sábado, 22 de dezembro de 2012

Uma escola para 14 nacionalidades

“Meninos, façam uma fila indiana”, manda a professora. “Indiana? Porquê indiana?”, pergunta um rapaz, provavelmente indiano. Na escola básica n.º 1 da Madalena, num primeiro andar da Rua da Madalena, no centro de Lisboa, é difícil que toda a gente se entenda. “Fila indiana” e “sentar à chinês”, por exemplo, são expressões que grande parte dos miúdos não percebe. “Quando me zango com os meus alunos e pergunto: ‘Mas eu estou a falar chinês com vocês?’, a minha chinesinha responde logo: ‘Não está não, professora’”, ri-se Inês Lopo, professora e diretora da escola.
Dos 67 alunos da escola da Madalena, pelo menos 35 são estrangeiros, diz a diretora. “No primeiro dia de aulas, o espanto é quando vemos na lista um nome português”, conta Helda Nascimento, professora da turma de 22 alunos do 1.º ano, onde há dez nacionalidades diferentes.
Num quadro de presenças à porta da sala de aula, os nomes dizem tudo: Sanjidah, Maruf, Minesh, Fardih, Abeeha, Malisha, Ambre, Ruxanda e lá pelo meio uma Laura, um Sebastião, um Pedro e uma Inês.
Na hora de enumerar os 14 países de origem dos miúdos da escola, a história repete-se: “Guiné, Nepal, São Tomé, Sri Lanka, Moldávia, Ucrânia, Roménia, Paquistão, Índia, Bangladesh, China, Angola, Cabo Verde... Esperem lá, está-nos a faltar um...”, diz alguém na sala de professores. “Ah, claro, Portugal...”
A razão para tanta multiculturalidade numa só escola? A Mouraria, mesmo ali ao lado. “Há muitos pais que põem aqui os filhos porque trabalham na zona”, explica Carla Carvalho, professora de apoio de Português na escola.
“Mas a fama também vai passando de boca em boca”, continua Carla. “Sabem que aqui respeitamos a cultura de cada país. Por exemplo, nos dias de festa pedimos para virem com roupas tradicionais e trazerem comida típica, fazemos esse tipo de actividades que evidenciam as culturas e que não acontecem noutras escolas.”

EMENTA COM RESTRIÇÕES 
E por falar em comida, a hora das refeições é sempre complicada porque aqui “respeita-se a religião e as restrições alimentares impostas por ela”, esclarece a professora. “Há meninos que não podem comer glúten ou porco, outros que não comem carnes vermelhas, outros que são intolerantes à lactose, uns vegetarianos de todo, outros que só comem peixe, outros ainda que só comem carnes brancas e peixe...” Enfim, uma confusão. “Até já tivemos um aluno que entrou no Ramadão e nos pedia para sair da escola à hora das refeições”, recorda Inês. No primeiro dia de aulas, quando ainda não se sabe com o que contar, a solução é encomendar um almoço que em princípio não traga problemas a quase ninguém, “tipo douradinhos ou frango”.

NADAR DE CALÇAS E CAMISOLA 
Não é fácil também lidar com as diferentes religiões dos miúdos. Na natação, uma das atividades promovidas pela escola, há pais a proibir as filhas de entrarem dentro de água. “Dizem-nos: ‘Português sim. Bangladesh não’”, conta Inês, a imitar o sotaque de um pai. Outros já se tornaram mais tolerantes e deixam que as filhas aprendam a nadar, “mas de calças ou calções e uma camisola”.
Nas aulas, algumas raparigas muçulmanas têm de usar véu e é frequente faltarem no período de festas dos seus países. “Dantes faltavam sem dizer porquê ou mentiam, mas agora já se habituaram a dizer-nos que têm as festas tradicionais ou que vão visitar o seu país.” Já houve pais que proibiram as raparigas de se sentarem ao lado dos rapazes. “Também tivemos situações de pais que não queriam que os meninos se sentassem uns ao lado dos outros porque os países estavam em guerra, como o Paquistão e o Bangladesh”, conta Inês. “E nós tentamos explicar que as crianças não têm culpa.”

TRADUTORES 
No hall de entrada da escola são precisas três professoras para explicar a um pai a que horas é o lanche de final de período com pais e alunos. “Quatro, quatro horas”, repetem, enquanto gesticulam. Nas reuniões com os pais passa-se o mesmo e alguns já aparecem com amigos que estão em Portugal há mais tempo e falam melhor. Às vezes vêm com um tradutor da embaixada e quando isso não acontece são os próprios alunos a traduzir. “Mas há tantos dialetos que às tantas os meninos de países com a mesma língua já nos dizem: ‘Professora, eu não percebo o que ele diz. Não falamos a mesma língua.’”

NATAL SEM BACALHAU 
Para dar a matéria é complicado e há que recorrer a muitas imagens, gestos e dicionários ilustrados. Mas os alunos portugueses não saem prejudicados, garante Inês. “Pelo contrário, temos vários planos de aulas e os portugueses tentam ajudar os outros”, explica Inês.
Helda diz que o seu melhor aluno é o ucraniano Ievgen. Quando chegou a Portugal, no início do ano letivo, não falava uma palavra de português. “Há uns que não falam de todo. Outros que leem e percebem tudo mas nunca falam e outros que aprendem rápido.”
Por esta altura, a escola preocupa-se em não valorizar muito o Natal, até porque grande parte dos alunos não o festeja. “Houve um exercício que até tive de retirar de uma ficha”, continua Inês. “Dizia para ‘pintar os alimentos que comes na noite de Natal’, mas muitos dos meus alunos nem sabem o que é bacalhau.”
Por Clara Silva

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