domingo, 29 de janeiro de 2017

Consegue ler este artigo até ao fim sem se distrair?

Um e-mail acabado de chegar, um telefonema inesperado e um chat, de Facebook ou de Whatsapp, que volta e meia dá de si. Para onde quer que olhe, é provável que haja focos de distração, e também é provável que não chegue ao fim deste artigo sem se distrair uma única vez — afinal, a caixa de e-mail está no separador do lado, o telemóvel no seu campo de visão e as redes sociais… bem, as redes sociais parecem estar em toda a parte.

Atenção, distração e dopamina. Como desenrolar este novelo?

Estamos cada vez mais impulsivos a reagir a estímulos e o nosso cérebro processa a informação de forma cada vez mais rápida, mas não retém a memória toda. As palavras são do neuropsicólogo clínico Fernando Rodrigues. É ele quem assegura que o olho humano (e os mecanismos visuais) estão mais rápidos e mais sensíveis a estímulos luminosos, realidade que pode advir do bombardeamento de informação de que somos alvo diariamente. “Há 10 anos não tínhamos o número de estímulos visuais que temos hoje”, continua, explicando que a luz é um forte captador de atenção e que o limiar de atenção está cada vez mais curto.

“A internet está projetada para ser um sistema de interrupção, uma máquina voltada para dividir a atenção”, disse ao The New York Times, em novembro de 2015, Nicholas Carr, autor do livro Os Superficiais — O que a internet está a fazer aos nossos cérebros, publicado em Portugal pela Gradiva. À data, Carr afirmou que estamos dispostos a aceitar a perda de concentração e de foco em detrimento das informações atraentes e/ou divertidas que circulam online. E, já agora, estar sempre conectado não é propriamente bom, pelo menos para o cérebro. Um estudo da Universidade de Londres descobriu que estar-se continuamente ligado pode ter tanto impacto no nosso QI como perder uma noite de sono ou consumir marijuana.

No entanto, é importante não cair no erro clássico de olhar para as novas tecnologias como a grande culpada, até porque, tal como diz Pedro Ferreira Alves, o “ser humano por natureza não tem a capacidade de se concentrar”. Ao Observador, o neuropsicólogo no Instituto Terapêutico Analítico Psicologia Aveiro (ITAPA) explica que a educação, a socialização e até a aquisição da linguagem são fatores importantes para se alcançar a atenção voluntária que é, preto no branco, a nossa capacidade de controlar a atenção. As novas tecnologias podem, no entanto, ser encaradas como um novo desafio para a exigência da nossa atenção.

A isso acrescenta-se que a atenção não é igual para todos e que esta é, para surpresa ou não de muitos, limitada. Dito isto, importa tentar esclarecer que a atenção está associada aos circuitos de recompensa, que são mediados pelos circuitos dopaminérgicos (mas não só). A dopamina, recordamos, é um dos neurotrasmissores mais polémicos na comunidade científica e é também uma “substância gulosa”, tal como refere Fernando Rodrigues. “A surpresa é a forma mais interessante para ocorrer o disparo de dopamina”, esclarece. Ou seja, por norma a surpresa atencional tem um privilégio maior sobre a tarefa anterior — e, já agora, ter um novo estímulo vai degradar a qualidade de atenção prestada ao estímulo anterior.

Para tentar deixar as coisas mais claras, o neuropsicólogo introduz mais um termo científico, “cegueira cognitiva”. Imagine que está a conduzir um carro e que, num instante, recebe uma SMS. Pega no telefone para ver ou responder à mensagem, mas consegue continuar atento/a à condução. Disto isto, já não vai prestar atenção caso surja um estímulo novo, este que pode ser uma criança a atravessar a estrada.

Mais, a distração pode ser encarada como um mecanismo de recentração atencional, tal como o neuropsicólogo Fernando Rodrigues lhe chama. Vamos a outro exemplo: talvez seja mais fácil para si estar mais focado num trabalho num ambiente com mais estímulos do que o contrário. Imagine que vai para um café fazer um trabalho, os estímulos à sua volta passam a ser secundários e ajudam-no a recentrar a sua atenção (e não concentração, uma vez que esta implica estar-se atento a uma única tarefa). Pelo contrário, um ambiente sem estímulos é capaz de prejudicar a criatividade. É que há dois tipos de estímulos diferentes: os que exigem o nosso processamento cognitivo ou emocional, como receber uma SMS, e os que não exigem, como um desconhecido entrar no café onde estamos a trabalhar.

Falta de foco: como isto nos afeta

Fernando Rodrigues, que também é professor universitário, diz que observa um facto irrefutável, isto é, que as pessoas têm uma atenção cada vez mais curta. É isso que atesta dentro da sala de aula, quando os alunos sacam do telemóvel para responder a uma mensagem como se nada fosse. “O telemóvel é hoje uma espécie de extensão do corpo humano”, diz, para depois atirar: “Já não conseguimos controlar os nossos impulsos.” É por esse motivo que se apressa a argumentar que o modelo de aulas deveria ser alterado — duas horas é muito tempo para se permanecer atento e reter toda a informação dada. “Os alunos têm períodos de atenção muito curtos e os conteúdos dados de forma doseada têm mais impacto.”

