1.
Foi, recentemente, publicado o ranking das escolas portuguesas, a partir de dados do Ministério da Educação. Entre as muitas notícias que resultaram desta divulgação, surgem algumas que referem que apenas 58 em 543 escolas secundárias, conseguiram que 50% ou mais dos seus alunos chegassem ao 12.º ano cumprindo dois requisitos: nunca terem reprovado no 10.º e 11.º e passar nos dois exames principais dos seus cursos. E que, em mais de 80% das escolas do ensino secundário, a maioria dos alunos não conseguiu terminar o Secundário sem reprovar o ano ou chumbar em exames nacionais. Havendo 23 escolas onde menos de 10% dos alunos consegue fazer um percurso limpo no 3.º ciclo do Ensino Básico.
No que respeita ao Ensino Secundário, a melhor escola pública aparece só em 35.º lugar na tabela, agravando a distância que, dantes, se verificava face às escolas privadas. E, entre outros dados que surgem, refere-se que mais de um quarto das escolas secundárias teve média negativa nos exames nacionais.
Já a propósito do 9.º ano, a maioria das escolas teve média negativa nos exames de Português. E apenas conseguiu positiva a Matemática. Os resultados globais dos exames de Matemática e de Português realizados no ano passado pelos alunos do 9.º ano revelam que, em média, as notas baixaram um pouco quando comparadas com o ano anterior. E entre as 1230 escolas que levaram alunos a exame,três em cada quatro escolas tiveram “negativa”, enquanto no ano anterior as negativas terão atingido 70% dos estabelecimentos escolares.
Há, ainda, nos resultados deste ano, novos parâmetros de ponderação dos resultados escolares, de forma a registar o sucesso educativo, o que é excelente. Por mais que, dos alunos com notas consideravelmente mais altas, dois terços sejam do setor particular e cooperativo. A propósito das diferenças verificadas entre as notas dos exames e as que terão sido conseguidas no final do ano letivo, tem vindo a referir-se que algumas chegariam a 4, 5 e 7 valores, sabendo-se que uma subida das notas de acesso ao ensino superior que chegue a ser acima de um valor poderá levar a que um estudante ultrapasse de 200 a 400 colegas na lista de seriação dos candidatos conforme os cursos a que concorra.
Os números valem o que valem; mas são importantes! Por mais que, regra geral, se constatem as diferenças sem que quase nunca se tente compreendê-las. Por exemplo, será que as 34 escolas do setor privado e cooperativo seriam, igualmente, as melhores se os critérios de admissão dos seus alunos fossem, de facto, abertos a todas as famílias? O que faz a diferença: as qualidades dos professores, da escola ou dos alunos? Seja como for, muito pouco tempo depois de alguns responsáveis políticos terem reclamado o mérito dos bons resultados do programa Pisa, reconheço que alguns destes resultados não são tão bons assim. Sendo alguns, inclusive, muito preocupantes. Não deixa, por isso, de ser curioso o silêncio que, entretanto, se sentiu acerca da assunção de responsabilidades - políticas e profissionais - acerca destes resultados, sobretudo por aqueles que, ainda há pouco, reclamavam para si o mérito (quase exclusivo) das melhorias na literacia de alguns alunos portugueses.
2.
Mas vamos aos rankings... Em primeiro lugar, eles trazem consigo uma amostragem significativa acerca do sistema educativo que é muito importante. Porque nos permite ter uma leitura de conjunto a partir da qual se podem redirecionar políticas e reformular opções educativas. Mas se, do ponto de vista ministerial, um documento como este será precioso, receio que, para muitas escolas e para muitos pais, ele sirva como uma espécie de "estudo de mercado" a partir do qual se elegem as melhores escolas para que as crianças as frequentem. O que não seria de todo mau se algum deste "marketing" não se fizesse comparando realidades muito distintas ou, até, nalguns casos, mesmo... duvidosas. Por outras palavras: será um ranking, igualmente, válido quando comparamos, em pé de igualdade, escolas públicas de Trás-os-Montes com colégios privados de Lisboa? Ou escolas inclusivas e escolas "exclusivas"? Ou seja, escolas abertas, que acolhem todos os meninos - sejam quais forem as suas origens, dificuldades ou necessidades de apoio - e escolas que "escolhem quase a dedo" os alunos que lhes interessam, colocando "fora de jogo" aqueles que "convidam" a sair? Escolas em que os professores têm, entre os meninos de uma turma, níveis de diversidade imensos e professores que têm turmas homogéneas? Não serão, regra geral, os professores das escolas inclusivas notáveis na forma como competem - em condições de clara desigualdade e com resultados impactantes - com as escolas "exclusivas", mesmo que (do espaço físico à climatização, dos recursos pedagógicos às condições de retaguarda) quase tudo as distancie? De forma mais clara: nem todas as escolas públicas são, irrepreensivelmente, inclusivas como nem todas as escolas privadas são, incontornavelmente, "manipuladoras". Mas os rankings, geridos de forma aberta, trouxeram consigo enviesamentos graves acerca da leitura da educação e na forma como se criam oportunidades de crescimento escolar. Melhor: aquilo que a escolaridade obrigatória trouxe de igualdade e de democracia às crianças, os rankings poderão estar a iludir e a desperdiçar!
