “Temos de avaliar tudo, ver quais são os constrangimentos, o que corre bem, o que corre mal. E é esta avaliação, que está a ser feita no terreno desde o início, que vai servir de base à regulamentação da portaria que vai alargar a possibilidade de ir além dos 25% na autonomia. No fundo, o PPIP é isso, o nosso contrato com essas escolas é de 100% de autonomia e precisamos de ter uma boa consolidação destes dois anos de existência antes de dar o passo seguinte: a regulamentação da portaria que já existe. A ideia é que quando for publicada tenha produção de efeitos a partir do próximo ano letivo”, explica João Costa.
E será mesmo possível ter uma escola sem retenções? “Acho que é o que todos desejamos, mas não se faz por decreto. Faz-se criando cada vez mais condições nas escolas e começando o mais cedo possível junto dos alunos. A nossa lógica é de combate ao insucesso, mas o que precisamos é de promover o sucesso. Isto implica muita monitorização das aprendizagens dos alunos desde muito cedo, agir o mais depressa possível, e tentar perceber quais as estratégias que funcionam com alunos de perfil diferente. A ideia de que temos de ter um ensino igual para todos só funcionaria se os miúdos fossem todos iguais. Mas nós somos todos heterogéneos. E, no meio disto, há uma coisa que não é negociável: os alunos têm de atingir o perfil dos alunos e as aprendizagens essenciais. A autonomia em 100% dá liberdade na forma de o fazer.”
Ano letivo por semestres, um pedido recorrente dos diretores
A alteração do calendário escolar — tradicionalmente dividido em três períodos nas escolas de ensino básico e secundário — poderá ser outra novidade do próximo ano letivo e que vem beber da experiência das escolas PPIP. Mas não são as únicas. No concelho de Odivelas, conta o secretário de Estado, as escolas juntaram-se à câmara e à Universidade de Lisboa e apresentaram ao Ministério da Educação uma proposta de semestralização, que foi aceite.
“A organização do calendário escolar por semestres é algo que tem sido muito sugerido pelas escolas. Este ano, houve muitos pedidos. O que vejo é que, em algumas das propostas, aponta-se apenas para uma mudança de calendário e nada mais. Ora, nós não podemos correr o risco de ter os alunos entre setembro e o Carnaval sem nenhum feedback de como as coisas estão a correr”, defende.
Em Odivelas, explica João Costa, o projeto é muito sustentado e foi criado um sistema elaborado de dar reportes aos alunos sobre a sua evolução, sendo feita uma monitorização muito grande das aprendizagens feitas. Esta experiência, a par das escolas PPIP, poderá gerar mudanças na legislação.
“Há muitos pedidos de escolas, mesmo muitos, neste sentido. Então, vamos acompanhar esta experiência de Odivelas com pormenor e ver como corre. Mas há algumas imposições. Uma delas foi a de que os encarregados de educação tinham de concordar com a decisão. Outra, é que uma decisão desta natureza nunca poderia significar menos inputs para os alunos. Para o ano, como é da praxe, teremos de publicar o calendário escolar e será o momento de tomar decisões. Nessa altura, decidiremos se este é um caminho a generalizar ou se é algo que pode entrar no âmbito do alargamento de mais 25% de autonomia. Poderá ser por uma dessas duas vias”, diz o secretário de Estado.
Para já, é cedo para dizer como corre a experiência em Odivelas, decorridos pouco mais de dois meses do início do ano letivo. Interessante, diz João Costa, é ver desde já as soluções que as escolas têm encontrado para comunicar com os pais, desde o caderno da aprendizagem — que vai e volta todos os dias para pais e professores poderem trocar impressões –, reuniões intercalares das quais saem relatórios para os pais inspirados nos que já existem nas provas de aferição, e muitas reuniões com encarregados de educação para que estes possam estar a par do desenvolvimento das aprendizagens dos filhos.
Reduzir turmas, mas sem aumentar custos
A divisão por semestres foi apenas um dos instrumentos utilizados pelas escolas PPIP. Outro foi reduzirem o número de alunos por turma. Esta possibilidade
está prevista no decreto lei da flexibilidade, mas ainda é pouco utilizada pelas escolas, sublinha João Costa.
“Este ano, no despacho de constituição de turmas, já colocamos esta hipótese de as turmas poderem ser mais reduzidas do que aquilo que a lei prevê, mas passou muito despercebido. Não há muitas escolas a usar esta dimensão que incorporamos no despacho”, explica o secretário de Estado.
A resistência das escolas poderá ter a ver com os constrangimentos orçamentais, já que apesar da possibilidade existir não estão alocada a ela mais recursos, como a contratação de mais professores.
“Há uma turma administrativa e essa mantém todos os constrangimentos orçamentais. Ela serve para fixar a rede e o que cada escola pede em termos de corpo docente. O que existe é a possibilidade de, ao longo do ano letivo, a escola poder reconfigurar as turmas para fins de desenvolvimento do projeto de cada escolas, desde que a separação de alunos não constitua práticas de segregação”, defende.
Um dos exemplo que dá, usado pelas escolas PPIP, é de turmas que ficavam temporariamente mais pequenas. Os alunos com melhores notas vão às turmas de anos anteriores dar aulas — e isso é valorizado na avaliação — enquanto o professor que fica com a turma mais pequena se pode focar nos alunos com mais dificuldades.
Esquecendo esta solução, a redução de turmas continuará a ser prioridade do Governo? “A minha posição é de que é importante reduzir, mas com intencionalidade pedagógica. Uma turma, só porque é mais pequena, não é, necessariamente, melhor para os alunos. Vimos isso com algumas escolas do Interior, com 3, 4, 5 alunos, e onde depois há muito insucesso. Não estou a dizer que não é importante reduzir alunos, estou é a dizer que tem de estar associado a políticas curriculares. Mas estamos a chegar ao fim da legislatura e, a partir daí, tudo é especulativo.”