Da sala de aula para o escritório, Fernando Rodrigues defende que, em consequência da cada vez menor capacidade de atenção e do impulso em reagir a estímulos, está-se a assistir a quebras de produtividade no mercado de trabalho. O fenómeno é relativamente recente e, se antes as empresas bloqueavam o acesso a determinados sites ou chats, agora os telemóveis estão dotados de todas essas tecnologias. Nem de propósito, o típico funcionário de um escritório é capaz de trabalhar apenas 11 minutos entre cada interrupção, sendo que demora em média 25 minutos a regressar à tarefa original. Estes são, pelos menos, os dados recolhidos por Gloria Mark, da Universidade da Califórnia. A falta de atenção está por toda a parte: num escritório perto de si, mas também em casa.

É a psicóloga clínica Filipa Jardim Silva que escolhe falar da atenção distribuída versus atenção mais focada. Se a primeira, seja por via dos vários estímulos que nos afetam diariamente ou pelo modo multitasking que tendemos a assumir, tende a afetar as dinâmicas familiares, a segunda é a opção preferível e menos recorrente. “As pessoas estão menos inteiras nas relações com os outros e isto acontece de pais para filhos, de maridos para mulheres”, argumenta a profissional da Oficina de Psicologia. É o velho cliché: o corpo está aqui, a mente nem por isso.

A falta de presença (ou de atenção) é responsável por uma cada vez menor tolerância ao desconforto e à frustração. Mas não só: nas relações assiste-se, de um modo geral e empírico, à fraca capacidade de ouvir realmente o outro. Para solucionar essas tensões, a proposta da psicóloga passa por dirigir a nossa atenção consciente a apenas um estímulo, mas também reduzir os vários estímulos à nossa volta — talvez esteja na hora de fazer um detox tecnológico. Deixar o telefone à porta de casa, combinar a hora em que vão finalmente pegar nos smartphones ou privilegiar a interação familiar em detrimento dos equipamentos tecnológicos são algumas ideias. Até para evitar aquilo a que Filipa Jardim Silva chama de solidão acompanhada nas famílias: “Falamos sobre muita coisa, mas não falamos sobre nós.”

Uma coisa é (in)certa: o neuropsicólogo Fernando Rodrigues não sabe dizer o que está em causa, se o défice de atenção está subdiagnosticado, se esta é uma mutação geracional ou, então, uma patologia.

Vale a pena treinar a atenção plena?

Para falar da importância e do poder da concentração, o The New York Times chegou a evocar a figura de Sherlock Holmes, tido como um dos detetives mais “inativamente ativos” por ficar simplesmente quieto, sentado e de cachimbo na boca, a pensar na melhor forma de resolver mais um enigma. Isto tudo para falar de mindfulness. No artigo de opinião datado de dezembro de 2012, a publicação abordou o facto de o mindfulness originar do budismo e argumentou que, no contexto da psicologia experimental, o conceito está mais voltado para a concentração do que para a espiritualidade.

“A tecnologia é excelente mas provoca uma série de solicitações e interrupções que não aconteciam antes. Há mais dificuldade em manter o foco e a atenção”, alega também Luís Carvalho, professor certificado de minduflness desde 2008, que cita vários estudos que mostram uma mesma realidade: cerca de metade do tempo em que estamos acordados é passado em distração.

É aqui que a meditação associada ao mindfulness entra — esta é tida como a forma de praticar a habilidade de estar presente e de ir ganhando foco, seja através de práticas formais (meditação em si) ou informais (como passear no jardim e sentir o vento no corpo e/ou o sol na cara). Tanto num caso como no outro é importante perceber quando perdemos o foco e, sem culpa, trazer a atenção de volta.

Nem de propósito, no artigo que o Observador dedicou ao mindfulness, o especialista Vasco Gaspar, autor do livro Aqui e Agora, explicou que apesar da prática do minfulness estar associada à meditação, esta não implica necessariamente o estar-se focado, mas antes fazer o esforço da atenção plena. “A meditação é como ir ao ginásio. São práticas artificiais, para cultivar, coisas que não fazemos no nosso dia a dia”, garantiu à data. Vale a pena repetir: o minfulness é a capacidade de estar presente, de estar consciente do que se passa à nossa volta, das nossas emoções e do nosso próprio corpo. Talvez por isso seja algo a considerar num mundo que cada vez mais distrai e cada vez anda mais distraído.

Mas porque é tão importante estarmos presentes? “Quando estamos com atenção num momento presente, temos toda a atenção do que está a acontecer e isso permite-nos tomar as decisões mais adequadas. Quando estamos distraídos, há muitas coisas que nos podem escapar e podemos ter reações baseadas em hábitos e perceções incompletas ou interpretações erradas”, responde Luís Carvalho. Outro exemplo? É como ir no carro e virar no sítio errado porque aquele é, na verdade, o nosso caminho habitual. “Isso acontece porque houve um momento de distração e quando estamos distraídos a tendência é para seguirmos os nossos hábitos.”