Se esta ideia de que tudo o que é numérico é irrefutável e cientificamente bom já devia merecer ponderação, a ilusão que os alunos se avaliam do 1 para o infinito, sendo que os primeiros são os melhores e os "outros" acabam por ser infinitamente mais fracos, roça a tolice. Basta ver onde estão hoje os melhores alunos do nosso 9.º ano, por exemplo, ou porque é que muitos empreendedores que todos conhecemos foram considerados, ontem, quando eram alunos, mais perto do infinito que do 1. Ou seja: esta ideia de que os números nunca falham na avaliação da educação e das crianças serve, afinal, a quem? A elas próprias, aos seus pais ou, sobretudo, aos interesses das escolas?
3.
E, depois, há a vaidade dos pais. Que é compreensível, até certo ponto. Mas que se torna perigosa quando muitos pais que, hoje, sobrevalorizam os resultados escolares dos filhos viviam, ontem, no desconforto de estarem a ser, sucessivamente, desvalorizados pela escola. Se o risco de ver nos rankings dos filhos uma compensação para os desempenhos escolares medianos dos pais já é escorregadio, o perigo de "colar" aos rankings dos filhos uma espécie de ranking de pais não é prudente. Já a tentação de valorizar a inteligência dos filhos pelos rankings que ocupam torna-se muito pior. Porque se ancora na tentação de valorizarem de forma demasiado imediata (e, perigosamente, "descartável") o seu crescimento, como se a vaidade dos pais passasse a ser muito mais importante que o seu orgulho por um crescimento consolidado com que os filhos conseguem arrecadar créditos tendo em visto o seu futuro. Afinal, o que deve contar mais: só as suas vitórias ou o progresso das crianças?
Dir-me-ão: qual é o mal dos rankings se as crianças não deixam nunca de se comparar? Não seria muito grande se em vez de só se valorizar quem está em primeiro se ajudasse quem nunca lá esteve a poder lá chegar. Ora, constatar que há "os bons" e os "outros" pode escorregar para uma forma ínvia de dar a entender que "cada criança é para o que nasce". O que, no limite, leva a que todos os meninos que não estão nos tais quadros de excelência e de honra vivam os seus desempenhos com uma leve aragem de "orelhas de burro" (que, em vez de estigmatizarem um ou outro são generalizadas de forma mais democrática).
Seja como for, ao mesmo tempo que os rankings das escolas ganham protagonismo, os rankings das crianças não param de aumentar. Ou através de quadros de excelência ou de quadros de honra, onde contam muito mais os resultados escolares em bruto do que o modo como são conseguidos. Será igual comparar as notas de uma criança que tem, por exemplo, uma mãe que estuda por si e faz resumos de todas as matérias com uma criança que se gere, com a tutela dos pais, e aprende a aprender, de forma autónoma? Não! Será igual comparar estudantes que têm uma família que, à saída da escola, monitoriza todas as notas dos colegas do filho e, depois, o "inferniza" para que tenha os resultados que o conduzam às tais listas de destaque com pais que exigem aos seus filhos, na forma como aprendem, lealdade e honestidade sem que, contudo, façam de cada valor uma questão fundamental no seu crescimento imediato? Também não! Ou seja: tudo o que nos "quadros" mais diversos distinguem os "muito bons" dos... "outros" será sempre bom e verdadeiro para o seu crescimento, a prazo? Não!
Mas será insensato imaginar cada mãe ou cada pai a rejubilar de felicidade com as boas notas de um filho? Claro que não. Por mais que seja perigoso que, vivendo os resultados dos filhos como um "brinquedo" precioso, os pais pactuem com os maus exemplos de algumas escolas. E que sacrifiquem os resultados à qualidade da aprendizagem quando, no imediato, resultados e aprendizagem não se conseguem ligar. E que se alimente a ilusão de que se aprende a vencer sem que seja preciso conviver com erros, com derrotas, com frustrações e com dor. Ou seja: tornar o crescimento dos nossos filhos fácil nunca os ajuda a crescer. E se há muitos meninos que ligam resultados, performances e competên-cias, outros - a maioria - tem nos resultados uma forma de iludir, por algum tempo, a "constipação" das competências ou a tremedeira das suas performances.