Multitasking: amigo ou inimigo?

No artigo de opinião acima referido lê-se ainda que o mindfulness pode ajudar contra “a praga da existência moderna”, entenda-se o multitasking. “Gostaríamos de acreditar que a nossa atenção é infinita, mas não é. Multitasking é um mito persistente. O que realmente fazemos é mudar rapidamente a nossa atenção de tarefa em tarefa”, escreveu Maria Konnikova, autora do livro Mastermid: How to Think Like Sherlock Holmes.

Multitasking, esse estrangeirismo que é utilizado para descrever a capacidade de fazer mais do que uma tarefa ao mesmo tempo, pode estar a perder terreno para o monotasking, já considerado o termo do século XXI para prestar atenção. De acordo com um estudo publicado em 2014 no Journal of Experimental Psychology, interrupções de apenas dois ou três segundos eram o suficiente para os participantes duplicarem os erros cometidos durante determinada tarefa. A isso acrescenta-se a investigação da Universidade da Califórnia, que mostrou que as pessoas chegam a trocar de tarefas cerca de 400 vezes por dia, daí estarem tão cansadas à noite.

Escreve a Harvard Business Review que o multitasking permite-nos fazer mais coisas, mas também nos deixa mais vulneráveis a cometer erros, ao passar ao lado de informação ou de pistas interessantes e a reter menos informação. Já Fernando Rodrigues associa o multitasking à memória de trabalho e às funções executivas, nas quais se inclui o shifting, isto é, a capacidade de alternar entre tarefas. Refere ainda que o período atencional é muito forte nos primeiros cinco minutos e nos últimos cinco minutos de uma determinada tarefa. “A memória de trabalho vai identificar o que é ou não importante. O que estamos a observar é que a atenção é cada vez mais curta, inclusive nestes mecanismos de trabalho. As próximas gerações podem vir a ser mais voláteis, ainda que com melhores avaliações ao nível da inteligência.”

“Hoje em dia os jovens conseguem fazer mais coisas ao mesmo tempo, mas perdem qualidade de tarefa em tarefa. As gerações anteriores eram mais focadas nas tarefas e retiravam mais pormenores e riqueza de estímulo. Agora, as gerações mais novas detetam mais rapidamente os estímulos mas perdem essa riqueza”, diz Fernando Rodrigues, sem conseguir confirmar qual das situações é preferível. No entanto, faz ainda outra observação com um ponto de interrogação no final: o que será da criança que não consegue captar assim tantos estímulos?

Álvaro Carvalho, diretor do Programa Nacional para a Saúde Mental/DGS, confirma que atualmente existem mais solicitações do que há uns anos, dada a tecnologia que nos acompanha no dia a dia, mas assegura que este não é um fenómeno novo e relembra que também Napoleão Bonaparte era capaz de fazer cinco coisas ao mesmo tempo. A isso acrescenta que as crianças rápida e facilmente passam de uma ocupação para outra, sendo esta uma forma de estar numa sociedade que valoriza a novidade.

Há uma tendência cada vez maior para que as crianças se portem simplesmente bem, atira Conceição Tavares, psicóloga e psicanalista. A também assessora do Programa Nacional para a Saúde Mental da DGS refere que o tipo de aprendizagem mais tradicional não tem em conta a criatividade e os ritmos diferentes das crianças, o que pode estar relacionado com a hiperatividade. “A uniformização da educação traz consequências. Porque os bebés têm de dormir todos aos mesmo tempo e trocar de fraldas também ao mesmo tempo”, assegura. E que consequências são essas? “Distração, défice de atenção…”

No entanto, importa também referir o que disse o pediatra Pedro Gomes à agência Lusa em março de 2015, quando afirmou que a hiperatividade está mal diagonisticada em Portugal: “Estas doenças e expressões [Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA)] aparecem porque o pessoal de saúde está mais sensível, mais atento às perturbações de comportamento do que há uns anos. (…) Há crianças hiperdiagnosticadas e outras crianças hipodiagnosticadas”.

Por outro lado, assiste-se à massificação da informação. Não descurando as “vantagens fantásticas” da internet, o excesso de informação que esta proporciona não ajuda à seleção pelo que, hoje em dia, somos menos seletivos e também menos pacientes. “Hoje é tudo muito automático [rápido e fácil], e isso pode dificultar o facto de os jovens se focarem num só objetivo. Há uma tolerância diferente à frustração”, continua Conceição Tavares, fazendo uma última anotação pessoal como contraponto do que hoje se assiste nas gerações mais novas: “Ainda me lembro de esperar pela época dos morangos”.

Fonte: Observador por indicação de Livresco

1 comentário:

Fisgas disse...

Bom dia!
Aproveito o espaço para divulgar um blog de partilha de material para a Educação Especial e não só. (Espero não estar a abusar!)

Para já só ainda tem crucigramas e Sopas de Letras. Com o tempo irei colocar fichas de trabalho de Português e Matemática que utilizo com os meus alunos com CEI.

O link é o seguinte:
https://sitiodoscrucigramas.wordpress.com/

Obrigado pela colaboração e desejos de boa semana