4.
Mas esta "deriva" amiga dos rankings, em que caímos, trouxe muitos exemplos inquietantes diante dos quais os pais e os governos não podem ser omissos. Será um ranking, igualmente, válido quando todos sabemos que há escolas batoteiras (sejam elas públicas ou privadas) a "competir" com escolas, irrepreensivelmente, honestas? Será, igualmente, válido, quando há escolas que, a partir do segundo período, substituem a educação física pelo português ou pela matemática? E será, igualmente, válido quando, nalgumas destas escolas o número de meninos medicados com metanfetaminas e antipsicóticos soa, no mínimo, a "doping"? E será, igualmente, válido quando, nalgumas destas escolas, ao chegar-se a fevereiro, há turmas onde a percentagem de meninos encaminhados para despiste de dislexia "dispara" de forma exorbitante, de forma a que eles possam ter algumas "almofadas" na sua avaliação para que se repercutam nos rankings? E será, igualmente, válido quando algumas das escolas que recorrem a cardápios de expedientes batoteiros são escolas cristãs, por exemplo, dando a entender que a humanidade, a tolerância e, até, a compaixão são valores do cristianismo que terão, como única cláusula de exceção, osrankings escolares? E será, igualmente, válido quando os meninos com notas medianas são convidados a trocar a escola, para que ela não veja enviesados os seus resultados globais? E quando, a partir do segundo período, há professores que são infernizados para "porem pó de arroz" nas notas? E será, igualmente, válido que tudo se passe há tempo demais e sem consequências claras e irrefutáveis por parte de quem os devia castigar? E sem que os pais e as associações de pais sinalizem os "batateiros" para que, civicamente - como, felizmente, começa a suceder - só as escolas honestas, sejam publicas ou privadas, mereçam ser consideradas amigas das crianças?
5.
Portugal gasta anualmente cerca de 6200 euros, em média, por cada aluno que frequenta o ensino público. A retenção é o principal fator de risco na probabilidade de os alunos virem a ter maus resultados. Registamos reprovações em cerca de 150 mil alunos do sistema de ensino. E um número desses representa um custo de cerca de 600 milhões de euros, quando se admitia que cada aluno custava ao Estado uma verba de quatro mil euros por ano. Isto é: é bom que haja rankings! É bom que deixem de ser uma "manobra de marketing" ou uma forma de "publicidade enganosa" e passem a servir para nos avaliarmos a todos em relação à educação. É bom que as crianças passem por vários momentos de avaliação. Não é bom que elas reprovem, sobretudo quando os recursos que se despendem com isso não sejam usados para evitar esse flagelo e quando a escola, os professores e os pais que com que elas reprovem nunca mereçam um reparo nos seus desempenhos. Por tudo isto, é um bocadinho pateta que se fique a discutir com demagogia o dilema provas de aferição versus exames porque os rankings e a forma como enviesam os desempenhos das escolas e criam vícios de forma nos desempenhos dos estudantes fazem muito pior que os próprios exames. É importante, pois, assumir que vamos ter de repensar o sistema educativo para que ele não transforme crianças singulares em "produtos normalizados". E que não se conviva com o insucesso como se ele fosse dos estudantes e nunca das escolas, dos professores e dos pais. E que, muito menos, se fale dele como se fosse, sequer, legítimo imaginar, no século XXI, que possam existir crianças "débeis" ou crianças "deficientes" mentais, como há, ainda, quem o suponha. Ou como se houvesse crianças difíceis (com "defeitos de fabrico", portanto) e não tanto pais, professores, escolas e técnicos de saúde mental em dificuldades.
Por tudo isto, ainda bem que há rankings! Por mais que eu anseie que sejamos todos mais honestos a lê-los e a valorizá-los. Por mim, e como atitude profilática, eu "proibia" que as crianças estudassem para os testes! Não que não goste que as crianças e os adolescentes tenham bons resultados. Gosto muito! Mas devíamos dar ao trabalho diário (com vistas largas para o conhecimento) a importância que ele merece. Se os testes não valessem mais do que as aulas e não estivessem inflacionados quando os comparamos com a relação que os estudantes têm com os professores e com os seus pares, os rankings não valeriam mais que a aprendizagem. E aí, sim, a escola começaria a revolução tranquila que, com a ajuda de todos, não pode mais adiar.
Fonte: Leya Educação
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